Workers & Resources: Soviet Republic é um título que ficou anos a fio em acesso antecipado. Não por acaso: é provavelmente um dos simuladores de gerenciamento de espaço urbano mais elaborados, minuciosos e complicados já produzidos na história. Nele, o objetivo é desenvolver um território soviético como qualquer construtor de cidades, considerando questões econômicas, sociais e infraestruturais, mas o título desenvolvido pela 3Division leva tudo a um novo patamar.
“De cada um, segundo sua capacidade; a cada um, segundo seu trabalho”
Não é exagero pensar que Workers & Resources: Soviet Republic funciona como um complexo maquinário em que todas as peças precisam estar no lugar. Aí, o “todas” refere-se realmente a “todas” no sentido de que cada elemento de uma sociedade precisa ser plenamente entendido em sua função para que as coisas comecem a dar liga e a sociedade, por sua vez, consiga prosperar.
Isso vai envolver praticamente todas as esferas de uma cadeia de produção. Ter que levar em conta o humor da população e a distância que os cidadãos estão alocados do trabalho certamente não é novidade alguma. Entretanto, entender a fundo algumas das suas necessidades fundamentais — como a questão do álcool, algo culturalmente importante para as nações soviéticas, como o jogo bem explica logo no tutorial — é certamente uma realização impressionante.
Aqui, outro aspecto-chave para entender o funcionamento geral da sociedade comunista que estamos tentando emplacar é a questão do transporte. Falando de um ponto de vista de escopo, você pode ir por um de dois caminhos quando falamos desses simuladores: o da generalização ou o da especialização.
Generalização é o que fazem nomes como SimCity, Cities: Skylines ou mesmo Tropico, que, embora tenham seus graus de complexidade, contam com várias esferas distintas que os jogadores precisam compreender e manipular no intuito de dominar o game por completo.
Em contrapartida, se ao pegar um Transport Tycoon, um OpenTTD, ambos gerenciadores de transporte público, ou um Production Line: Car Factory Simulation, que reproduz uma linha de produção automobilística, o que você vai ter é uma complexidade, uma especialização muito maior em determinados detalhes pertinentes apenas aos temas que tais simuladores abordam.
Workers and Resources: Soviet Republic, por sua vez, mescla os dois ao trazer generalização de temas cujos controles plenos dependem de um entendimento especializado de cada um deles. Entender os trabalhadores é uma coisa; entender todo o fluxo de trabalho de produção até o transporte da mercadoria final, seja ela para consumo interno, seja ela para exportação, é algo que eu acredito nunca ter sido realizado com tanta propriedade na Indústria de jogos.
Você precisa de transporte para levar suas commodities para fora do seu território? Pois bem: construa um sistema de trem. E aí, não é simplesmente dispor os trilhos até alguma fronteira e construir as estações no meio do caminho: vai ser necessário também construir a garagem no final da linha para os trens fora de uso, determinar o fluxo dos trilhos, estabelecer as paradas referentes aos faróis e aos cruzamentos com as avenidas de pedestres e carros, comprar os trens e os vagões, determinar qual trem de qual vagão vai carregar cada matéria de exportação até qual estação, e vai seguindo.
Quanto mais o tempo dentro do jogo vai passando, novas necessidades vão surgindo e, por sua vez, maior será a necessidade de interferência nessas dinâmicas no intuito de tentar conduzir a sociedade que almejamos construir para o nosso save. Workers & Resources faz juz ao nome: o microgerenciamento das forças de trabalho e dos recursos disponíveis é o centro geral do game.
A evolução vai ficando tão complexa que justifica o ritmo anormalmente lento de passagem de tempo in-game, mesmo na velocidade máxima. Embora, no começo, essa progressão se mostre vagarosa e entediante, a complexidade vai escalando de um jeito que todo esse tempo será necessário e ainda curto para tanto microgerenciamento.
Soviet Republic é voltado 100% à questão da funcionalidade, caminhando na contramão de boa parte dos city builders modernos, que focam na construção de cidades bonitas, monumentos suntuosos e arranha-céus faraônicos. Cada erro de cálculo rapidamente resultará em consequências em diversas esferas de gerenciamento. Sincronia entre todos os sistemas é a chave aqui.
Essa complexidade, ao menos, é uma via de mão dupla. Do mesmo modo que o simulador exige versatilidade do jogador, ele também oferece múltiplas soluções possíveis para as problemáticas que traz. Sistemas de saneamento, eletricidade e transporte, por exemplo, contam com possibilidades diferentes de implementação. Desta forma, cada partida pode se desenrolar de maneiras únicas, o que estimula a experimentação. Não há uma fórmula definitiva para o sucesso.
Apesar disso, há alguns desequilíbrios pontuais a nível de jogabilidade. A economia é, por vezes, um pouco desbalanceada no sentido de que algumas opções de indústria e de matéria-prima claramente rendem mais do que outras, cujas operações simplesmente deixam de compensar a nível econômico.
Isso considerando também que o foco não está em acumular recursos financeiros, rechaçando, por bem, a ideia de que um Estado precisa dar lucro, mas em oferecer a melhor vivência para os cidadãos virtuais de nossa república. O acúmulo não tem finalidade alguma aqui, sendo que os dois tipos distintos de moedas a serem gerenciadas, o rublo e o dólar, servem primariamente como capital de giro para ser gasto em custos e produções locais ou para aquisições de bens ou serviços importados, respectivamente.
