Análise: Still Wakes the Deep mostra que uma verdadeira experiência de terror vai além dos sustos

Num cenário catastrófico em meio ao frio congelante do mar da Escócia, um funcionário de uma plataforma petrolífera luta para voltar para sua família.

em 02/08/2024

Fazer uma análise sobre Still Wakes the Deep, o novo título da The Chinese Room, não é apenas ponderar sobre seus erros e acertos, mas também compreender que uma boa experiência de terror e sobrevivência depende muito mais de sua ambientação do que de sua jogabilidade. O jogo é uma jornada narrativa composta por uma intrigante história e por personagens carismáticos dispostos em um cenário desenvolvido no melhor estilo lovecraftiano, provando que o terror psicológico vai muito além das situações comumente chamadas de jumpscare.

Isolados no Mar do Norte

A história de Still Wakes the Deep se passa na Escócia no ano de 1975, mais precisamente no mês de dezembro. É época de Natal, e os funcionários da plataforma petrolífera Oil D aguardam ansiosamente pela festa.

Um deles é Cameron McLeary, ou Caz, como é chamado frequentemente por seus companheiros de trabalho e amigos mais próximos. Ele é um técnico em elétrica que aceitou trabalhar na plataforma após se envolver em uma briga em um bar que, além de o colocar na lista de procurados pela polícia local, também gerou uma crise conjugal.

Em mais um de seus dias de trabalho, Caz acorda em sua cabine e vai até o refeitório para receber o café da manhã. Esse é o primeiro momento para fazer contato com outros personagens e uma oportunidade interessante para conhecer mais sobre a rotina de cada um deles e do local.

Após a breve introdução, Caz é chamado para comparecer ao escritório de seu chefe, onde uma discussão acalorada resulta em sua demissão. Ordenado a deixar a plataforma o mais rápido possível, ele se dirige ao heliporto para voltar para o continente. No entanto, um tremor abala as estruturas da plataforma, provocando um acidente que arremessa Caz ao mar. 


Criando uma experiência de terror

Por si só, o cenário de uma plataforma arrasada em alto mar já seria capaz de preencher a maior parte dos requisitos para um jogo de sobrevivência. Mas, além das diversas situações de risco criadas pelo acidente, fatores climáticos característicos da região também dificultam a jornada de Caz para tentar fugir da estação. A água gelada do mar do norte, a chuva persistente e o vento cortante somam-se aos objetos em chamas, ao aço retorcido e aos demais destroços da explosão.

Por mais que não haja muitos detalhes sobre a origem do acidente, conforme a história progride começam a aparecer mais rastros do que aparenta ser um organismo proveniente da perfuração do solo marítimo. Essa entidade desconhecida se alastra rapidamente pelos corredores e estruturas da plataforma, fundindo-se com corpos de funcionários para transformá-los em mutantes que, apesar de ainda conservarem alguns traços físicos e de memória, passam a agir pelo simples instinto de matar.

O trabalho realizado na ambientação está entre os melhores que encontrei recentemente em jogos deste gênero. Os efeitos de iluminação e a composição dos cenários garantem que nenhum detalhe passe despercebido. Na parte sonora, cada rangido de estrutura, explosão e grito de agonia são ouvidos intensamente. As composições realçam ainda mais o clima de suspense, mas também estão presentes em faixas que dramatizam os momentos após essas sequências, resultando em uma perturbadora trilha sonora.



Sobrevivendo em uma plataforma arrasada

Por sorte, McLeary não está sozinho em sua luta pela vida. Mais alguns dos trabalhadores da plataforma sobreviveram ao acidente e vão cruzar seu caminho ao longo da história. A maioria deles fornecerá informações sobre as funcionalidades dos diversos setores da plataforma para que juntos consigam escapar.

Esse é o ponto da história que mais me desagradou, pois embora sua conclusão seja satisfatória, a maioria das tarefas realizadas resultam no sentimento de que todas suas ações foram feitas em vão. É aquela velha história de ir de um ponto A para um B e, ao chegar lá, descobrir que tem que ir para um ponto C, e assim por diante. 

Felizmente, outros elementos da composição narrativa de Still Wakes the Deep ajudam a superar esse problema. Os personagens são muito bem interpretados, com direito a um sotaque, um palavreado e até a uma pitada de humor sarcástico típicos da região da Escócia. Isso ajuda mais ainda na imersão e faz o jogador se importar com cada um deles.

O fator psicológico também entra em cena conforme as tentativas de Caz para sair da plataforma são frustradas uma após a outra. A inclusão do tema familiar cria um vínculo fundamental que se materializa por meio de lembranças e visões que servem como combustível para alimentar sua luta pela vida.  



