Para falar de The Case of the Golden Idol, é preciso mencionar um ótimo canal no YouTube sobre game design, o Game Maker’s Toolkit, criado pelo inglês Mark Brown. Em 2017, ele publicou um vídeo intitulado "O que faz um bom jogo de detetive”, no qual apontava que esse ramo é escasso pelas dificuldades de produzir sistemas satisfatórios para solucionar enigmas narrativos que coloquem o raciocínio de quem joga no centro do caso.
O costume é que o próprio jogo faça a parte cerebral e a apresente na forma de opções, afunilando as possibilidades em uma trilha a ser seguida. Assim, troca-se investigação por tentativa e erro, levando a experiência superficiais nesse aspecto.
O vídeo também compara jogos e aborda possíveis alternativas, o que instigou dois irmãos da Letônia a buscarem criar seu próprio jogo de detetive. Assim, em 2022, Andrejs e Ernests Kļaviņš lançaram The Case of the Golden Idol sob o nome de seu estúdio, Color Gray Games.
Um caso grotesco
Além da motivação provida pelo vídeo, outra forte influência em The Case of the Golden Idol é o estilo adventure de PC da década de 1980, exibindo uma pixel art com efeito de spray e uma paleta de cores restrita. Essa pintura retrô abrange todo o visual: cenários, texto, menus e até o cursor.
As cenas têm composição inspirada em telas de William Hogarth, pintor inglês que viveu no século XVIII, o mesmo período em que se passa o jogo. As fisionomias dos personagem são inspiradas no lado grotesco do trabalho do famoso ilustrador francês Gustave Doré.
Não posso deixar de notar como esses rostos lembram muito a série animada Beavis and Butthead. Logo, é um visual propositalmente exagerado, caricato e feio, mas muito adequado ao contexto decadente da história. Aqui, a maior parte das pessoas é má, extravagante, desonesta ou mesquinha, e quase todo mundo tem alguma lâmina ou arma de fogo entre seus pertences.
Não temos uma protagonista específica nem alguém carismático o bastante para atrair nossa torcida. Somos apenas observadores e não controlamos os personagens envolvidos no caso do ídolo de ouro. Ou melhor, nos casos: a história atravessa vários anos, sempre obritando a tal peça dourada misteriosa e sempre com um novo assassinato.
Pouco a pouco vamos desvendando como cada pessoa morreu e percebemos as conexões que formam um todo, desenrolando uma trama maior construída por lutas pelo poder, traições, politicagem, misticismo, sinistras sociedades secretas e reviravoltas. As mortes são variadas, como por queda, envenenamento, explosões, armas brancas e até uma chamativa combustão espontânea. Ninguém está a salvo.
Um caso de lógica
Aqui entra outra grande inspiração: o magnífico jogo Return of the Obra-Dinn. The Case of the Golden Idol segue a linha de apresentar uma cena parada no tempo com o momento da morte de alguém. Os personagens se movem em uma pequena animação em loop, apenas para não ficarem estáticos demais. Cabe a nós vasculhar os locais e descobrir o nome de quem morreu, quem matou e como a coisa toda aconteceu.
Para entender como funciona, vamos considerar que o jogo tem dois tipos de pistas: as indiretas e as diretas. O primeiro tipo é a detecção clássica de observar detalhes e fazer um jogo mental de associação e exclusão. Ou seja, o tipo indireto é o que é comunicado nas nuances e captado pela lógica, com cenas bem-construídas para fazer com que toda dedução tenha um caminho perfeitamente consistente.
Assim, a compreensão de alguns fatos leva ao efeito em cadeia de ampliar a compreensão do todo de uma forma muito recompensadora. A satisfação do raciocínio correto é um ponto muito importante em jogos de puzzles, e The Case of the Golden Idol nos brinda com essa sensação em diversos momentos.
O segundo tipo consiste dos sistemas de gameplay propriamente ditos; afinal, o jogo precisa propor os enigmas específicos a serem desvendados e também a maneira de inserir as hipóteses e conferir os acertos, fazendo-o por uma comunicação direta, que acontece da seguinte maneira.
