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Análise: Gori: Cuddly Carnage empresta uma de suas sete vidas a um gênero em extinção

Hack and Slash desenvolvido pela Angry Demon Studio é quase uma paródia de Stray, mas com anabolizantes.

em 27/08/2024


Assim que foi anunciado na mesma State of Play que apresentou o PlayStation 5 ao mundo, Stray chamou atenção por conta de sua singular construção atmosférica ao colocar um gatinho laranja como protagonista em uma ambientação cyberpunk. Com seu lançamento, o título logo se mostrou como um passeio interativo e bastante sem graça, um não jogo. Tendo isso em vista, é muito difícil olhar para Gori: Cuddly Carnage e não encará-lo como uma (divertida) paródia.


No título desenvolvido pela Angry Demon Studio, o planeta Terra sucumbiu a uma revolta comandada por brinquedos sencientes produzidos por uma empresa chamada Cool Toys Inc.. A principal força de resistência é encabeçada por três produtos defeituosos: Gori, o psicótico, porém simpático, gatinho artificial; F.R.A.N.K, seu tagarela hoverboard acoplado com lâminas mortais; e CH1-P, uma inteligência artificial preguiçosa e clinicamente depressiva.




Depois de escapar por pouco da revolução desses brinquedos mutantes, o trio decide enfrentar os responsáveis por esse caos ao mesmo passo em que seguem em uma busca pela cientista que os protegia do iminente descarte de produtos que eram considerados inadequados para o mercado. Dessa forma, o título segue em uma jornada composta por sete fases diferentes carregadas por muita carnificina contra a chamada Armada Adorável e seus generais.

A partir daí, Gori: Cuddly Carnage segue na contramão da indústria atual de jogos ao se apegar a um estilo de jogabilidade mais tradicional para um jogo de ação, oferecendo um amálgama de características clássicas para o gênero e misturando certos elementos de hack and slash, plataforma, quebra-cabeças e até sequências de perseguição ao longo dos estágios que, embora compartilhem do cyberpunk como unidade atmosférica, conseguem trazer temas diferentes para individualizar cada uma dessas fases a fim de torná-las únicas.




Para encarar a rebelião dos brinquedos, Gori conta com as habilidades atreladas a F.R.A.N.K, como as lâminas acopladas ao hoverboard e a utilização do skate flutuante em questão para causar dano por contusão, o que é especialmente útil contra inimigos protegidos por barreiras de energia. Cada um desses dois tipos de dano pode ser infligido através de combos simples e alternância entre os dois botões correspondentes, remetendo à trilogia clássica do God of War.

Para complementar, Gori também adquire a possibilidade de usar um escudo de força, particularmente eficaz contra golpes à distância, e um lançador de foguetes, habilidade adquirida após certo progresso na campanha. Golpes de finalização também podem ser usados contra inimigos zonzos, servindo até para recuperar a energia do gatinho e facilitar o encadeamento de alguns combos.




Adicionalmente, um dos recursos de vital importância em Cuddly Carnage é a barra de energia de F.R.A.N.K, o hoverboard, que pode ser utilizada para acelerar o movimento do bichano ao mesmo tempo em que pode ser revertida em um bônus de potência nos ataques físicos e com as lâminas, o que se torna crucial para a execução de longos combos que rendem maior pontuação e aumento de dano por segundo, acelerando a erradicação de inimigos.

É muito importante ressaltar, entretanto, que Gori: Cuddly Carnage não tem vergonha de ser um hack and slash de verdade. Em uma indústria completamente corrompida pela ideia reducionista de incluir uma barra de fôlego em todo o jogo de ação que produz, Gori prioriza a carnificina. Essa barra de energia do hoverboard até exige um gerenciamento mínimo no que diz respeito à sua utilização, mas  ela se torna irrelevante logo que desbloqueamos os upgrades, já que combos longos fazem com que os inimigos deixem baterias para trás e, por consequência, recarregam tal medidor, o tornando basicamente autossuficiente uma vez que o combo continue. Isso é bacana porque valoriza tanto a habilidade do jogador quanto a execução de combos estilosos e duradouros.




Embora a execução do sistema de combate seja verdadeiramente gratificante, há alguns tropeços em sua execução, como em sua falta de profundidade efetiva e, principalmente, por conta da câmera errante, que por vezes falha em acompanhar o protagonista ou cujos ângulos e posicionamentos criam certas ilusões de óptica que acabam dificultando algumas sequências, especialmente as de plataforma.

Nota-se que o título sabe desse revés e incluiu algumas opções para facilitar o processo, como é o caso do botão que deve ser apertado para estabilizar o gatinho na hora de fazer os grinds, mas não é incomum pousar no lugar errado por conta dessa câmera desregulada que acaba combinando negativamente com a fluidez do movimento do F.R.A.N.K..




Para complementar, o sistema de trava de mira não é exatamente dos melhores e alguns inimigos em específico dão mais trabalho do que deveriam por conta das dificuldades de câmera. Esse é o caso do despertador, que conta com uma forma simples de ser derrotado — usando a pancada do hoverboard para acertar o botão em cima dele — mas acaba se tornando uma tarefa de tentativa e erro por conta do ângulo exato no qual o movimento precisa ser executado para que Gori golpeie no lugar correto. Novamente, o título até tenta facilitar com um quick-time event que faz o jogo entrar em slowmotion para que os inputs sejam feitos, mas acertar a posição correta para desengatilhá-lo é um teste de paciência.

