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Análise: Natsu-Mon: 20th Century Summer Kid, um jogo feito sob medida para crianças e adultos

Passar férias como uma criança no interior nunca foi tão divertido e conecta gerações nesse relaxante jogo.

em 20/08/2024

Algumas experiências são realmente coletivas, principalmente na nossa infância, quando nossa socialização é introduzida e começamos a conhecer pessoas e hobbys aos quais nos apegamos e, às vezes, levamos pro resto da vida. Natsu-Mon: 20th Century Summer Kid sintetiza todo esse misto de sentimentos que envolve nostalgia, diversão e até um pouco daquelas lembranças que, apesar de levemente amargas por sabermos que são de momentos que nunca voltarão, simboliza momentos importantes na nossa vida. Mas, claro, envolvido por um gameplay com sensibilidades modernas em uma franquia que tenta se estabelecer no ocidente

De clássico cult à primeira experiência ocidental


Natsu-Mon: 20th Century Summer Kid é o mais novo jogo do estúdio Millenium Kitchen e que serve como uma espécie de spin-off para a franquia Boku No Natsuyasumi, série clássica de cozy games que ficou restrita ao Japão até hoje. Mas, recentemente, graças à traduções de fãs, ensaios em vídeo com duração de seis horas no youtube e outro spin-off baseado no anime Crayon Shin-Chan, a franquia se tornou cult e começou a ganhar um certo following no ocidente, encorajando a SPIKE Chunsoft Co., Ltd. a lançar Natsu-Mon fora do Japão.

Apesar de ser um spin-off, o game tem diversos traços de Boku No Natsuyasumi e a premissa é a mesma: se divirta como uma criança e tenha o verão dos sonhos. Parece simples, certo? E é! Natsu-mon te coloca no papel de Satoru, um menino prestes a completar dez anos de idade e filho de um casal que faz parte de uma trupe circense. De férias escolares, Satoru vai parar em Yomogi, uma cidade litorânea no interior do Japão com diversos moradores curiosos e que engajam o jogador logo no primeiro momento.

Para quem é criança, tudo é uma grande aventura, mesmo as pequenas


Natsu-Mon não tem pretensão nenhuma de ser o jogo mais complexo do mundo, nem o objetivo: logo no início do game, somos apresentados a tarefas que variam entre explorar uma montanha e ver a vista da cidade, colecionar insetos — um dos hobbies infantis mais comuns no Japão — e pescar. Apesar do jogo apresentar um menu de missões, que se dividem entre Big e Little Adventures, além de Flatfoot Files — mais sobre isso daqui a pouco — a aventura é totalmente sandbox e feita para o jogador apreciar no seu próprio ritmo, sem nenhum tipo de pressão para progredir rápido, tirando o fato de que todo período de férias acaba.

Durante as pequenas grandes aventuras de Satoru, que vão de conhecer o dono do mercadinho local, à descobrir quem anda soltando os porcos de um chiqueiro, até ajudar um museu na coleção de fósseis, o jogador preenche com ilustrações extremamente carismáticas um diário que serve como relatório de férias escolares para o protagonista. Esse é o primeiro indicativo do maior ponto de Natsu-Mon: a sua forte personalidade e a direção de arte que o game carrega em seus pequenos detalhes. O jogo é extremamente bem acabado nesse sentido, com muitos indicativos visuais que o fazem parecer um anime infantil, mas sem cansar os olhos com um mar de informações, como em jogos AAA que permeiam os lançamentos atuais.

Influência do lugar certo que dita todo o charme


O visual do jogo tem a inspiração clara nos clássicos modernos da Nintendo, Zelda: Breath of the Wild e Animal Crossing: New Horizons, com gráficos bem coloridos e com personagens que parecem ter vindo de uma série animada. Pequenas animações também dão um belo charme e fazem o jogo ficar ainda mais orgânico, como quando o jogador acessa o diário de Satoru, que responde com uma pequena animação puxando o caderninho do bolso e o abrindo em transição para a tela de menu.