Temos cadernos de pensamentos com frases repletas de lacunas que precisaremos preencher com nossas deduções. Os pontos que podemos investigar nos cenários são marcados por interrogações que, uma vez verificadas, recebem um traço de check. Eles mostram objetos, pessoas, falas ou anotações com palavras sublinhadas que devemos “colher” para poder completar as lacunas da solução. O número das palavras disponíveis é computado no canto da tela para sabermos se já temos todas em mãos.
Além da solução principal, também temos outras ditas opcionais que surgem em cada caso, mas, apesar de não serem de fato obrigatórias, fazem parte do caminho para descobrir o objetivo. São puzzles como descobrir quem sentou em cada lugar da mesa de jantar e quem é o dono de cada quarto da casa.
Um caso de auxílio
Se os dois primeiros casos parecerem simples, não se preocupe: a complexidade evolui junto com a trama e exigirá gastar uns neurônios, o que é justamente o que o público-alvo desse tipo de jogo quer. O desafio, no entanto, não é absoluto e há espaço para flexibilidade. Mais uma vez, vamos dividir a leniência em duas abordagens: indireta e direta.
A indireta faz parte dos próprios sistemas de jogo. Como as respostas são preenchidas com palavras encontradas, o número de opções para completá-las permite algum grau de tentativa e erro. Você não vai acertar assim chutando tudo do zero, mas, quando faltam apenas algumas lacunas para acertar, a coisa toda pode ser concluída com testes. Mas como podemos saber que falta pouco? Por meio das ajudas diretas.
The Case of the Golden Idol recomenda fortemente que a pessoa que joga solucione tudo com base na dedução, mas dá o braço a torcer e concede alguns auxílios. Há uma mensagem que avisa quando restam apenas uma ou duas palavras erradas, abrindo o espaço para experimentar alternativas até acertar. Além disso, cada caso tem quatro dicas que fornecem insights da situação e cada texto a ser preenchido tem três chances de verificação, mostrando quais palavras estão certas e erradas até então.
Logo, mesmo almejando uma boa dinâmica de trabalho cerebral, os sistemas têm suas limitações de abertura e dão concessões opcionais a quem estiver travado em um dilema, um recurso que o torna convidativo a quem não está habituado a esse tipo de desafio.
Um caso de casos
Mesmo sendo para um jogador, completei todos os casos em dupla com minha esposa, seguindo o velho ditado de que duas cabeças pensam melhor que uma. Funcionou tão bem como quando fizemos o mesmo com Return of the Obra Dinn e Chants of Sennar. Jogos de investigação desse tipo são uma boa pedida para quebrar a cabeça com mais alguém.
A campanha principal tem 12 casos para desvendar e encerra sua trama em um grande clímax, mas quem quiser mais mistérios pode recorrer aos dois DLCs, cada um com mais três casos: O Vampiro Lemuriano e A Aranha de Lanka. Há também a Complete Edition, que reúne todo o conteúdo e foi usada para esta análise.
No todo, The Case of the Golden Idol consegue entrar para o nicho de bons jogos de detetive que requerem verdadeira atenção e raciocínio em suas investigações. Seu visual retrô é bem aplicado, mas pode não cair no gosto de todos. Já os mistérios são intrigantes, rendem bons desafios e também contam com sistema de dicas para quem ficar mais confortável com elas.
Prós
- Os mistérios são bem-feitos e construídos de forma a ter soluções perfeitamente lógicas e que dão grande satisfação em ser decifradas;
- Os vários casos estão entrelaçados e desenvolvem uma trama maior em torno do ídolo dourado;
- Os sistemas de dicas e de verificação ajudam em caso de impasse em algum enigma;
- Localizado em português brasileiro.
Contras
- A mecânica de completar lacunas não consegue evitar a tentação de apelar para a tentativa e erro;
- Apesar da história interessante, o distanciamento de nossa perspectiva e a falta de personagens carismáticos não incentivam afeição ao elenco;
- O visual de PC retrô combina e acerta na nostalgia, mas é uma escolha arriscada por ser pouco atraente.
The Case of the Golden Idol — PC/PS5/XSX/Switch/Android/iOS — Nota: 8.0Versão utilizada para análise: PS5
Revisão: Juliana Paiva Zapparoli
Análise produzida com cópia digital cedida pela Playstack