A parte boa é que outros oponentes podem ser derrotados de formas bem mais simples, no geral envolvendo mutações dos unicórnios (como os que disparam gosma ou os berserkers) já que a maior parte deles fica vulnerável diante de um tiro bem disparado do lança-foguetes. Os chefes também são bem bacanas e criativos, tendo o mérito de serem bem intuitivos com relação a seus pontos fracos ou formas de serem derrotados, o que conta com algumas fases distintas para alguns deles em que o padrão de ataque acaba mudando.




A identidade visual de Gori: Cuddly Carnage também é show de bola, trazendo cenários cheios de neon e fases temáticas muito bem marcantes, cada uma a seu modo. Com áreas bem amplas, achei até um desperdício que não haja mais colecionáveis escondidos além das chaves que desbloqueiam salas adicionais na nave e fases adicionais com missões extras, trazendo uma impressão de que todo esse espaço muito bem arquitetado pareça um pouco desperdiçado.

Em vez de disponibilizar quase todas as opções de personalização estética diretamente na loja, algumas outras vestimentas ou skins bem que poderiam estar espalhadas nos próprios estágios de jogo, estimulando um sentimento maior de exploração ao mesmo tempo em que o trabalho executado nos cenários ricos em detalhes seria valorizado. E olha que não são poucas essas opções, visto que o próprio Gori conta com escolhas de pelagem, vestimenta e até mesmo cor dos olhos, enquanto F.R.A.N.K pode mudar a cor da própria placa ou ainda do escudo.




Esses itens de personalização exigem recursos financeiros para serem desbloqueados assim como os upgrades de jogabilidade que aumentam a vida do bichano, a resistência do escudo ou o nível dos ataques. Embora a maior parte dessas melhorias de atributos possam ser adquiridas naturalmente com a recompensa de finalização das fases, os jogadores mais comprometidos com o 100% precisarão rejogar algumas vezes a fim de conseguir comprar todas as opções disponíveis.

De forma não menos importante, o cyberpunk da temática casou muito bem com a identidade visual de uma história em quadrinhos bem executada. Além dos menus com fontes e texturas características de uma HQ, rola também algumas onomatopeias pontuais na tela de combate.




A história que conta a origem da rebelião dos brinquedos, bem como a história por trás de Gori e seus amigos também é explorada a conta-gotas ao longo da campanha e também na forma de gibis narrados. A arte não é exatamente das melhores, mas fica difícil não se apegar ao passado dos outros personagens e do próprio gatinho, incapaz de controlar alguns de seus instintos que fizeram dele um produto com defeito.

Além da câmera, o único outro problema realmente grave tem a ver com a maturidade do software em questão, ao menos na versão de análise recebida. Crashes, bugs gráficos, carregamentos eternos e outros problemas técnicos se mostraram recorrentes em uma frequência bastante incômoda. Está certo que o jogo lança hoje e que um patch de correção de primeiro dia é sempre uma possibilidade, mas aí entra na questão de que, se querem que esse tipo de problema não seja considerado, bastava segurar o envio da versão de teste até que ele fosse resolvido.



Carnificina Felina

Assim como Gori e seus amigos se unem como uma força de resistência contra os brinquedos malignos da Armada Adorável, Gori: Cuddly Carnage é um dos bastiões resilientes do hack and slash com sua jogabilidade mais tradicional que preza pela execução estilosa de seus combos e valoriza a carnificina em detrimento dos rolamentos tronchos e ações supostamente calculadas pela limitação imposta por uma barra de fôlego, tão característicos dessa abordagem moderna e limitante para jogos de ação da indústria moderna. É um verdadeiro respiro de um gênero em extinção capitaneado por um produto muito cativante e que sabe muito bem a que veio.

Prós

  • Jogabilidade hack and slash clássica e bem-executada, mesmo que carente de profundidade;
  • Criatividade na premissa e história envolvente, mesmo que um pouco previsível;
  • Ambientação e design das fases concebidos com bastante zelo;
  • Consistência geral do game como produto.

Contras

  • Sistema de câmera cria algumas ilusões de ótica que dificultam o controle do hoverboard;
  • Algumas das fases contam com espaços abertos que poderiam ser bem melhor aproveitados;
  • A versão de análise não estava em um estágio de muita maturidade, sofrendo de crashes e travamentos recorrentes.
Gori Cuddly Carnage — PC/PS4/PS5/XBO/XSX/Switch — Nota: 7.0
Versão utilizada para análise: PS5
Revisão: Juliana Piombo dos Santos
Análise produzida com cópia digital cedida pela Wired Productions

É jornalista formado pelo Mackenzie e pós-graduado em teoria da comunicação (como se isso significasse alguma coisa) pela Cásper Líbero. Tem um blog particular onde escreve um monte de groselha e também é autor de Comunicação Eletrônica, (mais um) livro que aborda história dos games, mas sob a perspectiva da cultura e da comunicação.
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