Gameplay simples, mas que se adapta bem

Ainda que não haja um sistema de combate em Still Wakes the Deep, sua jogabilidade se adapta bem à proposta do jogo. As interações a serem realizadas são bem simples, como abrir portas, acionar mecanismos e mover objetos. No caso das ações de pulo, a tensão criada por cada situação exige precisão ao realizar os comandos. Em muitos casos, um evento de quicktime deverá ser acionado para se agarrar a uma borda, saltar para uma plataforma ou resistir a um impacto.   

Um dos grandes destaques do jogo é como as mecânicas de física atuam. A sensação de se equilibrar por uma estreita viga com o vento atuando contra é reproduzida fielmente. Nas sessões de mergulho, as reações de Caz à temperatura congelante e seu desespero pela falta de fôlego são agoniantes. Além disso, é perceptível a diferença na velocidade de locomoção pela água em lugares em que o vazamento de óleo a deixou mais viscosa.

Os encontros com inimigos não são muitos, mas concentram alguns dos melhores momentos. Basicamente, eles se resumem a evitar ser visto pelos monstros ou fugir desesperadamente deles. 

Nas ocasiões furtivas, objetos arremessáveis estão espalhados pelo cenário para serem usados como distração. Além disso, há lugares estratégicos, como tubos de ventilação e armários, para servirem de esconderijos. Uma indicação na tela que se assemelha a um efeito de radioatividade servirá como alerta, intensificando-se conforme o inimigo estiver mais próximo. 




Já nas sequências de fuga, qualquer vacilo resultará em morte imediata. Por mais que os pontos de controle sejam bem posicionados, a sensação de tensão criada por estes momentos fazem com que você realmente se esforce para superá-los.

Durante essas sequências, serão exigidas ações de pulo, mudança brusca de direção e acionamento de atalhos. Muitas vezes, esses movimentos que parecem ser simples são intensificados pela urgência do momento, tornando suas reações mais difíceis.

O problema da jogabilidade é que ela deixa de apresentar novidades muito antes do que deveria. Por mais que o tempo necessário para concluir a campanha esteja estimado em apenas seis horas, a sensação de cansaço pela repetição das mecânicas de gameplay já foi percebida por volta da metade disso. 

Durante algumas sequências, notei também que certas mecânicas não estavam respondendo conforme o esperado. Isso aconteceu principalmente em casos em que deveria agarrar em bordas para evitar uma queda ou nas ocasiões de mergulho nas quais o ícone de interação para tomar um impulso não aparecia.



Nas áreas externas a tensão é maior

A campanha de Still Wakes the Deep passa pelos mais diversos setores da estação petrolífera Oil D. Isso inclui ambientes de corredores fechados, salas de controle, alojamentos dos funcionários e áreas externas. Nessa constante mudança de ambientes, encontrei alguns problemas de performance durante as sequências externas em que os efeitos de clima, como chuva e vento, estavam presentes.

Já nas áreas internas tudo fluiu bem em termos de performance, no entanto alguns outros erros foram percebidos. Boa parte deles envolve problemas de colisão, com o personagem ficando preso em elementos do cenário. Também houve uma ocasião em que o áudio ficou extremamente baixo, mas esse erro foi facilmente solucionado ao reiniciar o aplicativo.



Superação das dificuldades e o amor pela vida

Still Wakes the Deep encontrou o equilíbrio entre sua gameplay simples e uma excelente ambientação de terror e sobrevivência. A jornada de Caz Mcleary não é apenas uma história sobre superação, mas também sobre amor, contada por meio de uma das melhores experiências narrativas de terror psicológico lançadas recentemente.

Prós:

  • Ambientação combina diferentes elementos para criar uma imersiva experiência de terror e sobrevivência;
  • História e personagens cativantes prendem o jogador até a conclusão;
  • Trilha e efeitos sonoros reforçam a excelente ambientação em cada situação apresentada.

Contras:

  • Gameplay deixa de apresentar novidades por volta da metade do jogo;
  • Encontros com inimigos são escassos;
  • Alguns comandos para se agarrar nas bordas nem sempre respondem bem.
Still Wakes the Deep — PC/PS5/XSX — Nota: 8.0
Versão utilizada para análise: PC
Revisão: Juliana Paiva Zapparoli
Análise produzida com cópia adquirida pelo redator em serviço de assinatura

Formado em Engenharia Civil, começou a estudar Jornalismo pelo simples prazer de escrever sobre o que gosta. Seu maior desafio é lutar constantemente contra um backlog de jogos que parece não ter fim.
Este texto não representa a opinião do GameBlast. Somos uma comunidade de gamers aberta às visões e experiências de cada autor. Escrevemos sob a licença Creative Commons BY-SA 3.0 - você pode usar e compartilhar este conteúdo desde que credite o autor e veículo original.