E o jogo inteiro é floreado com esse charme, que o deixa mais orgânico e vivo, algo super importante em um game que consiste em falar com NPCs e observar suas atividades a cada dia que passa. É interessante ver como os moradores da cidade se comportam, alguns podem estar fazendo uma ioga coletiva na parte da manhã, em seus postos de trabalho durante o horário de almoço e à tarde e durante a noite, dependendo do dia da semana, praticando uma corrida pela praia ou mesmo enchendo o pote no bar local.


Porém, a relação de Satoru com a maioria dos NPCs não é exatamente profunda, você pode até se apegar a diversos personagens por suas personalidades e características individuais, mas se quiser algo como uma quest ou atividade específica com aquele personagem, talvez sinta falta. Diferentemente dos membros do clube de detetives Trumpet Forest, uma agência de investigação formada por outras crianças do vilarejo em que fica sua hospedagem e que se dedica a investigar mistérios que rondam o local e propõem missões um pouco mais específicas e lineares ao jogador, como adentrar em um castelo abandonado com leves puzzles e platforming.

Um jogo, diversos playthroughs e o elo entre ser criança e adulto


Natsu-Mon é um jogo feito para jogar sem nenhum tipo de pressa, ou com o objetivo de se zerar e partir para uma próxima: apesar de uma história bem fechadinha, com uma campanha que se inicia no primeiro dia de agosto e termina no último, o jogador nunca conseguirá fazer 100% das atividades que o jogo exige. Consultar guias ou detonados, apesar de ser algo que eu até gostaria de fazer em uma próxima jogada, não é o objetivo aqui, que na verdade é ir descobrindo de pouco em pouco cada espécie de artrópode que existe naquela região, qual peixe aparece em que parte do dia, ou o que o seu vizinho faz nas noites de domingo.

O jogo tem como objetivo maior te colocar em uma vibe nostálgica e, na pele de uma criança, conectar qualquer um que estiver jogando com esse tipo de socialização que seres humanos fazem em sua maioria durante a infância, que é brincar e se divertir. Natsu-Mon é aquele tipo de produto de mídia que pode ser jogado por uma criança, mas também por adultos, e ambos terão uma percepção única sobre a experiência, que se assemelha a produções como O Pequeno Príncipe e Hora de Aventura, numa aventura extremamente meta, onde a criança acha que aquela diversão é para sempre e os adultos lembram de até onde elas foram.


Há diversos momentos emocionantes em Natsu-Mon que o próprio protagonista não se dá conta do que está vivendo, quase que em um experimento à quarta parede, mas que batem demais quando você joga como um adulto, como personagens que revelam seus lugares preferidos para observar uma lua cheia, outros que sonham em ser músicos, mesmo depois de estarem idosos, ou mesmo em despedidas que acontecem abruptamente, como na vida real. Esses pequenos toques levam uma narrativa que clica com o jogador de uma maneira diferente e podem ou não ser um chamariz com relação à proposta de um jogo que não se resume a apenas gameplay e objetivos a serem cumpridos.

Qualidade técnica que não falta


Natsu-Mon, sendo o primeiro jogo da Millenium Kitchen com essa temática e não licenciado a chegar ao ocidente, tinha uma boa responsabilidade de entregar um produto que fizesse jus às sensibilidades modernas em questão de gameplay e consegue fazer isso de uma ótima maneira. Enquanto outros jogos do estúdio possuem loadings, transições de tela e uma jogabilidade travada — nada incomum para a época ou que comprometesse a qualidade deles —, Natsu-mon entrega um grande mundo aberto sem loadings entre áreas, e que vai mudando conforme o dia passa sem precisar de nenhuma ação do jogador.