Adicionalmente, um aspecto que não dá para deixar passar batido é como o jogo conta com uma comunidade de mods bastante robusta na Oficina da plataforma Steam. Não basta a diversidade oferecida pelo próprio título: é notável como os jogadores colaboram com ele, praticamente fazendo jus à sua temática voltada à produção coletivizada. Afinal, se a classe jogadora tudo produz, a ela tudo pertence.
Uma leitura tão densa quanto o Das Kapital
Há dois modos de jogo principais em Workers & Resources: personalizado e campanha. O primeiro é o clássico sandbox em que o jogador pode progredir da forma como quiser, com objetivos pessoais (ou não), tentando lidar com os problemas que vão surgindo de acordo com suas ações.
O modo campanha, por sua vez, já conta com um progresso mais guiado, trazendo consigo, inclusive, um tutorial básico a respeito do funcionamento das mecânicas, mas que logo aprendemos que jamais irá substituir o modo tutorial (também presente no menu principal) por conta da quantidade de informação que precisa ser retida durante a curva de aprendizado.
É importante reforçar que, embora o título tente trazer algumas opções para deixar a jogatina menos inibitória, como a possibilidade de desativar certos sistemas ou funcionalidades, ainda assim ele não é feito para qualquer tipo de jogador, mesmo dentre os já versados nesse gênero de simuladores.
Esse sentimento é reforçado pela interface de controle geral. Tudo bem contar com uma identidade visual rústica que emule outros simuladores antigos do PC, com bordas quadradonas e uso de texturas questionáveis. Ainda assim, toda a transmissão de informação poderia ser melhor ajustada a fim de trazer uma legibilidade minimamente funcional. Não só estamos falando de muito texto, como também de blocos que pesam a leitura ou de um tamanho de fonte minúsculo.
Essa quantidade de informação a ser assimilada (que faz o Football Manager parecer um monte de tabelinha em html), bem como sua disposição por vezes desnecessariamente intimidadora, não são os únicos problemas técnicos presentes, visto que a própria navegação também conta com seus percalços. Eu queria entender o motivo de o botão da rodinha do mouse fazer a câmera girar em seu próprio eixo em vez de dar a volta no mapa, função atribuída ao teclado. Por sorte, é possível remapear alguns comandos (não todos), mas não muda o fato de ter sido uma escolha minimamente questionável dos designers.
Além da interface e da identidade visual, é importante ressaltar que os gráficos em si não são lá dos mais bonitos, apesar de funcionais. Embora as construções, especialmente os monumentos históricos, sejam caprichadinhas, os elementos gerais dos cenários, particularmente as texturas, contam com uma aparência arcaica.
Ademais, esse déficit gráfico acaba prejudicando especialmente a jogabilidade, porque há situações em que a nivelação do terreno acaba não sendo muito perceptível, o que complica o processo de certas construções, como as estradas. O nivelador de terreno existe, mas ele não é dos melhores devido à sua usabilidade pouco intuitiva. Para complementar, o mapa não funciona em um grid, o que torna o planejamento urbano um pouco mais complicado do que deveria, a um ponto em que ele mais frustra do que é deliberadamente difícil.
Apesar de todos os seus problemas, o futuro para Workers & Resources ainda parece brilhante. Após anos em acesso antecipado, o produto realmente conseguiu alcançar uma maturidade que justifique seu lançamento definitivo, mas ainda segue em constante evolução, trazendo conteúdo e atualizações que certamente farão seu nome como um dos mais robustos e elaborados construtores de cidade disponíveis no mercado.
Jogadores de todo o mundo, uni-vos!
Workers & Resources: Soviet Republic tem tudo para promover a sua própria revolução no gênero de simulação de construção e gerenciamento de cidades. Com a humildade de um proletário que passou anos trabalhando em seu ofício, o título realiza a façanha de elevar o estilo a um novo nível de complexidade de gerenciamento, capaz de intimidar até mesmo os mais versados nele, o que infelizmente o torna consideravelmente inacessível para um público amplo. Afinal, construir um paraíso soviético nunca foi fácil, mas é possível.
Prós
- Execução primorosa de sua proposta geral;
- Facilmente uma das experiências mais robustas do gênero;
- Sistemas de microgerenciamento multidisciplinares complexos, mas com sentimento de recompensa quando finalmente entram em funcionamento;
- Fator replay imensurável por conta da diversidade e da profundidade das mecânicas.
Contras
- A Complexidade pode ser pouco intimidadora até para os veteranos no gênero;
- “Pouco acessível” é eufemismo, mesmo sendo possível desativar algumas mecânicas a fim de tornar a experiência mais branda;
- Sistema de controle de câmera e mapeamento dos botões desregulados;
- A identidade visual e o volume de informação a serem assimilados de uma vez são pouco convidativos.
Workers & Resources: Soviet Republic — PC — Nota: 7.5
Revisão: Davi Sousa
Análise produzida com cópia digital cedida pela Hooded Horse