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Análise: SPY x ANYA: Operation Memories oferece fofura em troca da paciência do jogador

Título baseado na obra de Tatsuya Endo é conceitualmente certeiro, mas talvez a obra seja uma dessas que não nasceram para se tornar um videogame.

em 16/07/2024


Em um mundo em que duas nações ficcionais estão em guerra fria, um agente secreto, Twilight, precisa arranjar alguma forma de ter um encontro cara a cara com um chefe de estado importante no intuito de conseguir algumas informações. Para isso, ele vislumbra uma oportunidade de se aproximar dele a partir das obrigações paternais com os filhos, o que o leva a organizar a Operação Strix, que consiste em montar uma família falsa e se infiltrar no dia a dia da escola dos rebentos do sujeito. É assim, que ele acaba arranjando uma esposa com a qual se casa por conveniência, Yor, e uma filha adotiva, Anya em uma dinâmica familiar que pauta SPY x ANYA: Operation Memories.


Por acaso, Yor é uma assassina profissional, enquanto Anya é uma órfã que, no passado, foi submetida a uma série de experimentos que rendeu a ela poderes telepáticos. A grande sacada de SPY × FAMILY, então, é como os três escondem suas verdadeiras habilidades uns dos outros e atuam continuamente no intuito de manter as aparências. Apesar desse caminho pavimentado para uma atmosfera de paranoia, não espere uma trama como The Americans ou Sr. & Sra. Smith, mas uma aventura com um clima bastante leve e bem bonitinho, algo que o primeiro jogo da franquia conseguiu reproduzir muito bem.



Vivendo o dia a dia de uma garotinha telepata de cinco anos

Considerando que um dos pontos centrais da Operação Strix é que Anya tenha que ir bem na escola para que a missão continue a progredir, muito do bruto do enredo de SPY × FAMILY acaba centrando em situações bastante cotidianas em que a garota, que não é exatamente um poço de talento precoce e carece de dons acadêmicos, precisa se relacionar com os amiguinhos e lidar com vários dos problemas do cotidiano de uma garotinha normal.

É nessa premissa que se sustenta o enredo básico de SPY x ANYA: Operation Memorie: trata-se daquele momento em que toda criança precisa registrar tudo o que aconteceu com ela em um diário. Assim, para que Anya consiga seus méritos para ajudar Twilight em sua longa missão, a família adquire o hábito de, em todo fim de semana, fazer um passeio especial para que os seus registros sejam suficientemente interessantes para manter a missão nos trilhos.




Desse modo, a estrutura de gameplay é cíclica. No controle de Anya, cabe ao jogador frequentar a escola durante alguns dias para, no fim de semana, ir a algum passeio especial durante o qual será possível interagir com os familiares e construir novas memórias. Tais memórias serão registradas na forma de fotografias tiradas pelo jogador e que cuja pontuação aumentará caso o ângulo, o foco e o momentum certo do acontecimento estejam corretos. O registro das memórias no álbum desbloqueará alguns minigames e renderão pontos que deverão ser usados para jogá-los.

Nota-se que tais memórias não são restritas apenas ao final de semana. Enquanto os passeios podem render três situações distintas, um dia comum na vida dos Forger é capaz de render um registro desses na escola e outro em casa. À noite, os minijogos podem ser aproveitados da mesma forma enquanto houver pontuação suficiente para tal, ou em um "modo treino", sem render recompensa alguma.




O que mais chama atenção em SPY x ANYA é que ele é um título bem simples e tranquilo de se jogar, com uma estrutura cíclica de jogabilidade e de passagem de tempo que remete a um farming sim, por exemplo, em que é necessário esperar os dias certos para fazer com que a história progrida. O desenrolar da campanha em si é atrelado a essa ideia da passagem do tempo, algo inerente a um Story of Seasons ou Stardew Valley. Há um quê de Animal Crossing também.

