Análise: O Escudeiro Valente (The Plucky Squire) não é perfeito, mas tem charme de sobra

Apesar de a jogabilidade tropeçar em diversos pontos, o título promete encantar até o mais enfezado dos corações.

em 25/09/2024


Antes do bloqueio do X, ex-Twitter, aqui no Brasil, eu segui o artista James Turner na plataforma por muitos anos. Entre desenhos de personagens de videogame andando de skate e imagens do Kirby em situações insólitas, seu estilo de arte simples e charmoso sempre me divertia quando passava pela timeline. Quando O Escudeiro Valente, ou The Plucky Squire — um jogo inteirinho desenhado assim — foi anunciado em 2022, meu interesse foi imediatamente cativado. Cada nova imagem só me dava mais vontade de jogar.

É meu maior prazer e honra anunciar: podem acreditar no hype. O simpático RPG da All Possible Futures não é só um rostinho bonito; por trás de todo o espetáculo, bate um coração que irradia amor pela arte, pela infância, e pelo meio dos videogames como um todo. Cada sequência é uma nova homenagem bombástica, uma dedicatória a tudo o que permitiu que este jogo existisse.

Ao mesmo tempo, contudo, a aventura por vezes parece não saber quem é a audiência. Entre explicações constantes do que se deve fazer em níveis de quebra-cabeças e referências a artistas que nenhuma criança deve conhecer, O Escudeiro Valente sofre para encontrar o tom adequado.

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Não tinha medo, o tal escudeiro Pontinho…

Neste conto de fadas completa e maravilhosamente localizado para o português, o jogador é o próprio escudeiro valente: Pontinho, um jovem escritor e herói local sempre às voltas com seu maior inimigo, o maligno mago Enfezaldo. Após descobrir que mora em um livro de histórias, onde está sempre fadado a ser derrotado, o vilão usa a “Metamagia” para expulsar Pontinho da narrativa e tentar criar um mundo onde ele vença.


Agora, com o conhecimento de que é um personagem ficcional, Pontinho viaja entre a própria história e o quarto do menino Sam, um pequeno artista que é seu grande fã, para impedir que seu mundo seja mudado para o pior. A jornada o leva a diversos outros ambientes fictícios, como um planetinha dentro de uma caneca e um diorama da Pré-História, e, dentro do livro, por todo o Reino de Mana, a terra que jurou proteger.

A primeira coisa que se deve dizer sobre os dois ambientes é que ambos são muito bem trabalhados. O amor e a dedicação ao projeto se fazem vistos tanto no livro, que ostenta o estilo adorável de James Turner, quanto no quarto de Sam, cuja mesa, sempre cheia de novas criações e materiais de arte, apresenta uma série de desafios a Pontinho — além de novos aliados e ferramentas.

Uma das grandes provas desse amor é a presença dos Pergaminhos de Arte, itens colecionáveis que revelam várias ilustrações conceituais e comentários internos, mostrando o processo criativo da equipe do começo ao fim. O Escudeiro Valente também quase conteve uma referência ao trabalho mais conhecido de Turner: o artista é um dos designers da franquia Pokémon, e uma das ideias de inimigos para o jogo se parecia com a Mandibuzz, uma de suas criações.


Quando O Escudeiro Valente convida o jogador a observar como suas ideias se solidificaram, isso é, por si só, uma das muitas celebrações da arte presentes no título, e ajuda a reforçar os temas da narrativa. Não é só pelo bem das crianças fictícias que Pontinho e seus amigos — a bruxinha pintora Violeta e o troll roqueiro Batera — lutam, mas pela valorização da criatividade no nosso mundo, também.

Larga a mão, poxa!

Nesta aventura, existem dois modos diferentes de gameplay: 2D, no livro, e 3D, no quarto. Ambos envolvem fases de plataforma e combate, que guiam cada um dos dez capítulos a conclusões que vão de jogos de ritmo a paródias de Punch-Out!!, passando por shoot-’em-ups e match-3. Também há segmentos de furtividade e quebra-cabeças simples; tudo permite a dinamicidade da jogatina e evita que a aventura se torne repetitiva… na maioria das vezes.

A maior fraqueza d’O Escudeiro Valente são as fases que envolvem troca de palavras, que aparecem com frequência e nunca saem do lugar-comum. Dentro do livro, o jogador consegue brincar com a narrativa ao, por exemplo, trocar os adjetivos “pequeno” e “grande” entre duas frases — mas só as selecionadas previamente. Apesar de o formato parecer aberto, nunca há mais de uma solução; no máximo, existe a chance de uma conquista por ter criado algum combo específico, que não altera a progressão em nada.

