Retrospectiva: 30 anos de The King of Fighters (Parte 1) — O início da saga Orochi

O crossover que mudou para sempre a história da rainha dos jogos de luta comemora 30 anos em 2024.

em 27/07/2024
A SNK é uma das empresas de maior referência nos jogos de luta. Após o lançamento de Fatal Fury em 1991 e a explosão do gênero causada por Street Fighter II, a empresa de Osaka contribuiu de diversas formas para os jogos de luta, criando um legado que a definiu nos anos 1990 — mesmo sendo uma empresa dos anos 1980.


Em 1994, foi lançado o primeiro The King of Fighters com a inovadora ideia até então de juntar os personagens da SNK em embates por equipe e, o que começou como uma comemoração, foi além das expectativas. Vamos relembrar esses 30 anos da franquia que mudou para sempre a história da empresa.
Confira as outras partes:
Parte 1 | Parte 2 | Parte 3 | Parte 4 | Parte 5 Parte 6

Pancadaria em dose tripla

O planejamento do que viria a ser o primeiro The King of Fighters (KOF) começou em 1993. No entanto, em vez de ser um jogo de luta 1 contra 1, a ideia era criar um beat 'em up com personagens de Fatal Fury e Art of Fighting em Southtown. Embora o projeto tenha sido descartado, a ideia de unir as duas franquias interessou à SNK, que aprovou a produção de um jogo de luta.

Com o tempo, a variedade de personagens para o crossover expandiu-se além das franquias de Terry Bogard e Ryo Sakazaki, incluindo figuras de Ikari Warriors e Psycho Soldier, títulos dos anos 1980. Além disso, novos lutadores foram adicionados para atrair diferentes audiências.

O desenvolvimento do sistema de combate priorizou a combinação de elementos explorados anteriormente. Assim, o sistema de luta incorporou adaptações, como a barra de especial carregável de Art of Fighting para os Desperation Moves (os supers), e a mecânica de desvio, uma versão simplificada da troca de planos de Fatal Fury, além de estabelecer a base de quatro botões de ataque.

A característica que define The King of Fighters é o resquício das ideias do beat 'em up. Em vez de adotar o estilo 1v1, o esquema de lutas é 3v3, com equipes fechadas. O trio que derrotar todos os oponentes vence, resultando em batalhas mais diversificadas e longas devido à estrutura. Os times eram divididos por países e, na primeira entrada da série, não podiam ser editados.



Além disso, a SNK foi além de um simples crossover de suas franquias conhecidas e adicionou novos personagens à mistura. Times que precisavam ser completados receberam novos lutadores, como Chin para o time de Athena e Kensou, e Heidern para os Ikari Ralf e Clark. Além disso, novos personagens foram criados do zero, incluindo o protagonista Kyo Kusanagi, formando o time do Japão com Benimaru Nikaido e Goro Daimon.

Terry, Andy e Joe formaram o time dos lobos famintos, enquanto os guerreiros kyokugenryu Ryo, Robert e Takuma formaram o time favorito para qualquer fã de personagens shoto. Para dar um ar feminino ao elenco, King e Yuri, ambas de Art of Fighting, se juntaram a Mai Shiranui para formar o time feminino, que se tornou praticamente obrigatório em todo KOF.  Por fim, o time para representar os EUA estreou três personagens baseados em esportes: Heavy D1, o boxeador; Lucky Glauber, jogador de basquete; e Brian Battler, simbolizando o futebol americano.

E, claro, a estrela antagonista Rugal Bernstein. De acordo com relatos do time de desenvolvimento, ele foi criado para ser a maior ameaça nos jogos de luta, e os conceitos iniciais incluíam a habilidade de copiar golpes dos adversários, o que não foi implementado devido a limitações técnicas. Imediatamente se tornou mais uma figura carimbada do vasto elenco de caras maus da SNK, voltando dos mortos tanto canonicamente quanto nas edições festivas. 

O sucesso de KOF '94 foi imediato e superou as expectativas da SNK. Essa fórmula acidental se tornou o carro-chefe da empresa nos anos seguintes.

O início da Saga Orochi

A luz verde para a produção de KOF ‘95 foi dada sem grande cerimônia, e essa edição veio para polir os trabalhos do ano anterior em jogabilidade. Contudo, a responsabilidade do segundo jogo foi de iniciar o primeiro arco narrativo da série: a saga Orochi. Além de dar ainda mais destaque para Kyo, Iori Yagami foi introduzido para ser seu antagonista direto e imediatamente se tornou um dos rostos reconhecíveis da SNK. O design descolado aliado à personalidade violenta eram bem diferentes do padrão, caindo no gosto do público instantaneamente.

Todos os sistemas de ‘94 retornaram, mas houve uma mudança um tanto curiosa no escalonamento de dano. Tudo em KOF ‘95 parecia machucar bem mais, e combos simples de quatro acertos poderiam ser o suficiente para atordoar o oponente, abrindo brecha para mais uma combinação de finalização. A dificuldade da CPU no modo arcade também foi notável, sendo um dos jogos de fliperama com maior fama de “papa ficha” lançados. 