Pontualmente, também é possível melhorar a relação de Anya ao se comunicar com os outros personagens presentes nos cenários, o que vai render também o desenvolvimento de linhas narrativas próprias envolvendo cada um deles. 




Ou seja, de um modo geral, SPY x ANYA: Operation Memories conta com um ritmo bastante pacato. Julga-se até que ele tenha sido concebido para o público infantil ou casual em mente, essa galera que não tem o costume de jogar tão rotineiramente, mas que ainda assim se diverte com determinados títulos que podem ser usufruídos no próprio ritmo.

Nesse aspecto, ele difere um pouco de Sand Land, uma vez que a aventura baseada na IP de Akira Toriyama, por sua vez, traz consigo um desafio inerente que é adequado para crianças, mas serve para habituar futuros novos jogadores mais hardcores. 




Operation Memories, por outro lado, consiste mais em um produto para os pais que não têm o hábito propriamente dito jogarem com seus filhos. Isso se reflete na facilidade em que as conquistas são desbloqueadas, já que elas recompensam o tempo investido em vez da habilidade técnica dos jogadores. É bem fácil platinar o game, basta ir jogando-o até os 100%, o que não é nenhuma tarefa homérica.

Talvez, o que tenha faltado aí em Operation Memories é uma possibilidade de acelerar a progressão do ciclo básico de jogabilidade, tendo em vista que realizar apenas uma ação por dia acaba estendendo a campanha um pouco mais do que deveria.



Quantidade nem sempre é qualidade

Em relação aos minigames em si, eles são diversos e muitos, mas bem 8 ou 80 em sua execução. Mesmo os melhores não são realmente impressionantes, sendo que os piores geralmente são aqueles que mais dependem da paciência do jogador do que qualquer outra coisa, como um desbloqueado logo no começo em que Loid precisa se infiltrar em um museu e coletar informações das pinturas em um modo completamente stealth.

Por outro lado, há alguns bem interessantes, como é o caso de um beat’em up bem basicão, mas ainda assim divertido, em que Yor precisa atravessar as ondas de oponentes, ou o de queimada que reencena um dos episódios em que Anya, Damian (o filho do político que é o alvo da Operação Strix) e Becky (a melhor amiga da garota) precisam participar de uma partida de queimada contra um jogador comicamente grande.




De um modo geral, boa parte desses joguinhos também tentam reproduzir gêneros ou outros títulos famosos, como quando Anya se insere em uma missão imaginária que reproduz a mecânica estilo Pac-Man ou ainda o endless runner que se passa em um sonho da protagonista com Bond, o cachorro da família (e que é capaz de prever o futuro). 

Quando completados, esses minijogos rendem dinheiro que podem ser revertidos na compra de vestimentas para os personagens e itens que podem ser levados para os passeios e acabam desbloqueando novas possibilidades de eventos-memórias para preencher o álbum. 




Terminar os minigames cumprindo certos requisitos irá render alguns bilhetes que podem ser utilizados em uma mecânica secundária de gacha interno que pode liberar vestimentas adicionais para além daquelas adquiridas na loja regular do título. Embora dependa da sorte e, bem, seja essencialmente um gacha, nota-se que a modalidade segue o tom do resto do game e ainda é bem convidativa e simples de se vencer. 

No todo, nada é complicado, elaborado ou sequer exaustivo, sendo que o cansaço (ou tédio) de jogar só vem por conta da característica inerente da repetição de tarefas ao longo da semana. É até que gostosinho se envolver nas situações, trocar as roupas dos personagens para que elas estejam de acordo com cada novo passeio de fim de semana ou ainda simplesmente passar um tempinho se esbaldando nos minigames. Contudo, é um produto que carece de substância e que cujo progresso só vai depender do humor e da paciência do jogador, que pode decidir investir seu tempo nele ou em algum outro que ofereça um desafio mais elevado e, por consequência, sentimento de recompensa maior.



