Jogamos

Análise: Keylocker: Turn Based Cyberpunk Action, um scifi nada convencional, mas com muita personalidade

Em uma aventura sobre opressão e música, o mundo que mistura ficção científica e psicodelia mostra uma cara pouco convencional para o gênero RPG.

em 24/09/2024

Recentemente, cada vez mais RPGs de turnos têm feito uma volta, sobretudo no espaço independente, e vários deles tentam ficar ali, entre nostalgia e aventuras tradicionais sem tentar um voo mais ousado. Já Keylocker: Turn Based Cyberpunk Action não sente medo e dá um salto que o gênero permite em questões de experimentações e ousadias, mesmo esbarrando em alguns problemas difíceis de ignorar.

Tradição apenas na superfície


Keylocker é um RPG tradicional na veia de medalhões do gênero e conta a história de B0B0, uma musicista vivendo em um mundo opressivo que proíbe a música. Seus agentes proibidores formam uma espécie de culto, e a obstinada vocalista precisa enfrentá-los para formar uma banda e fazer música. Uma narrativa que, a princípio, é bem comum no subgênero do cyberpunk e que poderia ser um ponto negativo, não fosse a forma que essa história é contada.

O jogo, que já tem um prólogo explosivo e cheio de adrenalina, parece correr mais do que as pernas conseguem dar passos, e alguns desses elementos narrativos ficam com dificuldade de serem bem explicados. Vários personagens são apresentados logo de cara e, se não houver bastante atenção, alguns detalhes que a desenvolvedora Moonana escreveu com tanto carinho passam despercebidos, pelo menos de primeira.

Ação que requer mais atenção logo de cara

Isso não se resume apenas à história de Keylocker: seu sistema de batalha é realmente algo que merece uma atenção extra, pois não há explicações mastigadas como é comum em jogos recentes. E nem existe uma escalada simples durante as difíceis lutas, já que, desde o início, os inimigos se mostram implacáveis nos ataques rítmicos que adicionam no tom musical da trama.


A protagonista de Keylocker, B0B0, pode ter várias ótimas origens para definir sua build de início, com classes variadas e que não caem em tropes genéricos do sci-fi. Uma pena que a curva de aprendizagem do game é inexistente e todos os dados das telas de status vão causar uma grande confusão nas primeiras horas do jogo. Saber o que é um dano elétrico e como isso afeta os inimigos e seu personagem, por exemplo, vai ser quase parte da trama. Mas uma coisa é certa: quando você passa a entender, Keylocker se torna um outro jogo.

O mesmo vale para as lutas em si, em um campo de batalha em que personagens e inimigos se movimentam em blocos e, após escolher um golpe, ou uma habilidade defensiva, precisa ter o timing para acertar o instante correto e dar o dano de maior eficácia. O problema é que, como as animações não são muito intuitivas, saber exatamente o momento de apertar o botão e desferir o golpe se torna algo difícil. E para um jogo em que as batalhas necessitam de precisão, como na série Mario & Luigi e mesmo no recente Sea of Stars, essa clareza precisa ser maior.

Uma obra de arte pós-moderna, ou quase isso


Contudo, o maior brilho de Keylocker vem mesmo da direção artística e estética que o jogo possui e do mundo que ele ajuda a criar. Na aventura em busca dos satélites de Saturno, B0B0 encontra diversos personagens exóticos, esquisitos e até feios - mas não em um sentido ruim, por mais controverso que isso possa parecer. Parte do charme do jogo vem de inimigos com cabeça de cone, mulheres com pernas em forma de dedo e donos de tavernas que parecem saídos de mangás de romance.

O game possui gráficos que me remetem a jogos de PCs antigos, como Commodore, Amiga e DOS, e isso é um refresco em um nicho que se apoia muito nas regras visuais dos consoles japoneses da era 16 bits. Os personagens ainda possuem animações levemente erráticas e são sempre expressivos, mesmo que não façam sentido visualmente. Algo me leva pra um lado dadaísta da arte, lembrando muito outro clássico cult recente: Hylics.