A jogabilidade faz o jogo brilhar ainda mais, com controles no padrão de jogos modernos no estilo ação em terceira pessoa, o que facilita quando Satoru precisa escalar um prédio, mirar e atirar uma noz em algum inseto que está longe, ou apostar uma corrida. Além disso, alguns toques importantes, como um sistema de viagem rápida por meio de pontos de ônibus, que você vai encontrando pela cidade, e uma cartomante que indica o que você pode fazer no dia seguinte, caso esteja perdido ou mesmo entediado, trazem uma forma orgânica de implementar mecânicas que ajudam nos recursos de qualidade de vida do jogo.

Quer mais? Toma a expansão Broadcast Over Sunset!


Além da jornada principal, também joguei Broadcast Over Sunset, um conteúdo adicional que implementa pelo menos mais 30% de tempo na jogatina e que tem de tudo um pouco. A aventura, que começa quando Satoru ouve uma transmissão de rádio vinda da própria cidade, nos leva a conhecer o DJ local, que, por sua vez, nos conta sobre uma misteriosa ilha que fica um pouco mais distante da costa. Seus amigos da Trumpet Forest Detective Agency não perdem tempo para explorar esse novo local e assim você parte em um barco, na primeira transição de telas e loading que o jogo apresenta. Afinal, a ilha é grande.

Adicionando um novo drama na história, com personagens que, sinceramente, dá um leve toque amargo na trama, Broadcast Over Sunset dá literalmente mais emoção à Natsu-mon: além do já esperado novos itens, insetos e peixes coletáveis, que somam quase um terço do original, a nova ilha também apresenta uma nova e complexa dungeon que dá uma vibe diferente ao jogo, adicionando muito mais ação e aventura  do que o jogo base. A própria estética dos locais da ilha, apesar de não fugir muito do apresentado no jogo principal, traz um sentimento mais sério e menos descontraído pro game, mas não em um sentido ruim, e sim de uma forma que quem deseja um pouco mais de ação, encontra aqui.

O jogo principal também é influenciado pela DLC, adicionando mais registros no diário de Satoru, aumentando requerimentos para completar a exibição do museu local e adicionando mais na história do jogo principal. Aqui fica claro que Broadcast Over Sunset é um daqueles pacotes completos para quem curtiu o jogo base, mas talvez infle demais uma pequena experiência que é a jornada original do pequeno em suas férias simples na cidade pacata, mudando sua vibe e um loop que funciona tão bem.


Natsu-Mon: 20th Century Summer Kid não é exatamente um jogo para se emocionar, seja por uma aventura recheada de ação ou uma história extremamente elaborada, mas é um jogo sensível a lembranças e sentimentos que muitas pessoas passaram durante suas infâncias, sejam no Japão ou mesmo no Brasil. Brincar sempre foi bom, relembrar dessa época depois de adulto também é bom, e um jogo que consegue conectar tão bem essa vibe nostálgica com o jogador é um objetivo extremamente bem sucedido da Millenium Kitchen.

Prós:

  • Um mundo com uma infinidade de coisas para se fazer.
  • NPCs diversos e com personalidades distintas.
  • Direção artística charmosa e carismática.
  • Uma aventura daquelas feitas para crianças e adultos, e que vai ter um significado para cada.

Contras:

  • NPCs não oferecem tanto conteúdo em forma de quests ou atividades.
Natsu-Mon: 20th Century Summer Kid — PC/Switch — Nota: 9.0
Versão utilizada para análise: PC
Revisão: Beatriz Castro
Análise produzida com cópia digital cedida pela SPIKE Chunsoft Co., Ltd.

Falo de tudo quanto é coisa, de Castlevania a Anatomy of a Fall, de Carolina Maria de Jesus a Hidetaka Miyazaki, de trilhas sonoras de Super Sentai a Mano Brown. Só não gosto de Deckbuilder Roguelike. Meu sonho é visitar o Japão. Se curtiu, continuo falando sobre meus textos em twitter.com/WesternYokai666
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