À medida que a franquia evoluiu, The King of Fighters conquistou ainda mais o coração do público. Com os experimentos de jogabilidade realizados na edição de 1996, o próximo passo, The King of Fighters ‘97, não apenas aprimorou os conceitos, mas também encerrou o arco da saga Orochi.
Os Tesouros Sagrados contra o mundo
A história de The King of Fighters '97 é fascinante e está intrinsecamente ligada à saga de Orochi. Há 1800 anos, a humanidade causava danos ao meio ambiente da Terra, e Orochi, o deus serpente, declarou guerra aos humanos. No entanto, três famílias guerreiras — Kusanagi, Yasakani e Yata — uniram forças para selar Orochi e seus seguidores com três tesouros sagrados.
Mas o selo enfraqueceu 660 anos depois, permitindo que os fiéis de Orochi escapassem. Um desses fiéis, culpando o clã Kusanagi pela morte de sua esposa, realizou um ato de revolta. O líder Yasakani fez um pacto com Orochi, concedendo poder igual ao de seus supostos inimigos, mas amaldiçoando toda a linhagem futura e alterando o nome da família para Yagami.
Chizuru, a sacerdotisa, explica essa narrativa a Kyo e Iori, revelando a responsabilidade deles em impedir o retorno iminente de Orochi. Embora os dois jovens inicialmente se mostrem desinteressados na missão, Chizuru organiza outro torneio no ano seguinte, o The King of Fighters '97, com proporções ainda maiores. Esse torneio ganhou visibilidade mundial, comparável a uma Olimpíada ou Copa do Mundo.
No jogo, essa atmosfera única é refletida de várias maneiras. A apresentação dá a sensação de uma transmissão televisiva em momentos específicos, e a trilha sonora também contribui para esse objetivo, embora de forma polêmica. Apenas alguns personagens têm temas musicais, enquanto o ruído ambiente predomina na maioria das lutas.
O elenco passou por reformulações, com quase todos os estreantes de KOF '96 sendo retirados — Leona e Chizuru foram as únicas que retornaram — e novos personagens e participações interessantes sendo adicionados. Um trio especial foi formado por votação dos leitores da Gamest, Famitsu e Neo Geo Magazine: Blue Mary e Ryuji Yamazaki, ambos de Fatal Fury 3, e Billy Kane, que retornou com seu visual de Real Bout Fatal Fury.
As Oito Cabeças de Orochi
Em The King of Fighters '97, três novos personagens ganharam destaque: Yashiro, Shermie e Chris. Eles possuem designs marcantes, uma banda como paano de fundo de história e movimentos pouco ortodoxos que conquistaram o público. No desfecho da trama, é revelado que eles fazem parte do grande esquema de Orochi como três dos Quatro Grandes Reis, os servos mais leais do deus serpente.
Esse quarteto integra um grupo maior conhecido como Hakkeshu, as Oito Cabeças de Orochi, em referência à mitologia japonesa. Mature e Vice também são reveladas como servas da divindade, assim como Yamazaki, que foi incluído no grupo apesar de seu desinteresse nos assuntos do deus.
Por fim, Gaidel é apresentado como o oitavo membro dos Hakkeshu, mas ele é assassinado por Leona, sua filha, durante a Revolta do Sangue na infância causada por Goenitz após sua recusa em colaborar com os planos. Os descendentes de Orochi que servem a ele ficam incontroláveis e desenvolvem um instinto assassino animalesco. Embora Yamazaki também pudesse passar por esse processo devido à sua recusa em ajudar na causa, sua insanidade natural o torna imune.
No jogo, a Revolta do Sangue afeta Iori e Leona, que atuam como sub-chefes. Yashiro, Shermie e Chris também possuem suas versões Orochi, revelando seus verdadeiros poderes.
Outra adição curiosa ao elenco é Shingo Yabuki, uma espécie de fanboy de Kyo que luta sem utilizar poderes, mas deseja ser um aprendiz do protagonista. A SNK o criou como uma sátira de Sakura da série Street Fighter, levando a ideia para uma direção mais escrachada, mas igualmente carismática.
