Retrospectiva: The King of Fighters 30 anos (Parte 3) — o encerramento de um legado

Marcando o fim da SNK clássica, a saga NESTS começou e terminou em um mar de esquisitices e incertezas.

em 15/08/2024
Após um ano de pausa, era hora de retornar a linha narrativa de The King of Fighters. Contudo, a situação financeira da SNK não estava nas melhores, muito devido ao fracasso de seus investimentos como o total foco nos fliperamas, a falha da placa de arcade 3D Hyper Neo Geo 64 e os esforços com pouco retorno no portátil Neo Geo Pocket. A falência era uma realidade cada vez mais próxima, mas a empresa não se deixou abater em suas produções.
Confira as outras partes:
Parte 1 | Parte 2 | Parte 3 | Parte 4 | Parte 5 Parte 6

O início da saga NESTS

Já falei de The King of Fighters '99 aqui no GameBlast no ano passado, 2023, e o jogo está comemorando 25 anos em 2024. O título trouxe novas propostas em praticamente todos os aspectos, começando pela apresentação e ambientação, que abandonou as festividades de 1996 e 1997 em favor de uma abordagem mais suburbana e clandestina. Os cenários refletem esse clima, com lutas que parecem ocorrer em locais mais afastados do público.

A história também tomou uma direção oposta ao misticismo da saga Orochi, introduzindo uma temática de ficção científica baseada em clonagem. No entanto, foi a jogabilidade que causou estranheza para os fãs da franquia, com a introdução de times com quatro personagens, sendo que o quarto membro servia como assistência — os strikers.

O novo sistema de combate é uma mistura dos modos Advanced e Extra de '97/'98, com três barras de energia que podem ser acumuladas. No entanto, a esquiva agora segue um trajeto menor, e a controversa esquiva para trás marcou essa edição de forma negativa.

O sistema de estourar a barra também foi alterado. Agora, é necessário acumular três estoques para ativar dois modos: o Counter, que aumenta o dano e dá acesso ilimitado aos Desperation Moves; e o Armor, que oferece super armadura e maior defesa.

A história é uma sequência direta da batalha contra Orochi. Após o final explosivo, um cartel criminoso chamado NESTS conseguiu capturar Kyo desacordado, com o objetivo de extrair seu DNA e, consequentemente, seus poderes flamejantes.

Clones diretos de Kyo foram criados para espionagem e dominação mundial, enquanto seu código genético foi usado em experimentos em outros humanos. Desses experimentos, surgiu K’, o novo protagonista que também foi sequestrado, mas foi um dos poucos que resistiu ao poder Kusanagi em suas veias. No entanto, ele só consegue manifestar as chamas na mão direita e precisa de uma luva especial para controlá-las.

A NESTS foi a organizadora do torneio de 1999 como parte de seus esquemas de dominação mundial. K’ e seu aliado, Maxima, entraram no torneio para coletar informações e ajudar na causa, e o elenco sofreu diversas mudanças devido ao novo esquema de 4 contra 4. Times foram alterados, e novos personagens — como Jhun Hoon, Li Xiangfei de Real Bout Fatal Fury 2, Whip e Bao — formaram quartetos com veteranos, enquanto Kyo e Iori “desapareceram” misteriosamente. Houve ainda a inclusão de dois clones de Kyo no elenco, cada um representando os estilos de luta anteriores do personagem.

Embora a premissa de ficção científica seja interessante, a abordagem acabou sendo exagerada. O plano da NESTS em KOF '99 era criar um exército de Kyos ao redor do mundo para dominação global, e um dos responsáveis por isso era Krizalid, o chefe final que luta com uma roupa tecnológica. Ele adquiria informações dos lutadores e enviava os dados para o tal exército — de alguma forma.

KOF '99 trouxe um deleite visual e sonoro. As fases apresentaram ambientações raramente vistas no gênero, e a trilha sonora trouxe um repertório fantástico de músicas, que estão entre as melhores não só de KOF, mas da história dos videogames. A vibração audiovisual do jogo é o que realmente sustenta essa última entrada do milênio, pois os experimentos de jogabilidade foram longe demais para muitos fãs da franquia.

