The King of Fighters não morreu com a falência da SNK. Mesmo após o lançamento relativamente tardio de KOF 2001 e o encerramento da saga NESTS, a franquia precisou passar por uma nova fase de planejamento, agora sob uma nova direção e com recursos limitados. Em 2002, chegou um novo dream match, marcando essa nova etapa para a série.
O queridinho dos anos 2000
Ainda nas mãos da Eolith e Breezasoft, The King of Fighters 2002 deu alguns passos para trás na estrutura do sistema de combate. Os times voltaram a ser trios, os strikers foram abolidos definitivamente e personagens veteranos como Yashiro, Shermie, Chris, Billy, Mature, Vice e o imortal Rugal retornaram após anos fora da franquia.
A ideia era criar um KOF mais próximo da direção de ‘98, mas incorporando as experimentações de combos de KOF 2001. O sistema de barras é semelhante ao Advanced, com a possibilidade de estourar um estoque, e o limite aumenta conforme se perdem membros da equipe.
A diferença é que o modo POW — agora chamado de MAX — não aumenta a força, mas, sim, permite o cancelamento de alguns especiais em outros especiais. Esse foco trouxe uma nova abordagem ao estilo de combos, que passaria a definir KOF nas produções seguintes.
Outra adição notável são os Hidden Super Desperation Moves (HSDM), supers extravagantes que requerem que o lutador esteja com pouca vida, funcionando como uma ferramenta decisiva ideal para as partidas.
Com a situação financeira ainda crítica sob a nova direção, KOF 2002 sofreu com cenários pobres em coloração, embora houvesse um balanceamento melhor de conceitos que o antecessor. Algumas arenas interessantes, como as do Japão e da Itália, se destacam.
A trilha sonora é o ponto mais baixo, piorada pela tentativa de remixar trilhas antigas. A simplicidade sonora deixou a maioria dos remixes com qualidade de mediana a ruim, com destaque negativo para as novas interpretações de Tears e Blood.
Apesar disso, KOF 2002 se tornou um marco para a comunidade latina de KOF, alcançando uma popularidade comparável ou superior a outras edições. A volta ao estilo tradicional de 3 contra 3 e os combos com cancelamentos agradaram os jogadores mais competitivos, mas o sucesso veio com consequências.
KOF 2002 se tornou um novo ponto de devoção na franquia, mas de forma tóxica. Por mais interessantes que algumas entradas futuras da franquia fossem, alguns jogadores passaram a ver essas produções como descartáveis, pois, como muitos dizem, “KOF morreu no 2002”. Essa mentalidade está sendo superada gradualmente com a SNK atual, mas os resquícios dessa atitude “fanboy” ainda são barulhentos até hoje.
O início da era Playmore
Entre 2002 e 2003, houve uma reestruturação das propriedades intelectuais da SNK. A SNK conseguiu reaver suas franquias clássicas, fundando a Playmore, que se transformaria na nova SNK Playmore nos anos seguintes.
Mesmo em meio ao caos burocrático, The King of Fighters 2003 foi lançado, inaugurando outra saga ainda no Neo Geo. O jogo trouxe de volta o misticismo ao enredo da franquia, iniciando o arco de Ash Crimson, o novo protagonista, que possuía um design e uma personalidade bem diferente dos heróis anteriores — tanto que, à primeira vista, ele nem parecia um herói.
O elenco de personagens sofreu mudanças drásticas em KOF 2003, especialmente nas formações dos times clássicos, que perderam membros regulares como Andy e Choi. Gato e Tizoc, de Garou: Mark of the Wolves, fizeram sua estreia; Chizuru retornou, mas acompanhada de uma versão ilusória de sua falecida irmã, Maki, controlada pelos antagonistas; e novos personagens como Ash, Duo Lon, Shen e Malin fizeram sua estreia.
A saga narra as ações do grupo Those from the Past, uma seita devota ao deus do tempo, Saiki. A premissa é semelhante à lenda de Orochi, o que não é coincidência, já que o grupo funciona como uma versão ocidental da lenda da Vontade de Gaia, sendo antagonistas do próprio deus japonês que controla o espaço.
O objetivo dos Those from the Past é quebrar o selo de Orochi para obter o controle do espaço e, assim, dominar não só o mundo, mas também sua história. Nesse contexto, Ash se torna uma figura central, embora suas motivações permaneçam obscuras. Ele rapidamente se torna o alvo dos antigos Tesouros Sagrados após roubar o espelho Yata, a fonte dos poderes do clã Yata, de Chizuru.
Paralelamente aos conflitos com os Those from the Past, a parte "oficial" do torneio apresenta Rose e Adelheid Bernstein, filhos de Rugal. Embora envolvidos na trama, os dois não são vilões tradicionais. Adelheid, ao contrário do pai, é um lutador honrado, enquanto Rose herdou a vilania do progenitor.
Trocando as peças de lugar
KOF 2003 trouxe de volta o estilo 3 contra 3, mas de uma maneira não tradicional. As lutas agora ocorrem em um único round, e os jogadores podem trocar entre os membros do time a qualquer momento, semelhante a Marvel vs. Capcom 2. No entanto, a organização das equipes foi ajustada: cada trio possui um líder, que tem acesso aos LDMs, especiais mais poderosos e impactantes.
Essa ideia mostrou uma maturidade no uso do hardware do Neo Geo, mas, ao contrário da saga NESTS, que tinha uma base sólida construída ao longo dos jogos anteriores, KOF 2003 pecou em sua jogabilidade. Combos que funcionavam antes não se conectavam mais da mesma forma devido às mudanças no sistema de colisão, e a física do jogo também era diferente dos antecessores. Essa mudança resultou em uma sensação de que as lutas ocorriam em um "chão de gelo", o que foi altamente criticado pelos jogadores.
