Retrospectiva: The King of Fighters 30 anos (Parte 5) — a maldição do 2D

Com a necessidade de renovação, SNK investiu alto em um KOF feito completamente do zero. Contudo, nem tudo saiu como planejado.

em 30/08/2024
Com o abandono da ideia de lançamentos anuais, The King of Fighters ganhou um intervalo maior entre os jogos, permitindo que a SNK Playmore desenvolvesse suas ideias com mais tempo após a décima primeira entrada principal.


De 2005 a 2009, a franquia recebeu uma série de spin-offs, como Maximum Impact, remakes de KOF '98 e 2002, além de diversos relançamentos por meio de coletâneas — abordaremos algumas dessas produções futuramente. Enquanto isso, a linha principal passava por uma revitalização técnica completa e necessária, abandonando a identidade visual adotada em KOF '96 para entrar na era HD. Contudo, planejamentos mal sucedidos acabaram comprometendo esse processo.
Confira as outras partes:
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Uma beta vestida de dream match

Visando criar um “jogo de luta 2D supremo”, todos os assets criados na era do NeoGeo foram abandonados na produção de The King of Fighters XII. A ideia era utilizar os benefícios do 3D para construir personagens 2D desenhados à mão, criando um visual brilhante, moderno e em alta definição.

KOF XII foi, então, considerado um dream match para justificar suas deficiências. A maioria dos times clássicos não está completa, e é o jogo da franquia com menos personagens disponíveis. Além disso, o modo arcade funciona apenas como um Time Attack, pois não há um chefe para derrotar ao final nem mesmo um encerramento verdadeiro.

A jogabilidade também sofreu cortes severos, principalmente porque muitos dos movimentos da maioria dos personagens não estavam prontos. Em KOF XII, temos uma única barra que vai enchendo de forma tradicional, e cada personagem possui apenas um DM. Não há sistema de cancelamentos, modo MAX/POW; tudo é extremamente simplificado.

A versão de consoles adicionou Elizabeth e Mature, mas continua abaixo até mesmo do elenco do '94.
O título apresenta um sistema único de contra-ataque chamado Critical Counter. Se um golpe conectar o oponente em counter, ele abre uma oportunidade para uma sequência de golpes que pode terminar com um DM. Há também um golpe defensivo que bloqueia um ataque recebido, quase como um Focus Attack de Street Fighter IV e o Shatter Strike de KOF XV.

Embora KOF XII tenha recebido várias críticas em relação às suas mecânicas, o visual realmente impressiona. Os sprites foram criados no estilo de arte de Nona, responsável pelas ilustrações de KOF 2001 e 2002. Claro, isso significa que sua visão mais cartunesca de alguns personagens foi incorporada ao jogo, resultando em figuras supermusculosas e características desproporcionais.

No entanto, o brilho está no nível técnico. Efeitos de iluminação, partículas e técnicas de uso de sombras conferem um ar extremamente moderno ao jogo, quebrado apenas pelo efeito de zoom à la Art of Fighting, que deixa os personagens bem pixelados na tela — algo que particularmente acho charmoso, mas que foi alvo de críticas no lançamento.

Contudo, a ambição de criar o jogo de luta 2D definitivo teve graves consequências, tanto em termos de custo de desenvolvimento quanto de direção desorganizada. Cada personagem levava mais de seis meses para ser concluído, algo inviável para o desenvolvimento de um jogo. Por conta disso, o título foi lançado incompleto, na tentativa de arrecadar recursos.

Ainda assim, KOF XII foi uma decepção de público. Vendido como um novo grande passo para a franquia, o jogo não passava de um conceito, uma beta do que deveria ser. A SNK Playmore estava ficando sem recursos financeiros, mas fez o que pôde para seguir adiante e lançar a verdadeira sequência que os fãs aguardavam há tantos anos.

A-ha, aí vem o plot twist!

Logo em 2010, tivemos a redenção da SNK Playmore, que veio para entregar tudo o que o público aguardava. The King of Fighters XIII teve o tempo necessário para amadurecer a produção dos personagens, e a reestruturação do uso do 3D para auxiliar na criação dos sprites agilizou bastante o processo.

A estratégia adotada para a décima terceira edição foi abraçar a tradição da série. Nada de tag ou strikers; KOF XIII traz o formato de 3 contra 3 com a jogabilidade mais familiar possível, resgatando sistemas de KOF '98 e 2002 no que diz respeito a barras, movimentação e controles. É um jogo mais ágil, sem efeitos de zoom e, principalmente, mais divertido.

