Resenha

Fallout: série entrega uma história original e caótica que expande universo da franquia

O projeto não é uma adaptação de nenhum jogo específico mas acerta com a fidelidade ao material original.

em 12/07/2024

As adaptações de videogames já tiveram um passado sombrio, com péssimas obras que tentaram explorar o público-alvo entregando um material que chegava a ser desrespeitoso com os fãs e com seus criadores. Porém, nos últimos anos, cada vez mais têm surgido filmes e séries que conseguem agradar tanto o público fiel dos games quanto a grande audiência. Os realizadores perceberam que é preciso entender o material base para se criar algo que seja digno de carregar o nome de uma franquia conhecida.

É exatamente neste cenário no qual a série de Fallout entra, com uma equipe competente formada de profissionais que já jogaram ou tem grande admiração pela série de jogos pós-apocalipticos. A produção conseguiu criar uma história original sem se apoiar em nenhum roteiro prévio, e ainda assim, ser extremamente fiel aos Ermos e suas estranhezas características.

Quando as bombas caem



A história começa com o fim da Guerra Sino-Americana e os bombardeios nucleares de outubro de 2077. Inicialmente, estamos acompanhando o ator Cooper Howard e sua filha em um aniversário infantil quando a civilização que conhecemos chega ao fim.  A cena inicial, com um pouco da normalidade antes do caos, foi uma ótima sacada, principalmente para conectar o público ao personagem de Howard, além de para mostrar o horror nuclear que paira por todo o contexto da franquia. 

Já no futuro, a história acompanha três protagonistas distintos: Lucy, uma habitante do refúgio 33, Maximus, um cadete da Irmandade do Aço e o Necrótico, um caçador de recompensas implacável com muito mistério envolto em seu passado. As histórias dos três personagens se cruzam através de um artifício muito utilizado no cinema: o MacGuffin.




O MacGuffin, usado inicialmente por Albert Hitchcock, é um dispositivo do enredo, na forma de algum objetivo, objeto, ou outro motivador que o protagonista persegue, muitas vezes com pouca ou nenhuma explicação narrativa. Em Fallout ele existe na figura do Dr. Siggi Wilzig, personagem com  algo de especia, o que o torna um alvo nos Ermos e faz com que uma grande corrida comece, seja para protegê-lo ou matá-lo. 

Com objetivos, motivações e visões de mundo conflitantes, os três protagonistas são colocados como peças de tabuleiro nesse grande xadrez pós-nuclear, e é exatamente essa a combinação destoante caótica de elementos  que torna cada episódio uma crescente quando se trata de tensão e loucura, tom habitual dos jogos.

Adaptação e fidelidade



Com o passar dos anos eu mudei muito o meu conceito do que faz uma boa adaptação. É apenas sobre os visuais fiéis? É sobre uma história cem por cento idêntica à do  material original? Cada vez mais eu tenho observado melhor a forma com a qual os realizadores conseguem me contar algo novo, mas que ainda pareça fazer parte daquele universo.

Em The Last of Us da HBO, são exatamente os momentos diferentes, originais e expandidos que fazem a série brilhar, ao invés  das sequências com mesmo enquadramento e falas provenientes dos jogos. Nesse ponto eu gostei muito mais da experiência em Fallout, nada aqui foi feito antes, nenhum personagem tem algo com o qual comparar ou uma cena para se inspirar.




Isso traz uma liberdade imensa para a produção construir seu mundo e deixar a criatividade fluir, porém, sem nunca deixar de lado o tom do material original. Aqui o roteiro usa exatamente das especificidades dos Ermos e seus estranhos habitantes para criar um mundo pós-apocalíptico que seja único na televisão. Onde mais você veria um homem zumbi, com roupas de cowboy, caçando recompensas e lutando contra monstros mutantes e homens trajados de armadura?

Fallout explora mecânicas básicas da gameplay dos jogos com ações extremamente pontuais dentro da série, como um personagem que precisa tomar um Radaway para reduzir seus níveis de radiação, ou outra situação na qual alguém que levou muito dano se cura rapidamente com um Stimpak.

Uma ingênua, um malandro e um cowboy entram em um bar…



Além do texto, boa parte da força dos episódios vem do trio de protagonistas. Os atores Walton Goggins (Necrótico), Ella Purnell (Lucy) e Aaron Moten (Maximus), entregam um trabalho muito competente em criar personas complexas e extremamente interessantes. Por serem tão diferentes, cada vez que eles interagem entre si é um show de performance que abrilhanta ainda mais esse mundo destruído.

O Necrótico aparenta ser um grande vilão, mas ganha nuances a cada episódio que o fazem ser ainda mais humano do que os outros. Lucy tem sua ingenuidade, e no começo transpira frustração, mas vai se tornando  uma figura mais amarga e experiente. Maximus, que tenta tirar vantagem das situações nas quais é colocado, acaba caindo cada vez mais em armadilhas criadas por si próprio.




É interessante como cada um deles também representa estilos de jogadores diferentes dentro da franquia, como o jogador experiente que vai fazer tudo o que for necessário pois sabe com o mundo funciona, aquele novato que está fresco e ainda nem conhece das maldades dos Ermos ou aquele que está no meio da jogatina e já usa de diversas situações para tirar vantagem ao seu favor.

Sim, a série é canônica



A série é canônica considerando os eventos do jogo, ou seja, leva em consideração as histórias dos títulos da linha principal, o que quer dizer que seus eventos irão impactar futuros jogos da franquia. Essa foi uma escolha extremamente arriscada dos produtores, tendo em vista que se a série fosse um fracasso ou mal recebida pelos fãs, isso poderia manchar a linha do tempo dos jogos. Entretanto, não foi isso que aconteceu, a série se tornou a segunda maior estreia da Amazon Prime com mais de 65 milhões de visualizações nas primeiras semanas. 

Como parte do cânon, os roteiristas precisaram ter atenção especial a datas e eventos passados, principalmente pelo fato de que a maioria dos jogos têm finais diferentes, houve um cuidado para não tornar nem um ou outro oficial. Entretanto, alguns erros de data colocaram em xeque a própria existência de Fallout: New Vegas, mas nada que pudesse arruinar completamente a linha do tempo.

No fim da primeira temporada, diversas questões são levantadas para o futuro da série, já que os eventos são grandes o suficiente para impactar todo o futuro da franquia, principalmente em relação ao uso de novas formas de energia e a Vault-Tec e as pessoas por trás dela.

A guerra nunca muda


Fallout é um ótima surpresa para os fãs da franquia, expandindo o universo, apresentando novos personagens e locais, mas ainda se mantendo dentro do cânone sem estragar a linha do tempo. No fim da primeira temporada é possível imaginar que alguns lugares queridos pelos fãs vão fazer sua aparição, o que deixa as expectativas ainda mais altas para o próximo ano. 

Com uma trama bem construída, recheada de ótimos personagens e os momentos de estranheza que tornam essa franquia tão única, a série da Amazon conquista com solidez seu lugar na estante das melhores adaptações de jogos, e felizmente, não acho que ela será a última.

Revisão: Juliana Piombo dos Santos

Redator publicitário em tempo integral e amante de games nas horas vagas. Provavelmente aprendi a segurar um controle mais rápido do que uma mamadeira. Cresci com os maiores clássicos da Big N como Zelda, Mario e Pokémon. Hoje aproveito os pequenos momentos de descanso da vida corrida para me perder em Hyrule, em uma Tóquio pós-apocalíptica ou em um mundo de encanadores e cogumelos.
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