Killer Instinct completa 30 anos de estilo e Ultra Combos

A primeira empreitada da Rare nos jogos de luta trouxe gráficos pré-renderizados e muitos combos já em 1994.

em 27/09/2024
Uma das características intrínsecas aos jogos de luta é a mecânica de combos, e é impressionante que algo tão essencial surgiu a partir de um erro em Street Fighter II. Não demorou para que as desenvolvedoras abraçassem os ataques combinados e passassem a construir todo o sistema de combate com isso em mente.


Aproveitando a febre dos jogos de luta, a britânica Rareware decidiu explorar o gênero com seu toque mágico dos anos 1990. Trazendo uma qualidade técnica impressionante para a época, Killer Instinct foi lançado em 1994, oferecendo muita personalidade, música techno e, claro, combos.

Os computadores da Silicon Graphics e o Ultra 64

A ideia do desenvolvimento de Killer Instinct começou com uma inspiração direta em Street Fighter II. Inicialmente chamado Brute Force, o conceito do jogo passou por várias mudanças até se aproximar do que conhecemos hoje, especialmente após a entrada de Ken Lobb, ex-desenvolvedor da Namco, que já estava interessado em criar um título de luta.

Logo e renders iniciais de Glacius e Orchid, chamada de Roxy originalmente.
Seguindo uma direção visual mais próxima de Mortal Kombat, misturando misticismo com ficção científica, a criação de Killer Instinct coincidiu com a implementação dos computadores da Silicon Graphics Inc. nas produções da Rare. Com isso, o jogo foi renomeado e lançado através de uma colaboração: a Rare ficou responsável pelo desenvolvimento, a Midway pela publicação das máquinas arcade, e a Nintendo pelo marketing.

A máquina criada para rodar Killer Instinct foi revolucionária, utilizando pela primeira vez um disco rígido (HDD) como mídia de armazenamento principal, além da tradicional memória ROM. Esse espaço extra proporcionado pelo HDD permitiu adicionar mais detalhes do que qualquer outro jogo do gênero da época, maximizando a qualidade dos gráficos pré-renderizados e fugindo das limitações do CD.

O desenvolvimento do arcade também teve suas peculiaridades. A forte relação entre a Rare e a Nintendo fez com que o hardware fosse projetado com base no Ultra 64, um protótipo que daria origem ao Nintendo 64 em 1996. Contrariando a crença popular, o arcade de Killer Instinct não era simplesmente um “Nintendo 64 com HDD”.

Mesmo 30 anos depois, Killer Instinct ainda impressiona quando comparado a outros jogos contemporâneos. Os personagens têm uma quantidade considerável de animações, e as telas de encerramento e versus exibem pequenos vídeos. Em um monitor CRT, a impressão é que tudo estava sendo renderizado em tempo real.

Os cenários merecem destaque especial. A maioria das fases utiliza o HDD para alternar quadros de acordo com os eventos da luta, como se o vídeo avançasse e retrocedesse com a posição da câmera. Alguns cenários, no entanto, são em 3D, permitindo rotação livre da câmera e até execuções de finalizações especiais ao jogar o inimigo para fora da arena.

Os lutadores

Como era comum na época, as lutas de Killer Instinct acontecem em um torneio. Organizado pela megacorporação Ultratech, a empresa é responsável por experimentos genéticos e científicos de diversos tipos e criou o campeonato para testar suas criações contra outros guerreiros. No jogo, podemos escolher entre dez lutadores distintos:

  • Jago: um monge tibetano guiado pelo Espírito do Tigre, fonte de seus poderes, que busca deter a Ultratech;
  • Black Orchid: a femme fatale do jogo, uma agente secreta que investiga a Ultratech após uma série de desaparecimentos relacionados ao torneio;
  • TJ Combo: campeão de boxe dos pesos pesados, expulso do circuito por implantar braços cibernéticos ilegalmente. Ele entra no torneio em busca de fama;
  • Chief Thunder: um nativo americano que participa do torneio em busca de seu irmão desaparecido, Eagle, que sumiu na edição anterior do campeonato;
  • Sabrewulf: um homem amaldiçoado com licantropia. Em busca da cura, ele se junta ao torneio acreditando que a Ultratech pode ajudá-lo;
  • Glacius: um alienígena de gelo capturado pela Ultratech após cair na Terra. Ele é forçado a lutar no torneio;
  • Cinder: um experimento fracassado da Ultratech. Ben Ferris foi transformado em uma criatura de lava e luta no torneio em troca de sua liberdade;
  • Spinal: um guerreiro esqueleto ressuscitado por experimentos da Ultratech. Sem memória de sua vida anterior, ele luta apenas pelo instinto de batalha;
  • Riptor: uma criação da Ultratech que combina genes de répteis com inteligência humana, colocada no torneio como teste;
  • Fulgore: um protótipo cibernético altamente equipado, criado pela Ultratech para ser testado no torneio.
Além desses dez personagens, há Eyedol, um guerreiro de duas cabeças que atua como o chefe final. Ele foi trazido à Terra por um experimento dimensional da Ultratech e é a arma secreta da organização, apesar de a criatura ter outros planos em mente ao sair de seu Limbo.