Fofo, mas só se você já estiver apegado aos personagens

Um dos maiores erros de Spy X Anya é que ele faz um trabalho muito precário na hora de apresentar a premissa — detalhada no começo desta análise — ao jogador. De tal maneira, fica um pouco difícil recomendá-lo como uma porta de entrada na série, algo que boa parte desses produtos licenciados têm como objetivo, uma vez que se voltar apenas para o fã acaba por restringir consideravelmente o público-alvo.

E, assim, não é algo realmente complicado de fazer, visto que SPY X FAMILY CODE: White, o filme que saiu recentemente nos cinemas brasileiros (e que, de um jeito infeliz, parece não ter se dado muito bem na bilheteria), faz com excelentíssima propriedade. Está certo que Operation Memories não foge de ser um episódio jogável e estendido — ele até remete um pouco a uma visual novel de abordagem mais interativa, como AI: The Somnium Files —, então é como se ele estivesse inserido em um contexto anterior de apresentação da série, mas essa carência de luz própria é prejudicial ao produto, no fim das contas.




Chega a ser um pouco triste, até porque tudo está no tom certo, mas muitas das histórias dependem de um entendimento histórico do mangá ou ao menos do anime não pela informação que elas trazem, mas porque já foi feito todo um trabalho de crescimento e apego pelos personagens. Se alguém cai de paraquedas, sem esse envolvimento anterior, dificilmente vai se sentir tocado pelos momentos de fofura e acalento que a escrita de SPY x ANYA tenta provocar em troca do investimento do tempo e da paciência do jogador.

É claro que quando a gente fala a respeito da fofura dos momentos em família, estamos ignorando todo o contexto de produção da obra dentro da política de natalidade promovida pelo ex-primeiro ministro Shinzo Abe, que via nos animes e jogos uma forma de estimular os japoneses construir famílias e ter filhos a fim de aumentar a população do país, mas isso é conversa para outro dia.



Bonitinho, mas, por vezes, errante e longe de ser essencial

SPY x ANYA: Operarion Memories é fofo e muito bem-intencionado. É uma tradução direta e coerente do material original do qual bebe, o que o torna uma boa pedida para os que já eram fãs, mas difícil de considerá-lo essencial, mesmo para esse mesmo grupo. Contudo, a impressão que ele deixa é que SPY x FAMILY, com sua premissa, talvez não seja uma IP que renda um videogame próprio, já que tudo nele parece no lugar, mas ainda carece de algum brilho. De fato, esse tédio que acomete o desenrolar do jogo também se faz presente na narrativa do mangá original, que às vezes se esquece de seguir seu rumo e se foca em alguma história irrelevante e que pouco contribui tanto para a operação Strix quanto para o desenvolvimento individual de seus personagens.

Prós

  • É fofo e reproduz bem todo o sentimento agregado da obra original;
  • Platina relativamente fácil de se alcançar;
  • Acessível e convidativo para audiências não habituadas a jogar videogame;
  • Time de desenvolvimento fez o que pôde ao tentar transformar todo o slice of life da série original em um jogo.

Contras

  • Progresso atrelado à passagem de tempo in-game poderia contar com mais mecanismos para ser acelerado;
  • Os minigames só estão lá para que o título consiga possa ser chamado de jogo;
  • Não expõe o histórico básico da série com muita propriedade, inapto para ser uma porta de entrada para a marca;
  • Talvez a própria premissa de SPY x FAMILY não seja muito adequada para a produção de um videogame.
SPY × ANYA: Operation Memories — PC/PS4/PS5/Switch — Nota: 6.0
Versão utilizada para análise: PlayStation 5 
Revisão: Juliana Paiva Zapparoli
Análise produzida com cópia digital cedida pela Bandai Namco

É jornalista formado pelo Mackenzie e pós-graduado em teoria da comunicação (como se isso significasse alguma coisa) pela Cásper Líbero. Tem um blog particular onde escreve um monte de groselha e também é autor de Comunicação Eletrônica, (mais um) livro que aborda história dos games, mas sob a perspectiva da cultura e da comunicação.
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