Associando uma ideia bem similar, mas com um enredo pra lá de sombrio (em um bom sentido), o estúdio neerlandês Extra Nice desenvolveu o curioso game SCHiM. O título consiste em poder caminhar e saltar pelos extensos cenários de uma grande cidade pisando apenas sobre as sombras que as pessoas, os animais e os objetos projetam no chão.
Apresentando um interessante estilo de gameplay, associado a uma direção de arte minimalista e curiosa, SCHiM acaba nos convidando a mergulhar literalmente nas sombras para reencontrar o equilíbrio perdido por um jovem.
Caminhando pelas sombras
Se existe algo que nos acompanha desde o início de nossas vidas é a nossa sombra. Reflexo de nossa existência, basta estarmos expostos a um foco de luz que ela surge, criando um contraste entre a imagem do que aparentamos ser e aquilo que, embora não apareça sempre, também faz parte de nós e não pode ser ignorado.
No universo do game, um schim (palavra que, em neerlandês, também significa sombra) é uma criatura que representa a alma e o espírito de um ser vivo ou de um objeto. Todos têm um schim ligado a si desde sempre, e essa ligação não deveria ser quebrada sob nenhuma circunstância.
No game, controlamos um schim que acompanha seu humano desde a infância, passando por momentos bons e ruins de sua vida, até que o inesperado acontece: uma sequência de situações terríveis acaba causando a ruptura da ligação entre os dois.
Nossa tarefa, agora, é ajudar o protagonista a reencontrar seu parceiro, tendo que, para isso, percorrer diversos cenários de uma grande cidade, mas com um porém: por se tratar de um ser umbrífero, somente podemos transitar pelos ambientes saltando de sombra em sombra, e é aqui que o game brilha de fato (com o perdão do trocadilho).
Relembrando Frogger
As mecânicas de jogo de SCHiM baseiam-se majoritariamente em duas ações principais: saltar por entre as sombras dos objetos e interagir com os elementos do cenário. No início do game são apresentados os principais comandos de uma forma simples, para que o jogador possa se acostumar com os controles sem maiores problemas.
As missões de cada fase normalmente envolvem sair de um ponto A do cenário buscando chegar a um ponto B. Parece tudo bem simples, mas conforme vamos avançando no game, é exigido do jogador cada vez mais destreza nos saltos e curiosidade para, interagindo com os objetos, formar sombras em diferentes formatos pelo caminho.
Seja aproveitando a trajetória de NPCs que estejam transitando pelo cenário, se esgueirando pelas finas sombras projetadas por cercas e fios de alta tensão ou mesmo induzindo a formação de novas sombras pela interação com objetos (como ao acender os faróis de um carro), são inúmeras as possibilidades oferecidas, fazendo com que haja um aumento gradual e constante na dificuldade apresentada.
Em diversos momentos, ao jogar SCHiM, acabei relembrando a gameplay de Frogger (1981), clássico dos arcades em que guiamos um simpático sapinho de uma extremidade a outra do cenário. É nítida a inspiração, até mesmo ao notar que o formato de um schim durante um salto lembra bastante um sapo.
Não há penalizações no jogo: caso o jogador erre um salto, o schim voltará para o último checkpoint da fase em questão, representado pelas sombras que apresentam contorno serrilhado.
Também são propostas ao jogador pequenas missões opcionais em cada estágio, representadas por um símbolo no canto inferior esquerdo da tela de pause. Essas atividades consistem em localizar um objeto perdido pelo cenário; ao ser restaurado, o achado acaba servindo de lar para outro schim que, assim como o protagonista, perdeu o contato com sua origem.
Essa foi uma forma interessante dos desenvolvedores adicionarem coletáveis ao game, estendendo sua vida útil para os jogadores ávidos por conquistas ou movidos pela curiosidade.
Há a presença de uma quantidade considerável de fases dentro do game (mais de 60). Em alguns momentos, as tarefas propostas aparentam ser repetições das anteriores, o que pode causar certo cansaço, sobretudo se o jogador for tentar concluir toda a campanha de uma só vez.
Porém, jogando-se “na dosagem correta”, os desafios apresentados são bem divertidos de serem encarados, sobretudo nas últimas fases do game, com o crescente uso criativo dos elementos do cenário para realização de deslocamento e formação de novas sombras.
Exploração em estilo simplista
Não há como não notar a beleza dos cenários construídos para o título. Utilizando-se de uma direção de arte minimalista, cada fase do game é composta por inúmeros elementos tridimensionais apresentados de forma abstrata, com pouquíssimas cores em cada cena, fazendo parecer que todo o cenário foi desenhado à mão.
