GameBlast — Antes de tudo, para quem não conhece o título, como vocês,
como desenvolvedores, esquecendo o discurso de marketing, descreveriam o
jogo?
Pedro Gabriel: Ele é um farming sim com toda uma influência sulista
na temática do jogo. As principais características que a gente quis trazer à
tona é a pecuária, ao invés da agricultura, que tem muito a ver com os
nossos costumes; a gente também pegou influências de outros jogos além do
farming sim, como um pouco de exploração, um pouco de puzzle. A Epopeia toda
é muito nintendista, a gente gosta muito do feeling de gameplay da Nintendo,
e tem o aspecto mais mágico do jogo, que é o mundo místico, vamos dizer
assim, que está muito baseado na nossa cultura, no folclore sulista e na
literatura, que tomamos como base também. Então isso saiu um combinado,
acaba sendo um jogo com algumas facetas de gameplay, mas formou o universo
do Gaucho and the Grassland.
GameBlast: o Gaucho and the Grassland ainda é um jogo em desenvolvimento, né?
Gabriel: Ele já está em estágio final de desenvolvimento. Estamos
trabalhando em algumas adições finais de conteúdo e polimento.
GameBlast: Sendo bem direto, Porto Alegre é uma cidade bem urbana. Dito
isso, queria entender um pouco do entendimento que vocês têm da questão
tradicional gaúcha que o jogo vai trazer, qual é a relação de vocês com
essa proposta, tanto na parte da pesquisa quanto na parte da vivência em
si.
Gabriel: Obviamente, por estarmos no centro urbano, não temos
contato direto com o que é tradicional do campo, mas sempre vamos ter um
pai, um avô ou um tio que acabamos visitando, alguma referência próxima da
família mesmo que ainda tenha esses costumes muito vivos no lado do
campo.
Ainda assim, o chimarrão, o churrasco, essas questões mais triviais, para
nós, são do dia a dia mesmo. Eu sempre tomo com o meu chimarrãozinho da
manhã, então são vários aspectos culturais que permanecem vivos mesmo no
centro urbano. Aí, a gente consegue, junto de todo o material da pesquisa,
fazer uma integração disso e deixar lúdico, dentro do jogo.
GameBlast: Então era justamente a pergunta seguinte: rolou uma espécie de
laboratório, de botar a mão na massa, ou ficou mais nessa história de
memória afetiva?
Gabriel: Alguns de nós moram mais afastados da cidade, alguns de
nós estamos morando no interior, na serra, e a gente também visita alguns
parentes. Então, perto do time, sempre existe alguma referência que a gente
pode ir lá, passar um tempo, e tentar pegar o feeling da vida do campo, além
do restante que a gente consegue pesquisar com a galera do Centro de
Tradições Gaúchas e com outro pessoal assim.
GameBlast: Eu fui conferir os outros jogos da Epopeia (o Iin e o
Goroons), e dá para ver uma evolução da maturidade do estúdio como
desenvolvedores mesmo, como vocês avaliam essa evolução na hora de
produzir um título com uma cara um pouco mais ousada do que esses
anteriores? Pergunto de maneira ampla, pode ser na questão de processos,
quantidade de gente envolvida, organização do fluxo de trabalho e funções,
etc.
Gabriel: É muito legal a sua pergunta porque sempre tentamos trazer
projetos com boas experiências de jogo. A cada projeto novo, sempre tentamos
dar um passo a frente em algum aspecto, seja para trazer alguma dinâmica
diferente de gameplay, multiplayer local. O feeling do puzzle e o feeling da
Nintendo sempre foram uma base que a gente domina mais por gosto de jogo,
então os primeiros jogos da Epopeia nos deram bastante experiência.
O lançamento da Steam também nos deu muita bagagem para entendermos o que
dava certo e o que dava errado, e a gente quis almejar de, nos próximos
projetos — e o Gaucho já veio com esse planejamento — buscarmos um mercado
mais abrangente, um pouco maior, e até onde conseguimos alcançar dentro das
capacidades do time. Então tivemos que melhorar processos, chamar mais gente
para o time, no intuito de atender às expectativas coletadas nos testes com
a galera. Isso foi um amadurecimento ao longo do próprio crescimento da
empresa.
GameBlast: Quando a gente fala de Gaúcho, a gente acaba naturalmente
trazendo alguma brasilidade para a mesa, né? Mas assim, gaúcho tem aquela
questão de um povo fronteiriço que acaba conversando bastante com o
Uruguai, Argentina e tal. E aí, a gente entende também a questão do
“gaúcho” com o povo brasileiro em si. Então, como vocês enxergam a ideia
do Gaucho quando ele for inserido, de fato, no mercado internacional?
Porque uma coisa é fazer um jogo brasileiro para o público brasileiro, mas
isso acaba restringindo muito o mercado. Dessa forma, como vocês enxergam
o posicionamento do Gaucho internacionalmente?
Gabriel: Desde as primeiras ideias e concepções de jogo, a gente pensou o Gaucho para ser uma internacionalização do Rio Grande do Sul. Não no aspecto relacionado a um público educativo e nada desse tipo, mas deixar algo que é bem vívido para nós, principalmente, interessante em uma segunda camada.
A gente também notou em várias rodadas de negócio, ao longo de nossa
experiência de mercado com a Epopeia, que existia um interesse maior com
novas culturas fora, talvez, do eixo do japonês, do grego, que a gente
gosta, mas que é muito utilizado como referência. Então meio que foi
convergindo. A gente tentou apresentar o Gaucho para sair do estigma de jogo
brasileiro como algo que não tenha qualidade. Assim, eu quero que a pessoa
conheça a cultura porque se divertiu com o jogo e aí vai querer saber mais
depois disso.