O elemento principal é a cereja em cima do bolo

Sendo a música o elemento principal do jogo, é claro que ela se torna outro destaque durante a jogatina e dá para ver como isso foi bem implementado durante o gameplay. O objetivo do design sonoro em Keylocker não é apenas soar bem, e sim dar o tom do clima durante a narrativa.


A trilha em si possui um ótimo synthwave tipicamente cyberpunk e quem gosta do estilo musical pode chegar a bater cabeça com algumas faixas que carregam carisma, contando até com vocais. Em outros momentos, faixas mais ambientais com outros ritmos, que brincam com temas mais tropicais ou que remetem à música folclórica árabe, também têm lugar, adicionando um elemento de variedade às quests.

O silêncio também faz parte da direção do game, feito de uma maneira sutil e que, juntamente com os visuais nada convencionais em vários momentos, cria um espaço negativo que contrasta com a narrativa mais upbeat do game. São visões criativas de audiovisual como essas que fazem Keylocker se destacar no meio de diversas outras produções de ficção científica.

Nada é perfeito, mas o caminho para o sucesso está aí

Na parte técnica de Keylocker, algumas coisas parecem ainda não estar 100%, porém, talvez, quase lá. Logo no início do jogo, encontrei uma escada que não tinha colisão e me fazia sair do mapa, podendo explorar fora dos limites da prisão onde me encontrava (uma ironia poética acidental). Uma pena que, em dado momento, minha personagem travou em um lugar que não conseguia mais sair, fazendo com que eu tivesse que voltar em um save manual algumas dezenas de minutos. Nada de outro mundo também, só me fez atentar ao fato de que salvar a todo momento era importante.


A interface de usuário também poderia ter um capricho a mais, mesmo com todos os maneirismos que o game impõe como sua personalidade. As fontes e ícones deixam a estética bizarramente interessante do jogo um pouco mais feia, quase básica. Às vezes, é até difícil identificar que botão certo ícone está mostrando na tela.

Mas Keylocker: Turn Based Cyberpunk Action é um jogo difícil de não se recomendar, mesmo com uma postura pouco palatável para quem está acostumado com visões mais padronizadas no mundo dos games. Embora possua uma dificuldade bem punitiva, uma história que não espera o jogador e diálogos extensos que nem sempre parecem fazer muito sentido, há um charme intrínseco ali, formado por personagens interessantes, localidades que atiçam curiosidade e uma história muito rica em detalhes e desenvolvimento, mostrando que a desenvolvedora Moonana pode voar muito mais alto em produções futuras.


Prós:

  • História muito bem escrita e detalhada que não está ali só para filler;
  • Um mundo muito característico e original, contando com uma estética única;
  • Todas as músicas do game dão um clima legal na aventura e se encaixam como uma luva a cada tela do jogo.

Contras:

  • A história, apesar de boa, tem seus momentos de confusão, principalmente nos momentos de clímax;
  • Dificuldade que não dá sossego para o jogador, com uma curva de aprendizagem lá no alto desde o início;
  • Algumas pequenas questões técnicas, mas que, sinceramente, não tiram o brilho do jogo.

Keylocker: Turn Based Cyberpunk Action — Switch/PC/PS5/XSX — Nota: 7.0
Versão utilizada para análise: PlayStation 5

Revisão: Alessandra Ribeiro
Análise produzida com cópia digital cedida pela Serenity Forge


Falo de tudo quanto é coisa, de Castlevania a Anatomy of a Fall, de Carolina Maria de Jesus a Hidetaka Miyazaki, de trilhas sonoras de Super Sentai a Mano Brown. Só não gosto de Deckbuilder Roguelike. Meu sonho é visitar o Japão. Se curtiu, continuo falando sobre meus textos em twitter.com/WesternYokai666
Este texto não representa a opinião do GameBlast. Somos uma comunidade de gamers aberta às visões e experiências de cada autor. Escrevemos sob a licença Creative Commons BY-SA 3.0 - você pode usar e compartilhar este conteúdo desde que credite o autor e veículo original.