Avançando o combate
Em The King of Fighters '97, a mecânica de barras estabeleceu um padrão que definiria a série dali em diante. Batizada de Advanced, a barra carregável tornou-se mais tradicional para o gênero, preenchendo-se conforme o jogador dá ou recebe dano do inimigo. No entanto, três delas podem ser armazenadas para ser usadas em um DM (Desperation Move) ou liberadas para ganhar mais força e propriedades de cancelamento de golpes.
Os movimentos em torno do sistema Advanced são os mesmos de KOF '96, como corrida e rolagem, mas o jogo também ofereceu um segundo esquema de luta chamado Extra. Esse modo reintroduziu o desvio parado, a barra carregável manualmente e os pulos com dois toques para frente. Essa ideia de sistemas diferentes em um mesmo jogo foi amplamente utilizada no futuro, atingindo seu ápice na duologia Capcom vs. SNK.
No entanto, nem tudo foi perfeito. KOF '97 ficou conhecido como um dos maiores exemplos de kusoge (que literalmente significa “jogo merda”), um termo usado para jogos de luta desbalanceados, ainda que sejam bons. O título apresentou uma série de combos infinitos e personagens excessivamente poderosos que dominaram a cena competitiva.
Além disso, a otimização foi prejudicada devido ao prazo apertado para uma franquia anual, fazendo o hardware do Neo Geo sofrer por ações simples. Por exemplo: fazer um pulo longo com Chang ou executar a sequência de golpes rekka de Kyo resultava em quedas na taxa de quadros por segundo, deixando a ação lenta. A situação era tão crítica que até mesmo combos com personagens pirotécnicos podiam “crashar” o jogo, exibindo o infame “TASK OVER!!!” na tela.
Apesar desses desafios, o jogo teve um sucesso astronômico. O clímax da saga Orochi, com Kyo, Iori e Chizuru derrotando a Vontade de Gaia e seus asseclas, foi aclamado e continua sendo lembrado até hoje. O ano seguinte proporcionou um merecido respiro na narrativa, com foco no aspecto principal de um jogo de luta: a jogabilidade.
Dream Match Never Ends
The King of Fighters '98, também conhecido como KOF '98, é um marco na série e é frequentemente considerado um dos melhores da franquia. Ele não avança a história, mas celebra as mecânicas introduzidas em KOF '97 e homenageia a trajetória da série até aquele ponto.
Neste jogo, o sistema Advanced e o Extra retornam com ajustes especiais. Agora, cada membro derrotado da equipe concede uma vantagem para o próximo lutador, como diminuir o tamanho da barra Extra ou adicionar um slot extra para o Advanced. A velocidade e os combos foram revisados para evitar os problemas de desbalanceamento de '97, tornando seu sucessor mais equilibrado.
KOF '98 também resolveu os problemas de lentidão do antecessor graças à tecnologia de bankswitching do Neo Geo. O cartucho vinha com mais memória, e a placa intercalava os dados para aliviar a carga no hardware.
O elenco é impressionante, trazendo de volta personagens como o time dos esportes de '94, Mature, Vice, Takuma, Heidern, Saisyu e Rugal como chefe final e lutador selecionável. Todos os personagens presentes em '97 também retornam, exceto pelas versões Orochi de Leona e Iori, além dos chefes. Infelizmente, o famoso time de Geese, Krauser e Mr. Big de '96 ficou de fora, assim como Kasumi e Eiji.
Com 39 personagens no total, além de versões alternativas de lutadores como Mai e Robert, The King of Fighters '98 oferece uma jogabilidade sólida, cenários belíssimos e uma trilha sonora que presta homenagem a temas clássicos da SNK. Ele se tornou uma referência no cenário competitivo do gênero e é considerado um dos pontos altos da desenvolvedora. É um jogo que beira a perfeição.
Um futuro de temeroso
Com tantos altos e tantas produções de qualidade, a SNK estava competindo com tudo e todos no mercado de fliperamas. No entanto, havia um problema que ameaçava quebrar essa sequência de sucesso: as mudanças no mercado de videogames e a iminente queda da indústria de fliperamas. O ano de 1999 trouxe incertezas sobre o futuro da empresa, e os próximos títulos da série The King of Fighters refletiram o encerramento de uma era, prestando homenagens e sofrendo com o processo. Falaremos mais sobre isso na parte 3.
Revisão: Davi Sousa