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Análise: My Lovely Empress nos faz questionar se o amor vale a pena diante do estresse de gerenciar um império

A sequência de My Lovely Daughter e My Lovely Wife é um produto mais complexo e conciso, mas infelizmente não diverte como os antecessores.

em 08/09/2024


Para quem não jogou My Lovely Daughter e My Lovely Wife, saiba que ambos trazem uma premissa similar: diante da perda de um ente querido, o protagonista começa a se envolver com magia negra no intuito de colocar em prática um ritual de ressurreição que normalmente exige o sacrifício de certo número de almas para dar certo. My Lovely Empress, o terceiro título da série concebida pelo GameChanger Studio, segue essa mesma ideia, mesmo que com peculiaridades próprias, especialmente de jogabilidade, que o distanciam de seus antecessores.


Você trocaria toda a prosperidade do seu reino por amor?

O jogador assume o papel do imperador Hong, que assumiu o trono de um fictício império asiático após a perda da mãe, a antiga imperatriz, acometida por alguma doença sobrenatural. Não muito tempo depois de sua perda, outra tragédia acontece, visto que sua amada esposa também faleceu aparentemente da mesma enfermidade. Tomado pelo desespero, ele descobre que, em tempos passados do império, entidades mágicas derivadas da mitologia chinesa chamadas yaoguai foram invocadas no intuito de auxiliar o imperador.




Sem nada a perder, o protagonista firma um pacto faustiano com tais criaturas, cujos poderes sobrenaturais dão a ele um vislumbre da possibilidade de trazer sua esposa novamente à vida. Nesse processo, Hong consegue resgatar a alma da moça, mas para mantê-la por perto enquanto estabelece as condições para o ritual final de ressurreição, ele precisa sacrificar os espíritos da população através dos desastres conjurados pelos próprios yaoguais.

Assim, será necessário equilibrar o dia a dia de Huong como monarca, lidando com os problemas do povo e estabelecendo laços diplomáticos com os impérios vizinhos, ao mesmo tempo que mantém o foco no objetivo final de ressuscitar sua esposa enquanto lida com vários outros problemas que o restabelecimento dos laços com os yaoguai — que são dez e precisam ser invocados um a um — acabam trazendo ao longo da trama.




Como nos antecessores, o desempenho do jogador, bem como as decisões tomadas ao longo da trama, acabam rendendo várias conclusões distintas, o que sempre traz um charme adicional à história, principalmente porque boa parte desses finais traz resoluções muitas vezes amargas, que acabam ressoando muito bem com a geração byroniana do movimento literário do romantismo, aquela que mistura o amor irredutível exagerado com muito pessimismo existencial, fuga da realidade e um tom depressivo bastante sentimentalista.

Ainda assim, a narrativa é menos emocional do que a dos outros dois My Lovely, que mesmo trazendo uma trama mais elaborada e reviravoltas interessantes, parece preferir dar um enfoque à questão da jogabilidade em vez de estimular o apego emocional do jogador com cada personagem a um nível individual. 



Quando o futuro do império se torna mera estatística

A estrutura geral da jogabilidade de My Lovely Empress se sustenta em ouvir os problemas que o Crimson Empire enfrenta e tomar decisões que sempre terão efeitos positivos e negativos nas quatro facções que compõem o império: a guarda, os nobres, os mercadores e o povão. Agradar a determinado grupo fará com que o império seja bem quisto e resultará em novos integrantes para a dita classe social.

Pontualmente, também é possível usar o poder dos yaoguai para identificar as consequências de cada escolha, bem como usá-los em incursões atrás de matéria-prima (usada para invocar novas criaturas) e para provocar os desastres que sacrificarão a população e servirão para encher o tonel de almas que mantém o espírito da amada de Hong ainda preso ao mundo terreno. Nota-se que a utilização dessas entidades não é irrestrita, uma vez que elas contam uma barra de energia que limitam suas ações, mas que podem ser evoluídas juntamente de outros atributos. 