Todo esse investimento técnico não teria o mesmo valor sem um bom gameplay, e Killer Instinct trouxe novidades bem-vindas. Com um esquema de controle de seis botões separados por socos e chutes, similar ao dos jogos da Capcom, os golpes especiais são executados de forma tradicional, com a jogabilidade 2D servindo como base.

A maior adição está no sistema de combos. As sequências começam com um ataque auto-double que coloca o oponente em uma espécie de “estado de combo”, seguido por golpes especiais que servem como linkers, que estendem a sequência e, por fim, um finalizador que encerra a combinação e confirma o dano final. Esse sistema foi aprimorado nos jogos seguintes para permitir combos manuais também.

Para interromper o combo do adversário, o jogo apresenta a mecânica de Combo Breaker. Baseado em um sistema de pedra, papel e tesoura, o jogador que está sendo atingido deve executar um movimento específico de acordo com o golpe do oponente, no momento certo. Por exemplo, se o linker for de um golpe fraco, o combo breaker deve ser feito com um ataque médio, enquanto linkers médios são quebrados por golpes fortes, que quebram os fracos. 

Outro destaque é a presença de movimentos finalizadores, claramente inspirados pelos Fatalities de Mortal Kombat, mas com um toque mais cômico. Exemplos incluem T. J. Combo jogando o oponente para fora da tela e Glacius dissolvendo o adversário dentro de si. Além disso, também era possível humilhar o inimigo com os Humiliations, fazendo-o dançar de maneira constrangedora.

Mas, claro, são os Ultra Combos que realmente roubam a cena. Quando a vida do adversário está nas últimas, o jogador pode finalizar a ofensiva com um comando que desencadeia uma sequência absurdamente exagerada de ataques, ultrapassando 30 golpes numa catarse prazerosa. Fica ainda mais divertido quando realizado em cenários 3D, com o personagem caindo do topo da arena ao fim da sequência.

Irônico arremessar um ser de lava na lava para finalizá-lo.
A parte sonora também brilha, graças ao uso do HDD. O narrador entusiasmado se tornou uma marca registrada da série, com frases icônicas como “ULTRAAA COMBOOO” e “C-C-C-Combo Breaker!”, que ficaram na memória dos jogadores.

A trilha sonora de Killer Instinct, o primeiro trabalho de Robin Beanland na Rare, é repleta de música eletrônica europeia dos anos 1990, com fortes influências de eurodance, eletrônica e techno, além de faixas de rock representando personagens como Thunder, Eyedol e Cinder. A trilha foi tão popular que remixes das músicas foram lançados em CD junto com a versão de Super Nintendo em 1995.
 

The Instinct

Orchid

Sabrewulf

Sucesso nos fliperamas e nos consoles

A lendária frase “Available on your home in 1995, only on Nintendo Ultra 64” (Disponível na sua casa em 1995, apenas no Nintendo Ultra 64) da introdução não se concretizou devido aos atrasos no lançamento do console de quinta geração da Nintendo, forçando a Rare a portar o jogo para o humilde SNES.

Embora houvesse inúmeros cortes e adaptações para reduzir um game de mais de 100 MB para um cartucho de 3 MB, o trabalho da Rare foi extremamente competente. Todos os personagens, o sistema de combate praticamente intacto, as músicas, os cenários e o visual pré-renderizado foram adaptados para o 16 bits de forma impressionante, resultando em 3 milhões de cópias vendidas.

A Rare ainda se esforçou para trazer Killer Instinct ao Game Boy. Nesse caso, os cortes foram mais significativos, com a ausência de Cinder e Riptor (junto de seus cenários e músicas), mas o sistema de combate foi bem adaptado ao esquema de dois botões do portátil monocromático.

Alguns lutadores tiveram alteração na sua lista de movimentos, como Sabrewulf que ganhou um projétil.
Apenas em 2013, com o lançamento do reboot para Xbox One, vimos uma versão arcade perfect via emulação, desenvolvida pela Digital Eclipse. Essa versão trouxe novidades como modo de treino, partidas online e uma galeria de artes.

Killer Instinct não teve a mesma longevidade que alguns de seus rivais, mas permanece uma das produções mais influentes do gênero e um dos títulos mais icônicos dos anos 1990. Divertido, tecnicamente impressionante e cheio de charme, o primeiro jogo da franquia ainda merece reconhecimento por seu legado. E todos esperamos realizar mais ULTRA COMBOOOOS em uma nova entrada da série!

Revisão: Heloísa D’Assumpção Ballaminut

Estudante de enfermagem de 25 anos, está nesse mundo dos joguinhos desde criança. Fã de games com vibe mais arcade e arqueólogo de velharias, mas não abandona experiências mais atuais. Acompanha a mídia de podcasts, dublagem e ouvinte assíduo de VGM. Pode ser encontrado como @AlecFull e semelhantes por aí.
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