Visualmente, houve uma leve melhoria, mas ainda assim o jogo estava aquém das edições anteriores, especialmente em comparação com as produções de 2000 para trás. O uso excessivo de elementos pré-renderizados com cores lavadas, devido às limitações do envelhecido Neo Geo, deu ao jogo uma aparência de produção defasada e de baixo orçamento. O som também não ajudou, com efeitos sonoros fracos e músicas com a simplicidade sonora de KOF 2002.
KOF 2003 não foi tão bem recebido quanto seu antecessor, e a franquia começou a ser cada vez mais criticada por seu aspecto técnico. Com o Neo Geo já com 13 anos de existência, a nova direção da SNK precisava avançar de alguma forma. A solução para isso foi uma mudança drástica: The King of Fighters deixou de ser um lançamento anual.
Nova geração, antiga cara
A continuação da saga The King of Fighters veio em 2005, desta vez em um novo hardware: a placa Atomiswave da Sammy, baseada no Dreamcast. Com mais poder de processamento do que o antigo Neo Geo, a SNK Playmore pôde ousar mais tecnicamente, mas ainda assim jogou seguro com The King of Fighters XI.
O sistema de tag voltou, mas agora mais robusto graças à implementação das Skill Stocks, uma barra especial que habilita novas mecânicas de jogo. Podendo ser carregada até duas vezes, essa barra enche ao longo do tempo e é utilizada para realizar combos com troca de personagens, quebrar combos inimigos e cancelar Desperation Moves (DM) em Leader Desperation Moves (LDM), em um recurso chamado de Dream Cancel. Até então, este era o KOF mais complexo de se jogar.
O elenco de personagens ficou ainda mais incomum que no jogo anterior, com mudanças significativas nos times clássicos. Muitos veteranos, como Leona, Robert, Joe, Mai, Chang e Chin, ficaram de fora, o que resultou em formações de equipes bem diferenciadas. Por exemplo, o time Fatal Fury então era composto por Terry, Kim e a estreia de Duck King. Outro destaque foi a surpreendente colaboração entre Kyo e Iori, junto a Shingo, uma formação que só seria vista novamente em KOF XI.
Apesar de estar em um novo hardware, KOF XI ainda utilizava os sprites do Neo Geo, com os cenários aproveitando as vantagens da nova placa, oferecendo fundos em alta resolução e livres das limitações de cores do antigo sistema. No entanto, para tentar disfarçar os lutadores pixelados, um filtro de desfoque foi aplicado sobre os sprites, criando um visual que desagradou muitos fãs. Felizmente, esse filtro foi removido no port para PlayStation 2 — versão essa que trouxe personagens extras como Robert e Mai, vindos de NeoGeo Battle Coliseum.
As músicas também receberam melhorias drásticas na instrumentação e composição, apresentando algumas das melhores trilhas da franquia.
Uma grande reviravolta
A história de KOF XI segue o tradicional segundo capítulo das sagas anteriores. Após o roubo do tesouro de Chizuru, o próximo alvo de Ash Crimson era Iori, mas o espelho Yata já havia sido o suficiente para causar uma ruptura no selo de Orochi, permitindo que Magaki entrasse na dimensão do deus e adquirisse parte de seu poder.
A boss fight mais insuportável da franquia. |
Desconfiada das intenções de Ash, Elizabeth Blanctorche, uma conhecida de sua juventude, decidiu ir atrás dele. Aliada a Duo Lon e Benimaru, ela se inscreveu no KOF em busca de respostas sobre o que realmente estava acontecendo. Com uma vaga sobrando em sua equipe, Ash e Shen se uniram ao novato Oswald, um assassino profissional que luta utilizando cartas, sendo um dos personagens mais estilosos e elegantes da SNK. Outros novos personagens, como Janet, a pirata de Garou: Mark of the Wolves, e Momoko, capoeirista que substituiu Chin no time de Athena, também fizeram sua estreia.
No final do torneio, a equipe vencedora confronta Shion, um dos membros dos Those from the Past que trabalhava com Magaki. Após ser derrotado, Shion é sugado para outra dimensão pelo próprio vilão, que, agora com o poder de Orochi, enfrenta os finalistas. Após uma batalha incrivelmente caótica, Magaki percebe que não pode vencer e tenta fugir para o limbo dimensional. No entanto, ele é traído por Shion, que, atravessando a lança no vilão, o mata e o prende no limbo para sempre.
O epílogo revela que o selo de Orochi foi enfraquecido, desencadeando a Revolta de Sangue em Iori, que, descontrolado, ataca e nocauteia Kyo, além de ferir gravemente Shingo, que tentou detê-lo a qualquer custo. No meio do caos, Ash aparece de repente e, sem grande esforço, rouba a magatama Yasakani de Iori, o tesouro sagrado dos Yagami. Agora livre da maldição da família, Iori desmaia, exausto.
Elizabeth, Duo Lon e Benimaru chegam para confrontar Ash, que zomba deles, utilizando o poder ilusório de Chizuru e exibindo as chamas púrpuras de Iori antes de desaparecer, avisando que Kyo seria o próximo alvo. A SNK criou um protagonista ardiloso, que dificilmente poderia ser visto como um herói, e KOF XI deixou claro que ainda havia muito mais por vir.
Mais um período conturbado para a nova geração
Entre 2005 e 2009, The King of Fighters sobreviveu graças a spin-offs e outras produções. A SNK Playmore começou a concentrar seus esforços em revitalizar a parte artística da franquia, com novos sprites e uma nova direção. Contudo, as coisas começaram a se complicar novamente, de forma semelhante ao final da era clássica. Essa turbulência é o que será explorado na próxima parte da história.
Revisão: Beatriz Castro