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Análise: Black Myth: Wukong transforma um clássico chinês em um jogo magnífico

O trabalho de estreia da Game Science surpreende pela qualidade e polimento.

em 16/08/2024

Anunciado com um trailer impactante em 2020, Black Myth: Wukong teve um longo caminho até chegar aos PCs e consoles dos jogadores. Entre acusações de scam e denúncias de misoginia contra os realizadores, o projeto só ganhou força nas expectativas do público pelos seus visuais impressionantes e combate fluido.

Fico feliz em dizer que a espera valeu a pena e Wukong é um verdadeiro marco para o mercado chinês. O trabalho de estreia da Game Science transpira paixão, mitologia chinesa e uma sede por um lugar ao sol entre os grandes AAA ocidentais, algo que acredito que a equipe de fato conseguiu.

Um clássico reimaginado



Não é novidade que o projeto é uma adaptação de Jornada ao Oeste, um dos quatro grandes romances clássicos da literatura chinesa. O texto foi inicialmente distribuído de forma anônima em meados do século XVI e se tornou referência para obras famosas, como Dragon Ball, de Akira Toriyama, dentre outras.

A história original conta a jornada do monge Tang Sanzang até a Índia para levar escritos sagrados budistas a um povo que vivia na promiscuidade e hedonismo nas terras do leste. Nessa aventura, Tang tem alguns companheiros, entre eles o nosso famoso macaco Sun Wukong.




Em Black Myth, acompanhamos O Predestinado, nosso macaco protagonista, que embarca em uma aventura pelas terras asiáticas, enfrentando monstros mitológicos e empunhando poderes celestiais como magia e transformações. Pouco posso revelar sobre a trama aqui, até na sinopse, já que nos primeiros minutos temos algumas revelações que serão interessantes para o público.

O que é possível dizer é que boa parte do texto original de Jornada ao Oeste está presente, mesmo que de uma forma inusitada e criativa. Pense na forma em que a FromSoftware conta a história das Terras Intermédias em Elden Ring, com um grande épico que forma o mundo onde a aventura acontecerá. Troque o ambiente europeu medieval pela peculiaridade do folclore chinês e você terá Wukong — sim, a equipe conseguiu emular bem a fórmula da From de contar lore de forma bem interessante.

Um combate refinado, complexo e extremamente satisfatório



Um dos primeiros impactos que o trailer de revelação de Wukong causou no público foi seu combate fluido e as animações realistas dos inimigos. Algo que muitas pessoas acreditaram ser apenas uma Tech Demo da Unreal Engine e não um jogo de verdade. Porém, é realmente incrível o que a Game Science fez aqui: o produto final tem qualidade muito similar à divulgação inicial.

Para os desavisados, é bom deixar claro: Wukong não é um soulslike. Apesar de carregar algumas características, o sistema de combate e upgrades é bem diferente. Aqui, o RPG de ação fala mais alto do que tudo. O punitivismo dos soulslikes não é tão cruel, e os inimigos comuns quase não oferecem ameaça ao jogador.




Cada inimigo tem um padrão de movimento específico, que, aliado a um sistema de animações extremamente fluido, faz parecer que os combates são cenas de algum anime shounen. Isso vai de inimigos comuns a elites e chefões. Para fazer o casamento perfeito, a forma como O Predestinado se movimenta e ataca é ainda mais assertiva.

Com seu bastão e suas variações, é possível atacar em sequências de combos leves, que podem ser misturados com finalizações pesadas, gastando um ponto de foco. No meio desses combos, você pode desviar de ataques e continuar a sequência de onde parou.




Isso é essencial no jogo, já que sua principal forma de defesa é a esquiva. Pense em uma fusão entre o parry de Sekiro e o desvio de God of War (2018), já que, além de desviar, existe um sistema de esquiva perfeita, que acontece quando você aperta o botão no momento em que recebe o ataque — basicamente um parry, só que seu personagem sai do golpe no momento exato.

Além dessas mecânicas básicas, existe uma extensa árvore de habilidades que variam entre atributos do personagem, posturas de combate, melhorias de magia e muito mais. A quantidade de builds possíveis me pareceu quase infinita, principalmente pelo fato de o personagem colecionar magia e transformações ao longo da jornada, aumentando ainda mais o seu arsenal.

Entre espíritos e transformações



Sobre as magias, talvez seja o meu primeiro ponto negativo com o projeto. Existem algumas escolhas bem interessantes nelas: a capacidade de paralisar o alvo, uma defesa de pedra que também funciona como parry ou até mesmo o famoso jutsu clone das sombras.

Entretanto, é na parte de transformações que me sinto um pouco decepcionado. Eu confesso que não vi quase nenhum trailer além da revelação inicial; eu nem sabia do sistema de transformações até ler sobre ele no documento que a publisher me enviou. É muito empolgante poder assumir a forma de inimigos derrotados e portar seus poderes, porém, o número dessas transformações me pareceu tão limitado que me deixou querendo mais. Até demais, pro meu gosto.




Existe um sistema de capturar espíritos de inimigos que podem ser usados como um ataque único, em que você se transforma nele e dá seu golpe. Esse sistema, até onde joguei, contava com mais de 15 tipos diferentes e ainda indicava que poderia haver mais.