A festa de despedida

2000 marcou o início de um novo milênio, o começo de uma nova era. Mas também representou o final de um ciclo: a SNK realmente não conseguiu se recuperar e enfrentou sua falência. Para tentar amenizar esse fim melancólico, todos os seus últimos esforços foram direcionados para The King of Fighters 2000, o segundo capítulo da saga NESTS, que mostrou que as experimentações de '99 tinham um propósito.

Mantendo o esquema de quartetos e strikers, a principal mudança para tornar o ritmo mais dinâmico foi a possibilidade de chamar assistências durante combos. Essa simples alteração trouxe um metagame único para 2000 e, ao mesmo tempo, gerou problemas de desbalanceamento — com Joe como striker sendo o catalisador de combos infinitos, levantando os oponentes do chão.

O aspecto de homenagem é extremamente presente em KOF 2000, muito em função da iminente falência da SNK. Todos os personagens que podem ser usados como strikers têm uma alternativa diferente, variando desde personagens anteriores da franquia até figuras de outros jogos da empresa, como Duke de Burning Fight, Kaede de The Last Blade e Fio de Metal Slug. As versões para consoles foram além, adicionando ainda mais assistências.

O elenco também introduziu vários personagens queridos da franquia: Vanessa, Seth, Ramón, Lin, Hinako e Kula fizeram suas estreias aqui e continuaram a aparecer em diversas entradas futuras. O retorno de Kasumi no lugar de Xiangfei foi outra decisão notável.

Tirando a presença dos strikers, KOF 2000 é extremamente polido em seu sistema de combate. A esquiva tradicional foi restaurada, o sistema de Desperation Moves com vida baixa foi completamente removido, e os sistemas de Armor e Counter Mode foram aprimorados. É praticamente como se o título oferecesse duas formas diferentes de jogar.

O enredo seguiu por caminhos ainda mais extravagantes. A NESTS continuou sendo a organizadora do torneio, que ainda ocorria em segredo. A diferença é que o chefe final, Zero, resolveu trair o cartel com um esquema extremamente confuso, colocando o clone de um oficial mercenário dentro da equipe dos Ikari, que estavam buscando K’ e Maxima.

No clímax, o clone revelou ser um ajudante de Zero e parte dos planos para ativar o canhão Zero, um satélite capaz de destruir uma cidade inteira. E é exatamente isso que acontece: no meio da batalha contra o vilão, o canhão é disparado contra Southtown, que é completamente destruída.

Com um final incerto e a destruição da cidade que foi palco de todo o legado da SNK — evento isolado dentro da cronologia de The King of Fighters, vale lembrar —, o desfecho de The King of Fighters 2000 foi melancólico. Como ficaria o futuro de uma franquia anual? Não demorou muito para descobrirmos, mas com consequências.

O final da saga NESTS 

Com a falência da SNK em 2001, os direitos da série foram adquiridos pela Aruze, uma empresa de pachinko que tinha o interesse principal de utilizar as marcas em máquinas caça-níqueis. A divisão de jogos passou por diversas mãos, muitas delas de pequenas empresas formadas por ex-funcionários da própria SNK.

Para a franquia KOF, a empresa responsável foi a sul-coreana Eolith, que publicou The King of Fighters 2001 com desenvolvimento da japonesa BrezzaSoft, fundada pelo próprio criador da SNK. Com a responsabilidade de concluir a saga NESTS, o desfecho acabou sendo caótico e repleto de potencial não realizado.

Em vez de continuar refinando o sistema dos dois títulos anteriores, KOF 2001 trouxe uma nova abordagem para os strikers. Ainda no formato de quartetos, o jogador agora podia escolher a quantidade de lutadores e auxiliares, permitindo partidas que variavam de 1 contra 1 até 4 contra 4, sem a presença das ajudas.