Além disso, o jogo passa tempo demais explicando seus quebra-cabeças mais fáceis. Cada vez que um novo obstáculo aparece, os personagens lamentam algo do tipo “puxa, queria que alguém pudesse [insira aqui a exata ação que o jogador deve fazer]”, o que, na minha cabeça, deveria acompanhar uma piscadinha diretamente para mim.

Entendo que O Escudeiro Valente pensa nas crianças que podem estar jogando, mas, já que já existe uma mecânica dedicada a ajudar com as respostas dos problemas apresentados (o personagem Barbinha age como guia), sinto que essas falas teriam sido melhor dadas por ele.


Esse embate entre os dois possíveis públicos é algo que marca certas partes do jogo muito mais do que outras. Por exemplo, no reino de Ártia, ilustrado acima, quase todos os NPCs são referências a artistas famosos. Temos todos os clássicos, como Frida Kahlo, Leonardo da Vinci e Pablo Picasso, além de alguns mais nichados. Ver a Yayoi Kusama, uma artista japonesa apaixonada por bolinhas, trouxe-me um grande sorriso — mas também me fez pensar.

Que criança que não lê livros sobre arte do Japão entenderia a referência a ela? O público-alvo aqui é claramente composto de pessoas como a adulta que vos escreve, mas, se o jogo sabe que adultos também podem estar jogando, por que explicar tanto as próprias fases? Existe um claro conflito de audiências aqui, e a frequência das vezes em que o título fala o que nem todo mundo precisa escutar mostra uma certa falta de direção.

Ao mesmo tempo, contudo, não deixemos que esse problema nos faça perder de vista a variedade e beleza da gameplay. Quando a narrativa relaxa e nos deixa engajar direito, as experiências que O Escudeiro Valente têm a proporcionar são maravilhosas. Há sempre uma nova surpresa a cada capítulo, formando uma pequena coleção de minigames que, mais uma vez, mostram todo o amor que o time da All Possible Futures tem por Pontinho e amigos.

Lê uma história pra mim?

A última parte do quebra-cabeça é a história d’O Escudeiro Valente, que é o que se esperaria de um livro infantil: simples, como vários outros aspectos do jogo, mas repleta de amor e carisma. As melhores partes são os arcos dos amigos de Pontinho: Violeta busca confiança em si mesma e em sua magia, e Batera ainda não se sente 100% conectado com a cultura de sua montanha. Nada inacreditável — o suficiente para servir aos propósitos da narrativa.

O enredo é amarrado por uma excelente localização para o português, que conta com dublagem feita por Mauro Ramos, voz do Shrek, e diversas sacadas muito bem-adaptadas ao público brasileiro. Por exemplo, o personagem Batera se chama “Thrash” no original, um estilo de heavy metal; por aqui, ele recebe um nome que continua refletindo suas origens de roqueiro, agora com um toque a mais de amabilidade (afinal, “batera” é apelido de “bateria”). 

Também merece destaque o ótimo balanço de tom. O enredo é capaz de alternar entre comédia e suspense com perfeita naturalidade; quando Pontinho é arrancado de dentro da própria história, a vulnerabilidade do momento é palpável. Os novos modos de gameplay também ajudam a construir a narrativa, como nos segmentos de perseguição estilo Pizza Tower; um belo casamento entre o lado livro e o lado jogo.

O mais moderno dos contos de fadas

O Escudeiro Valente pode ter alguns problemas de execução, mas certamente não falha em entregar uma aventura simpática, divertida e cheia de amor pelos artistas e arteiros do nosso mundo. É uma excelente estreia de James Turner como diretor e artista principal, que mostra todo seu potencial como contador de histórias e faz uma sólida defesa do conceito de videogames como arte. Uma sequência ou DLC que tornasse a brincar com o Reino de Mana seria certamente muito bem-vinda.

Prós

  • Gráficos lindíssimos, tanto em 2D quanto em 3D;
  • Diversas homenagens divertidas a outros gêneros mostram um grande amor pela arte e por videogames em geral;
  • Personagens simples, mas cativantes;
  • Ótima localização para o português;
  • Bom balanço de humor e tensão narrativa.

Contras

  • Algumas fases são muito presas a uma fórmula;
  • Jogo não sabe balancear a audiência infantil e adulta.

O Escudeiro Valente (The Plucky Squire) — PC/PS5/XSX/Switch — Nota: 9.0
Versão utilizada para análise: PS5

Revisão: Vitor Tibério
Análise produzida com cópia digital cedida pela Devolver Digital


Jornalista formada pela PUC-SP e eterna apaixonada por videogames, especialmente aqueles japoneses de mistério. Sempre tem alguma redação gigante para escrever depois que zera um Yakuza.
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