Já presente no KOF XII, Iori teve uma completa mudança de jogabilidade por perder suas chamas.
A mecânica exclusiva de KOF XIII é a barra drive, que parece uma releitura da barra de skill do XI. Quando a barra está cheia, é possível "estourá-la" no meio de um combo para estendê-lo ou usá-la sem ativar, custando metade do recurso. Movimentos especiais EX, uma moda dos jogos de luta contemporâneos, também foram adicionados e custam uma barra completa.

Curiosamente, este é o único KOF que não apresenta um personagem completamente novo, além de ser um dos menores da franquia. A única adição nova é Hwa Jai (do primeiro Fatal Fury), que entrou mais como uma desculpa para reaproveitar os movimentos de Joe e completar um novo sprite.

E, claro, o retorno de Vice e Mature em um jogo canônico foi algo bem surpreendente para a época. A justificativa dada para o retorno é que elas conseguiram materializar corpos físicos com o poder de Orochi, graças à sua devoção à divindade, ao enfraquecimento do selo e à ameaça dos Those from the Past.

Falando neles, KOF XIII traz a conclusão da saga Ash e a execução de todo o plano dos Those from the Past. Eles servem a Saiki, deus do tempo, que está interessado no poder de Orochi para obter total controle do espaço-tempo. Ele é um ancestral de Ash que conseguiu viajar no tempo para pôr em prática seus planos.

Dessa vez, o torneio foi organizado novamente por Rose Bernstein, mas ela estava sendo controlada por Botan, a mesma que controlou Chizuru em 2003. A competição serviu para atrair Kyo para uma espécie de portal do tempo, utilizando o poder de Orochi e, claro, tornar o roubo da espada Kusanagi, o tesouro sagrado do clã Kusanagi, mais acessível.

No calor da batalha, algo inesperado acontece: Ash entra sorrateiramente na confusão e rouba os poderes e a alma de Saiki, revelando que não tinha interesse em ajudar seu ancestral. Seu controle sobre a divindade não dura muito, pois Saiki é poderoso demais para Ash conter, e seu corpo é tomado pelo vilão, levando todos para dentro do portão temporal.

No limbo entre os tempos, os heróis tentam deter Saiki. Após uma luta extremamente árdua, o corpo de Ash é enfraquecido e, com isso, sua mente original acaba retomando o controle justo quando o portão está se fechando. Se Saiki ficasse ali dentro, ele seria aprisionado no presente, apagando seu legado no passado e, consequentemente, seus descendentes.

Apesar do aviso, Ash simplesmente não se importa. Seu plano era manter o controle sobre os tesouros e aplicar um golpe no antagonista, tudo para proteger o mundo e, especialmente, Elizabeth, com quem ele cresceu após se tornar órfão. Mesmo com o desespero de Saiki, o então anti-herói dá um último adeus antes de desaparecer nas areias do tempo.

Com tudo voltando ao normal, todos acabam esquecendo da existência de Ash Crimson, como se todos os eventos entre KOF 2003 e XIII tivessem acontecido sem a sua interferência. A única pessoa que se lembra de tudo é justamente Elizabeth, que se vê sozinha, sem o amigo, chorando sobre a tiara que ficou como a única prova de sua existência.

A peso da ambição

Apesar de todo o esforço para criar o jogo 2D mais tecnicamente espetacular possível, The King of Fighters XIII não conseguiu gerar lucros suficientes para sustentar a SNK Playmore. A empresa novamente se viu em uma situação problemática, enfrentando um novo cenário de falência iminente. 

Milagrosamente, uma joint venture chinesa demonstrou interesse na propriedade intelectual da empresa e investiu em sua sobrevivência. Entre 2011 e 2015, The King of Fighters permaneceu dormente. O mercado de jogos de luta passou por uma fase um pouco delicada e, por mais encantador que fosse ver pixel art de alta qualidade, a SNK percebeu que seria mais rentável seguir o exemplo das concorrentes de mercado e adotar gráficos 3D para suas produções principais. 

O décimo quarto jogo trouxe mudanças drásticas, mas foi cercado por ainda mais polêmicas entre o público. Veremos mais sobre ele e sua sequência na sexta parte.

Revisão: Beatriz Castro

Estudante de enfermagem de 25 anos, está nesse mundo dos joguinhos desde criança. Fã de games com vibe mais arcade e arqueólogo de velharias, mas não abandona experiências mais atuais. Acompanha a mídia de podcasts, dublagem e ouvinte assíduo de VGM. Pode ser encontrado como @AlecFull e semelhantes por aí.
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