Para refletir essa mudança, o sistema de barras é influenciado pela quantidade de strikers escolhidos. Quanto mais ajudantes, mais barras podem ser acumuladas, e mais rápido elas podem ser preenchidas, já que chamar um striker custa uma barra inteira em vez de um recurso próprio.

Um time oficial representando a NESTS foi finalmente introduzido em KOF 2001, com Kula e três novatos: K' 9999, Foxy e Angel, um time de assassinos excêntricos que rapidamente conquistou a simpatia do público. May Lee, uma fanática por tokusatsu, tomou o lugar de Jhun. Os veteranos Heidern e Daimon retornaram após anos fora da série, assim como Xiangfei, que novamente trocou de lugar com Kasumi.

O desfecho narrativo foi um tanto quanto desorganizado. O time finalista é levado para um dirigível que se revela ser um foguete, transportando-os para uma base em um satélite onde está presente o verdadeiro Zero — o de KOF 2000 era um clone. Após derrotá-lo, o próprio Nests se revela, apenas para ser traído por seu próprio filho, Igniz, que o mata e se declara o deus de um novo mundo.

Com tantas reviravoltas vazias, o antagonista derrotado lança um ultimato, jogando a estação espacial contra a Terra na tentativa de matar todos no local. Com exceção dos vilões, todos que estavam na base conseguem sobreviver ao cair no mar — mesmo tendo despencado da estratosfera —, encerrando a saga de forma anticlimática.

Uma queda técnica

A qualidade técnica da franquia The King of Fighters melhorou consistentemente ao longo das edições, atingindo seu auge entre '98 e 2000. No entanto, essa trajetória entrou em queda livre em 2001, resultando no pior KOF 2D graficamente. Os cenários apresentavam colorações apagadas e um uso excessivo de arte pré-renderizada de baixa qualidade, o que conferiu ao jogo um visual desanimador. Até a interface sofreu, com cores chapadas e sem personalidade, destacando a falta de polimento técnico.

Um dos piores cenários dos jogos de luta, o que é uma pena, já que é no autódromo de Interlagos, em São Paulo — um palco bem diferente para representar o Brasil.
A troca de desenvolvedora também teve impacto na equipe de ilustração. Com a saída de Shinkiro e outros nomes renomados da SNK, o artista Nona assumiu a responsabilidade pelas artes in-game e promocionais. Embora suas ilustrações tenham adicionado personalidade ao jogo, elas adotaram um estilo exageradamente cartunesco, acentuando as características de cada personagem de maneira caricatural — o foco no Chang enfiando o dedo no nariz na tela de vitória exemplifica bem essa abordagem.

A qualidade da trilha sonora também caiu drasticamente. Toda a evolução na qualidade de sampling que a série vinha construindo foi interrompida pela falência da SNK. KOF 2001 apresentou uma trilha sonora eletrônica pobre, com composições pouco inspiradas que faziam uso excessivo do sintetizador FM do Neo Geo sem muito esmero.

O lento recomeço

Após um final técnico decepcionante e uma primeira experiência de baixo prestígio com a nova desenvolvedora, The King of Fighters ficou cercado de incertezas. Assim como KOF '98, 2002 serviu como uma pausa entre sagas, o que se tornou mais necessário desta vez, devido a uma série de reestruturações envolvendo propriedades intelectuais e o que restou da SNK. Veremos mais detalhes sobre essa fase na parte 4.

Revisão: Beatriz Castro

Estudante de enfermagem de 25 anos, está nesse mundo dos joguinhos desde criança. Fã de games com vibe mais arcade e arqueólogo de velharias, mas não abandona experiências mais atuais. Acompanha a mídia de podcasts, dublagem e ouvinte assíduo de VGM. Pode ser encontrado como @AlecFull e semelhantes por aí.
Este texto não representa a opinião do GameBlast. Somos uma comunidade de gamers aberta às visões e experiências de cada autor. Escrevemos sob a licença Creative Commons BY-SA 3.0 - você pode usar e compartilhar este conteúdo desde que credite o autor e veículo original.