A questão é que, embora pareça bastante elaborado no início, logo percebemos que a maior parte dos sistemas apresentados carecem de diversidade prática. Por exemplo: os problemas enfrentados pelos cidadãos do império se repetem de uma maneira tão constante que em menos de duas horas de jogo já é possível decorar qual é a consequência de cada um, já que as soluções também são sempre as mesmas pré-determinadas.

Nesse aspecto, tal tomada de decisão, que é o cerne da série My Lovely por supostamente nos apresentar situações e personagens aos quais nós devemos nos apegar e, assim, trazer um significado emocional para cada escolha, acaba se reduzindo a uma decisão estatística. A escassez de conflitos, constantemente em looping, faz com que nossos massacres se tornem um jogo mais racional do que realmente emocional, como normalmente joga o histórico da franquia.




Essas decisões ficam ainda mais técnicas quando percebemos que o progresso pela campanha é relativamente complicado, especialmente se for do interesse jogar de uma maneira mais correta do que outras e tentar equilibrar uma eventual harmonia entre as quatro facções do reino. É um desafio um tanto desregulado para os não iniciados no gênero e até para os jogadores dos antecessores, que estão acostumados a um outro estilo, mas ainda assim uma direção bem interessante no que diz respeito aos rumos que a série pode tomar.

Caso o começo e meio da campanha não tenham sido suficientemente estruturados com a devida propriedade, as porções finais começam a apresentar algumas complicações bem chatas que sugam boa parte dos recursos financeiros ou mesmo de aprovação das classes sociais, o que acaba fazendo com que o jogador entre em um ciclo de bola de neve em que ele só vai adiar o inevitável game over, pois a cada vazamento que tenta vedar, mais dois acabam surgindo, basicamente travando o progresso propriamente dito.




Ou seja, é uma atenção constante para agradar a quatro esferas cidadãs distintas no intuito de fazer do nosso reino um lugar propício para a imigração, o que renderá novos habitantes que acabam sendo criados como porcos para o abate, já que serão sacrificados em prol da alma da esposa morta do imperador. Um tropeção em qualquer uma dessas competências acaba levando o império à ruína, seja porque ele foi um soberano inapto, seja porque o espírito da imperatriz seguiu para o além-vida, o que faz com que o imperador seja acometido à depressão que o impede de governar.

Grindar por loot de matéria-prima é bem coisa de império mesmo

Além desse manejo estatístico constante em relação aos grupos de habitantes, é necessário também atentar-se ao inventário, uma vez que são necessários vários itens para que os yaoguais sejam invocados e, posteriormente, evoluídos. O problema é que vários desses materiais precisam ser adquiridos e desbloqueados através de explorações, o que acaba exigindo ainda mais gerenciamento da energia das criaturas. 




A questão é que a obtenção das matérias-primas depende também de fatores aleatórios, o que certamente acaba frustrando o jogador, que, nas porções mais avançadas da campanha, não vai ter tanto tempo assim para ficar grindando até que o item específico decida aparecer e, assim, permitir o progresso da campanha.

No geral, o maior revés de My Lovely Empress acaba sendo esse gerenciamento bastante enfadonho e cansativo, dependente demais de RNG e grind em um título que não oferece tempo para que as coisas se ajeitem por conta da corrida contra o tempo de manter o espírito da falecida devidamente abastecido com a alma dos cidadãos. É um ciclo de jogabilidade tedioso e exaustivo que, embora pareça interessante logo de cara, logo cai no ostracismo por conta da repetição inerente às tarefas do jogo.




Esse detalhe só piora caso o jogador decida começar novamente, já que é necessário passar pelos exatos mesmos eventos caso queira acompanhar algum desfecho distinto para a narrativa. Isso prejudica de verdade o fator replay; além disso, é certo dizer que My Lovely Empress se beneficiaria bastante de uma dificuldade mais branda para quem realmente não quiser passar nervoso com as eventuais espirais de consumo exagerado de recursos que acabam dificultando o progresso natural da narrativa.