Em níveis competitivos, no entanto, acabou sendo ainda melhor por conta de um detalhe que mudou tudo: a possibilidade de editar times. Nada de trios fixos aqui, então era possível montar a equipe dos sonhos e partir para a porradaria. Isso acabou se tornando outro chamariz para The King of Fighters, que o diferenciava de tudo até então.

Outra mudança foi no tom do jogo, que acabou sendo reflexo da história. Os cenários, antes mais festivos, eram mais contemplativos e conceituais e, na minha opinião, mais bonitos. O templo kyokugenryu que começava num elevador, o bar de King com uma arquitetura inglesa belíssima e o ferro-velho abandonado que servia de palco para o time de Iori eram pedaços que fazem parte do legado de belos cenários que os futuros títulos continuariam a ter. 

Rugal retorna como anfitrião do torneio em KOF ‘95, retornando de sua suposta morte após tentar levar todos com seu porta-aviões em ‘94. Contudo, ele veio com uma aparência mais abatida, com pele acinzentada, cabelos brancos, um enorme símbolo de ômega nas costas e um poder maior, além de ter feito lavagem cerebral no pai de Kyo, Saisyu — supostamente morto no torneio passado — que se voltou contra o próprio filho.

Apesar da dura batalha, o time japonês conseguiu tirar o patriarca Kusanagi do transe, mas teve trabalho para derrotar Omega Rugal. Tanto trabalho, que o próprio vilão acabou “se explodindo” com tanto poder misteriosamente, acima do que seu corpo humano suportava. Com um desfecho tão inesperado, tudo que tinham na época vinha das palavras de Iori: apenas aqueles que tinham a linhagem de sangue de Orochi poderiam suportar tal poder.

Esclarecendo uma mitologia, dando uma nova cara para a série

Com o sucesso ainda maior em 1995, a SNK concentrou seus esforços em criar um The King of Fighters (KOF) completamente inédito. The King of Fighters '96 recebeu uma aceleração na jogabilidade com a adição da esquiva no lugar do desvio parado, pulos curtos e rápidos, e a corrida em vez dos pulinhos para frente. Tudo isso, aliado a um maior foco em combos, deu uma cara especial à franquia.

Os personagens passaram por grandes mudanças para se adaptarem aos novos sistemas. Vários lutadores perderam seus projéteis, como Ryo, Yuri e Andy, enquanto Kyo teve uma completa reformulação em seu leque de ataques. Outra adição foi a implementação dos Super Desperation Moves, ativados quando a barra estava cheia e a vida estava abaixo de 25%.

O elenco também sofreu grandes mudanças para dar lugar às novas gerações. Heidern passou a tocha para sua filha adotiva, Leona, enquanto Takuma se aposentou para abrir vaga para Yuri se juntar ao seu irmão e ao amante. Sem ela, o time das mulheres teve espaço para Kasumi Todoh, personagem de Art of Fighting 3, lançado no mesmo ano. Iori deu uma surra em seus companheiros de time em '95 sem motivo aparente e se juntou a Mature e Vice, duas misteriosas secretárias de Rugal.

E, claro, o trio mais badalado para os fãs da SNK que adoram chefes roubados: Geese Howard e Wolfgang Krauser, os obstáculos finais de Fatal Fury 1 e 2, e Mr. Big, o vilão principal do primeiro Art of Fighting. Um trio que nunca mais se repetiu canonicamente e que definiu a entrada bombástica da edição de 1996 — mas, claro, eles estão balanceados para não destruir o jogo.

Além disso, um passo maior para a saga foi dado aqui com a estreia do terceiro membro com ligações diretas ao principal antagonista. Trata-se de Chizuru Kagura, a anfitriã do torneio desse ano, que convocou Kyo e Iori para lidar, junto a ela, com a volta de Orochi, resultando numa batalha contra Goenitz, um dos servos da divindade e cabeça por trás de toda a narrativa do poder excessivo de Rugal.

The King of Fighters '96 teve um papel muito importante na identidade visual. Todos os lutadores foram redesenhados com novas animações e golpes, com sprites que passaram a ser reaproveitados por pelo menos quinze anos, sendo melhorados cada vez mais em cada nova edição.

O nascimento do rei

A edição seguinte teve o objetivo de concluir o arco, pegando tudo o que fizeram nos três anos anteriores, tanto em história quanto em jogabilidade, num clímax atemporal. Sobre isso, falaremos na segunda parte desta retrospectiva de The King of Fighters.

Revisão: Beatriz Castro


Estudante de enfermagem de 25 anos, está nesse mundo dos joguinhos desde criança. Fã de games com vibe mais arcade e arqueólogo de velharias, mas não abandona experiências mais atuais. Acompanha a mídia de podcasts, dublagem e ouvinte assíduo de VGM. Pode ser encontrado como @AlecFull e semelhantes por aí.
Este texto não representa a opinião do GameBlast. Somos uma comunidade de gamers aberta às visões e experiências de cada autor. Escrevemos sob a licença Creative Commons BY-SA 3.0 - você pode usar e compartilhar este conteúdo desde que credite o autor e veículo original.