Já as transformações, em que você de fato se torna algo diferente e ganha controle sobre aquilo, eram bem menores, talvez não chegando a oito. Uma ótima ideia que, na minha visão, poderia ter sido melhor explorada, já que o sistema de espírito, para mim, não é tão empolgante quanto as transformações, principalmente tendo em mente que, no texto original, Wukong chegava a ter dezenas delas.

A verdadeira magia do folclore chinês



A quantidade e variedade dos chefes também é um dos pontos altos do jogo. É surpreendente a quantidade de inimigos únicos com visuais distintos que você encontra pela jornada, de criaturas animalescas como lobos, ursos e tigres, a criações místicas difíceis de descrever.

Mais impressionante ainda é a variedade regional dos inimigos. Cada capítulo acontece em um local com visuais próprios, carregados da religiosidade do budismo e xintoísmo, com uma direção de arte que explora esses temas de forma coesa com o mundo. Isso inclui também a população de personagens e inimigos que povoam essas áreas, como monges nos templos budistas, lobos nas florestas e até demônios em áreas mais distantes. Para cada inimigo, o sistema de Retratos detalha quem é aquele indivíduo e conta uma história relacionada a ele, um compêndio que achei mais do que necessário em jogos com lore carregada.

Talvez o único problema dentro das dezenas de chefes seja a cadência. O jogo é um verdadeiro boss rush, chegando ao ponto de ter até dois chefes seguidos antes de um descanso. Por mais que os encontros sejam sempre empolgantes, existe uma falha no design que é exatamente o que você faz entre os grandes desafios.

Boa parte do design de mundo do jogo é linear ao ponto de se parecer com jogos de algumas gerações passadas. Existem pontos em que tudo o que o personagem pode fazer é andar em linha reta ou até mesmo em espiral, isso tudo com uma quantidade absurda de paredes invisíveis que até desestimulam o mínimo de exploração que o mundo oferece.




Em algumas áreas, existe um hub maior de caminhos, escondendo até personagens de quest e áreas secretas, mas em sua maior parte, a linearidade e os inimigos que pouco ameaçam o macaco tornam a jornada entre os bosses um pouco tediosa, e a cadência não ajuda nesse quesito. Chefes são o ápice do combate de um jogo, mas ao utilizá-los com tamanha frequência, acaba-se tirando um pouco do brilho desses encontros, já que a cada 10 ou 20 minutos você está novamente vendo uma barra de boss. Obviamente, essa é uma experiência particular minha; acredito que muitos verão essa falta de cadência como algo positivo.

Existe uma parte relacionada a missões de NPCs e segredos dentro das fases não posso mencionar especificamente, mas espere algumas surpresas quanto a encontros secretos, itens especiais e um pouco de lore aprofundada sobre o mundo. É só uma pena que boa parte dos NPCs é restrita a poucos diálogos e funciona muito mais como artifícios para as tramas do que de fato personagens vivos naquele mundo.

Um lugar ao sol

Black Myth: Wukong é um dos trabalhos de estreia mais impressionantes dos últimos anos. Não me recordo de uma empresa pequena conseguir entregar um projeto tão sólido, polido e com identidade própria como este. A equipe da Game Science escolheu um material base carregado de significado e importância, colocou sua paixão e experiência e transformou um clássico literário em um jogo viciante, bem-construído e de identidade única.

Mesmo com problemas no design do mundo, na escrita de alguns personagens e em sistemas subutilizados, o jogo com certeza vai agradar a quem aguardou tantos anos para finalmente fazer sua jornada até o Oeste e enfrentar as deslumbrantes maravilhas do mundo mítico do folclore chinês. Resta agora aguardar o que o futuro reserva para a Game Science, que com certeza vai ganhar todos os holofotes nos próximos dias.

Prós

  • Visuais incríveis e uma direção de arte que explora a cultura chinesa e as diversas influências da religião sobre arquitetura e decorações;
  • Combate extremamente polido com foco na velocidade, seja na defesa ou ataque;
  • Extensa árvore de habilidades, incluindo sistema de melhoria do personagem, armas, armaduras, estilos e magias;
  • Áreas diversas e diferentes que abrigam uma quantidade absurda de inimigos diferentes
  • Chefões únicos com movimentos e design que dificilmente deixaram a memória dos jogadores
  • Adaptação interessante e original de um dos maiores romances da literatura chinesa.

Contras

  • Design de mundo extremamente linear em boa parte da aventura;
  • Paredes invisíveis são mal colocadas e limitam o jogador predominantemente em qualquer área;
  • Sistema de Espíritos e Transformações poderia ter sido mais desenvolvido;
  • Alguns NPCS só servem a um propósito mecânico, carecendo de alguma trama ou contexto que os torne mais do que ferramentas para o macaco.
Black Myth: Wukong  — PS5/PC — Nota: 9.0
Versão utilizada para análise: PC
Revisão: Juliana Paiva Zapparoli
Análise produzida com cópia digital cedida pela Game Science

Redator publicitário em tempo integral e amante de games nas horas vagas. Provavelmente aprendi a segurar um controle mais rápido do que uma mamadeira. Cresci com os maiores clássicos da Big N como Zelda, Mario e Pokémon. Hoje aproveito os pequenos momentos de descanso da vida corrida para me perder em Hyrule, em uma Tóquio pós-apocalíptica ou em um mundo de encanadores e cogumelos.
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