Visualmente, o estilo artístico é um desbunde, desta vez com o diferencial de que os personagens, que nos antecessores da série eram representados por ilustrações estáticas, agora são belos modelos tridimensionais, adequados a um estilo de arte que remete à China, com movimentos e reações pontuais. A identidade visual, como um todo, consegue consolidar muito bem sua ambientação asiática mística.




A única decisão mais difícil de entender o que o estúdio quis fazer nesse aspecto diz respeito à exibição das sequências de diálogo que, por algum motivo, deixa um espaço enorme entre os personagens, em vez de fazê-los preencher um espaço maior na tela, o que deixaria a visualização geral mais agradável e ainda valorizaria todos os detalhes dos modelos dos bonecos em questão.

O design dos personagens também se destaca positivamente, especialmente no dos yaoguai, que remetem a outras figuras da mitologia, mas ainda com muita personalidade. O problema está no fato de que, ao contrário das filhas (de My Lovely Daughter) e das esposas (de My Lovely Wife), as histórias individuais de cada criatura não são exatamente interessantes, ficando difícil se apegar a cada uma delas.




É um pouco irônico, já que os próprios yaoguais também podem ser sacrificados e não podem ser invocados novamente, uma característica que supostamente deveria adicionar um peso emocional ainda maior à escolha de abatê-las ou não, mas que novamente acaba reduzindo a decisão a uma questão estatística de prós e contras: tenho dez assistentes, vale a pena descartá-la para tentar manter a campanha nos trilhos (já que, por algum motivo, invocar um desastre natural para a população é inviável) ou suas utilidades como faz-tudo do império são mais úteis?

Mais complexo, mas não exatamente mais divertido

Como jogador, uma das experiências mais interessantes nesse meio é acompanhar a evolução de algum estúdio independente de games e como esse progresso se traduz de maneira prática nos seus produtos, que podem ou não desenvolver uma espécie de estilo ou assinatura, como uma identidade própria.




Com My Lovely Empress, o GameChanger Studio até tenta dar uma subvertida na fórmula de My Lovely Wife e My Lovely Daughter ao trazer maior complexidade para o produto, mas mesmo os avanços técnicos não são suficientes para sanar a falta de consistência na execução das propostas do título entregue, que até traz uma história interessante, mas o estresse de depender demais de um ciclo cansativo de jogabilidade e de outros fatores aleatórios só vai valer para nichos muito específicos de fãs de jogos de estratégia. Os antecessores podem ser mais simples e fáceis, mas mesmo tão repetitivos quanto este aqui, com certeza oferecem bem mais entretenimento.

Prós

  • Narrativa interessante que se aproveita bem das várias possibilidades de conclusão;
  • A transição das ilustrações estáticas para os modelos tridimensionais é executada de um jeito bastante competente;
  • Embora íngreme, a curva de desafio traz um tempero a mais para a jogatina.

Contras

  • As tomadas de decisão infelizmente se reduzem ao fator estatístico;
  • Necessidade exagerada de grind em um jogo que não disponibiliza esse tempo para o jogador;
  • Dependência de fatores aleatórios em diversos aspectos da campanha;
  • O ciclo de jogabilidade logo se torna repetitivo e cansativo.
My Lovely Empress — PC/Xbox Series/Switch — Nota: 5.5
Versão utilizada para análise: PC
Revisão: Davi Sousa
Análise produzida com cópia digital cedida pela Neon Doctrine

É jornalista formado pelo Mackenzie e pós-graduado em teoria da comunicação (como se isso significasse alguma coisa) pela Cásper Líbero. Tem um blog particular onde escreve um monte de groselha e também é autor de Comunicação Eletrônica, (mais um) livro que aborda história dos games, mas sob a perspectiva da cultura e da comunicação.
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