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Análise: The Crush House é um divertido retrato da era digital e suas contradições

Novo indie da Devolver Digital é uma mistura louca de BBB com O Show de Truman.

em 09/08/2024

A premissa de reality shows como BBB, talvez devido a sua inspiração no romance 1984 de George Orwell, sempre me despertou o interesse de ver mais obras que abordassem esse universo da vigilância e do show business de uma forma menos convencional. The Crush House não é exatamente o jogo que eu gostaria de jogar sobre este tema, mas definitivamente está no caminho certo.

O projeto utiliza da premissa base de filmar participantes em um reality show xarope enquanto fazem atos banais como chorar, brigar ou até mesmo mostrar a bunda em rede nacional. Entretanto, a partir desse ponto genérico o jogo utiliza da ficção científica e até mesmo do terror para construir uma experiência fora do comum.

A voz do povo é a voz de Deus



Em The Crush House você é a produtora de um reality show homônimo dividido em temporadas. Cada temporada é composta de cinco dias de filmagem. O loop de gameplay simula um roguelite, com cada dia sendo uma fase diferente. O principal objetivo é conseguir os pontos necessários com cada um dos públicos para o programa não ser cancelado pela Rede (nome da emissora que transmite o reality).

Boa parte do loop de gameplay vem dessa interação entre câmera e público. Os pais solteiros adoram que você filme algo que tenha carros, churrascos ou itens de academia, enquanto as mães solteiras gostam de vinhos e homens bonitos. A partir desses públicos começam a surgir outros cada vez mais excêntricos, chegando até mesmo nos sádicos e nos amantes de pés.

A cada fase, ou dia, o número de públicos que deve ser agradado aumenta. Por vezes, no mesmo dia, você tem que agradar a adolescentes, amantes de farois, esportistas, sádicos, cineastas, dentre outros. Isso faz com que o desafio suba e cada ângulo da sua câmera tenha que ser milimetricamente calculado para fazer o máximo de pontos antes que o tempo acabe. Tudo isso enquanto tenta passar alguma propaganda para render dinheiro, que serve para comprar melhorias no cenários que vão te ajudar com as filmagens.

Voyeurismo moderno



Boa parte da ideia do projeto vem desse poder do voyeurismo, daquele que vê, mas também, do observado. No caso dos realitys, os participantes sabem que estão sendo vistos, o que os coloca numa posição exibicionista frente à câmera. Cada ato, cada passo, cada take é calculado para causar impacto.

The Crush House faz uma ótima leitura desse conceito com o sistema de missões pessoais. Cada membro do elenco pede para que você faça ações que vão maximizar sua participação no programa. Um exemplo disso foi quando uma das participantes mais extrovertidas me pediu para filmá-la brigando com alguém, mas o detalhe é que eu deveria filmar em um ângulo que mostrasse a bunda dela.

Boa parte dessas interações são propositalmente ridículas e com um tom bem humorístico, mas é interessante como a diretora criativa, Nicole He, conseguiu misturar, tanto visualmente quanto no texto e até na própria estrutura de gameplay, essa junção entre o cômico, o absurdo e até mesmo o sombrio. Em uma recente entrevista com Edmond Tran do canal SkillUp ela falou um pouco sobre essa mistura.
"Eu simplesmente adoro esse jogo e a capacidade que ele tem de apresentar momentos sérios, mas também as coisas mais ridículas que você já viu na vida. E como eles simplesmente vão fundo nisso, sem medo. Eu achei isso inspirador."
A parte mais cativante de The Crush House é exatamente quando ele desce para o âmbito mais sombrio e especulativo. Sim, o jogo não é apenas sobre filmar bundas na piscina, existe uma subtrama que mistura a ficção científica com o terror e cresce a cada temporada que você passa na casa. A cada novo pedido realizado para os participantes, você desvenda o que de fato está acontecendo ali e o quão horrível é a realidade.

Filme, durma, repita



Assim como seu personagem, você vive o loop de filmar o dia, checar os resultados, comprar melhorias, dormir e repetir tudo de novo. Esse sistema pode parecer cansativo, mas por uma parte funciona. A cada novo dia um novo público aparece e faz o desafio crescer ainda mais. A combinação de diferentes participantes também tornam as interações interessantes.

Entretanto, por volta da terceira ou quarta temporada as coisas caem em um abismo de mesmice. Você provavelmente já viu todos os personagens e suas interações não são tão diversas assim. Eles começam a repetir falas e ações durante o dia e neste ponto o seu objetivo é somente atender aos pedidos dos participantes enquanto tenta manter a pontuação alta. Até o público para de surpreender e geralmente fica numa rotação básica.

Talvez por uma questão orçamentária, o projeto não conta com uma dublagem tradicional, e sim os clássicos sons sem sentidos dignos de um The Sims. Porém, como boa parte da gameplay é focada em filmar e observar interações humanas, senti falta de uma voz que pudesse dar mais personalidade àqueles personagens.

O Grande Irmão continua vigilante


The Crush House é uma ótima pedida para quem quer experiências diferenciadas fora do mainstream. Eu recomendo principalmente para aqueles que gostam de terror fora do convencional como Doki Doki Literature Club! O projeto funciona em sua premissa assim como seu loop de gameplay, mesmo que fique limitado a cada temporada vencida. 

A Devolver Digital mais uma vez acerta ao escolher um jogo que traz algo novo em um mercado que é saturado de shooters e RPGs anualmente, misturando cultura pop, uma crítica bem-humorada da modernidade e uma pitada de mistério que torna tudo mais interessante.

Prós

  • Uma ótima mistura entre temas como internet, reality shows, interações humanas, ficção científica e terror;
  • O desafio de agradar a públicos distintos e atender pedidos dos participantes torna cada dia mais desafiador que o outro;
  • O mistério sobre a natureza do programa é um ótimo fio narrativo para te prender entre uma temporada e outra.

Contras

  • A falta de uma dublagem tradicional me deixou pouco conectado com os participantes e seus dramas, já que você os filma 24 horas por dia;
  • Depois de algumas temporadas o loop de gameplay pode ficar repetitivo;
  • Algumas ações se repetem entre diferentes participantes, o que dá um tom de artificialidade na experiência. 
The Crush House — PC— Nota: 7.5
Versão utilizada para análise: PC
Revisão: Vitor Tibério
Análise produzida com cópia digital cedida pela Devolver Digital

Redator publicitário em tempo integral e amante de games nas horas vagas. Provavelmente aprendi a segurar um controle mais rápido do que uma mamadeira. Cresci com os maiores clássicos da Big N como Zelda, Mario e Pokémon. Hoje aproveito os pequenos momentos de descanso da vida corrida para me perder em Hyrule, em uma Tóquio pós-apocalíptica ou em um mundo de encanadores e cogumelos.
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