GameBlast: Isso já entra na próxima pergunta, porque quando falamos de
jogo brasileiro, há um estigma não só pela qualidade, apenas, mas também a
um nível temático, com aquela pegada de “indígena, Amazônia, etc”. É fora
do eixo.
Gabriel: Todos esses temas e a variedade que existe dentro do próprio
Brasil são relevantes, mas ainda falta virar essa chave no sentido de “como
apresentamos isso para fora?”. Tanto que gaúcho tem outro dialeto sulista
lá, e isso é bastante engraçado porque tem uma conexão com quem é
propriamente lá do Sul, mas, para fora, eles enxergam muito como
minion, no sentido de que é uma voz engraçada, divertida, não sei o
que está rolando, mas eu consigo brincar com aquilo. Então isso gerou uma
identificação por outros meios. E aí, obviamente, à medida que isso vai
internalizando para a experiência do jogador, ele passa a gostar da cultura
em uma nova camada.
GameBlast: Levando em conta essa regionalidade brasileira rural
envolvida, seria o Gaucho uma resposta do Rio Grande do Sul ao sucesso de
Mineirinho Adventures? (risos)
Gabriel: (risos) Sendo bastante honesto contigo, a gente não sabia do
Mineirinho quando começou a trabalhar com o Gaucho, mas eu acho que isso,
assim, é legal, do meu ponto de vista, sem nenhuma brincadeira mesmo, porque
tem espaço para todo mundo. São formas de apresentar as coisas. A gente
obviamente queria fazer algo mais... vamos dizer assim, grandioso, a gente
queria dar um passo nesse sentido, mas acho que a temática do Mineirinho é
um outro perfil.
GameBlast: É, é bem diferente mesmo. Eu pergunto mais na brincadeira
porque a gente olha o jeitão, aquela coisa do chapéu, acaba remetendo.
Gabriel: Exato. E eu acho divertido, porque aquilo lá é um meio da
mesma forma, dentro da proposta dos caras.
GameBlast: Ainda nessa inserção do mercado internacional, trazendo a
nível de gameplay. A gente tem a ideia de farming sim, sabemos o que é um
farming sim no sentido de cultivar a terra, gerenciar recursos, expandir o
território e envolver o ecossistema local, que também é importante. Assim,
como vocês se destacam a nível de jogabilidade? Como vocês conversam com
títulos como
Story of Seasons
ou Stardew Valley tanto quanto se diferenciam deles?
Gabriel: A gente tentou ver o bastante do senso comum da mecânica. O
que é o que se procura num farming sim? Paz, o trato da pecuária, de criar
gado, ovelha, e usar os recursos dessa prática não é realmente muito
utilizado no âmbito do animal. Junto a isso, a gente amarrou pequenas
quests, sidequests, NPCs interessados na parte de construção. Então, assim,
apesar de serem mecânicas comuns de um farming sim, no que se realiza, ele é
diferenciado. A gente deu uma amarrada nesse sentido além da parte de
exploração, desbloquear o mundo, o universo, que vai acontecendo à medida
que avança na história, dá uma outra cara de gameplay, de tempos em
tempos.
Vai ter hora que tu vais estar construindo, hora tu vais coletar recurso,
que vai estar explorando o mapa e fazendo quest. Acho que acaba tendo um
pacing bastante relaxante. A gente teve muito feedback do tipo “gostei
porque vocês fazem desta forma”, “achei diferente de uma forma legal” e o
jogador experimenta coisas diferentes em um mesmo gameplay, sempre de forma
integrativa.
GameBlast: Nessa questão de integração. Dentro dessa ideia de integrar a
ideia de folclore e magia, existe um gênero, especificamente
latino-americano na literatura, o do realismo mágico, no qual até o
Monteiro Lobato se enquadra, de que o mágico é natural dentro do universo
da obra, mas que a gente, de fora, sabe que não é. Vocês considerariam o
trabalho de vocês nessa pegada? Houve um pensamento específico em relação
a isso?
Gabriel: Sim. Uma boa base do folclore que a gente usou vem dos
livros do Simões Lopes Neto [autor de Terra Gaúcha e Lendas do Sul], que têm
o mesmo feeling. Muitos elementos fantásticos que estão lá presentes fazem
parte dos contos de origem do próprio gaúcho. Essa estética do realismo
fantástico é um pouco diferente para o ponto de vista externo, mas também
gera curiosidade. “Isso aqui é místico, mas ao mesmo tempo parece que faz
parte da mesma camada” e acaba sendo um atrativo, atiçando a curiosidade, e
a pessoa vai entendendo depois com o tempo.
GameBlast: Em relação às perguntas mais burocráticas. O PC é a plataforma
certeira por conta da Steam, mas há previsão de chegar em consoles? E
janela de lançamento? Já dá para apostar em alguma?
Gabriel: O Gaucho está em demo, que é mais uma experiência do jogo.
Ela corresponde a uns 20% do produto final. Ele já está em estágio final de
desenvolvimento, estamos trabalhando mais em polimento agora. Aí vamos
começar pela Steam com o lançamento ainda para 2024 e já temos o trabalho de
portabilidade para Nintendo Switch e Xbox em andamento.
Então vai lá na loja, a
demo já está disponível na Steam, coloca o jogo na wishlist e siga a gente nas redes sociais para
acompanhar as informações atualizadas.
GameBlast: Mais algum recado que você queira deixar?
Gabriel: Eu queria colocar que a Epopeia também está na gamescom como
publisher do
Mullet Madjack. Agora a gente está trabalhando em um estágio inicial de publishing, mas
está sendo muito proveitoso e gratificante. Também conseguimos expor o
Mullet lá [no estande da] Nintendo, então aquela criança interna da gente
está pulando de alegria, porque é um sonho realizado.