Em alguns momentos, gamers mais nostálgicos (como eu) acabam se sentindo como se estivessem jogando um clássico do primeiro Game Boy, sobretudo nas fases em tons de verde, como era a tela do antigo portátil da Nintendo.
O próprio enredo do jogo é apresentado também de forma minimalista: sem o uso de palavras, fica a cargo das ações realizadas e dos tons de cores de cada fase a tarefa de contar as conquistas e dores que o desafortunado jovem “desassombrado” passou pela vida.
Embora seja representado um ambiente tridimensional, em SCHiM podemos alternar apenas entre quatro ângulos fixos de câmera para cada cenário, rotacionando-o em 90 graus. Não se trata de uma limitação arbitrária, porém: em determinados momentos da jogatina, essa funcionalidade nos auxiliará não apenas a enxergar melhor o caminho a percorrer, mas também a passar por determinados obstáculos.
Por falar em auxílio visual, a escolha de arte baseada em contraste que os desenvolvedores realizaram facilita e muito a vida de jogadores com necessidades específicas de adaptação visual para daltonismo, por exemplo. Além disso, existem opções nos menus do game para ajustar a espessura das linhas de contorno dos objetos.
Coração holandês, tempero brasileiro
Todo o ambiente elaborado em SCHiM apresenta fortes inspiração em localidades europeias da vida real, em especial da Holanda, terra natal dos desenvolvedores. A representação de cenários, objetos e hábitos, como o uso maciço de bicicletas como meio de transporte, foi elaborada com base em fotografias de cidades e de elementos reais da região.
Até mesmo detalhes pequenos, como os tons de cor utilizados no transporte público ou as diferentes variações dos sons das sinetas das bicicletas, denotam as raízes legitimamente neerlandesas do título.
Em entrevista, o desenvolvedor Ewoud van der Werf contou que a equipe de criação de SCHiM utilizou como base fotografias de ruas, de edifícios e de objetos locais como base para modelar os objetos, além do apoio do estúdio brasileiro Moonsailor para elaborar trilhas e efeitos sonoros convidativos à exploração.
Embora os ambientes lembram muito uma versão abstrata de cidades dos Países Baixos, no quesito sonoridade temos a presença de um bom tempero brazuca na mistura. E, por falar em localidades geográficas, o título apresenta localização para mais de 30 idiomas diferentes, incluindo o português brasileiro.
Entre o relaxamento e a frustração
O ritmo proposto pelo título acaba sendo interessante tanto para quem gosta de encarar um bom adventure com elementos de puzzle quanto para quem quer apenas relaxar e explorar os cenários.
O minimalismo da interface de jogo acaba colaborando com um senso de imersão e de relaxamento, convidando o gamer a sair pulando por entre as sombras. Inclusive, a meta a ser alcançada para se avançar na fase é apresentada apenas ao se apertar um botão em específico do gamepad.
Porém, em alguns momentos, o jogador pode se sentir um pouco perdido em relação ao que deve fazer para avançar, sobretudo quando não há essa funcionalidade disponível. Senti isso notavelmente em uma fase que se passa dentro de um mercado, em que precisei percorrer diversos corredores até entender o que era necessário fazer para, de fato, avançar para a próxima etapa, levando consigo uns bons 25 minutos.
Mesmo assim, é uma experiência que vale a pena ser contemplada, principalmente pela diversão que as mecânicas do jogo conseguem nos proporcionar. De certa forma, SCHiM consegue nos transportar para uma época em que o simples ato de pular sobre ladrilhos, linhas e sombras no chão se transformava em épicas aventuras no fértil mundo da imaginação de uma criança.
Prós
- Artes gráficas abstratas muito belas e impactantes, além de ambientação sonora relaxante;
- Grande ênfase dada às mecânicas de jogo, que são simples e bem fáceis de se assimilar, garantindo diversão constante;
- Crescimento gradual da dificuldade dos desafios, envolvendo usos criativos dos elementos em cena;
- A possibilidade de se coletar elementos pelo cenário acaba aumentando o fator replay do game;
- Pelo conjunto oferecido, é nítido que se trata de um game criado com muito esmero pelos seus desenvolvedores.
Contras
- Objetivos de alguns estágios são muito semelhantes entre si, podendo cansar o gamer em longas sessões de jogatina;
- Em determinadas fases o minimalismo em excesso pode frustrar o jogador, que ficará perambulando até descobrir como avançar na aventura.
Revisão: Juliana Paiva Zapparoli
Fonte da entrevista: SIFTER
Análise realizada com cópia digital cedida pela Extra Nice