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Análise: Flintlock: The Siege of Dawn é um soulslite explosivo que se perde em algumas ideias

Enfrente deuses e outras ameaças para trazer a paz de volta para as terras de Kian.

em 17/07/2024

Em um cenário atual no qual muitos RPGs de ação são rotulados como soulslike, a desenvolvedora A44 Games não hesita ao definir seu novo título, Flintlock: The Siege of Dawn, como um soulslite.


Essa não é a primeira vez que a empresa neozelandesa se inspira na fórmula da FromSoftware. Seu primeiro jogo, Ashen, é até hoje lembrado como uma das melhores produções independentes do sub-gênero de RPGs de ação. 

Mas, enquanto Ashen claramente tentava replicar o estilo de Dark Souls, Flintlock: The Siege of Dawn prefere seguir seu próprio rumo, abrindo mão de alguns conceitos básicos da fórmula para priorizar um combate ágil, menos punitivo e repleto de alternativas de movimentação. 

A vingança contra os deuses

Flintlock: The Siege of Dawn conta a história de Nor Vanek, uma Sapadora que luta em trincheiras pelo exército da Coalizão para livrar o mundo da presença e ameaça do exército dos mortos. 

Durante uma expedição para fechar a passagem de acesso para o Mundo Inferior, um acidente faz com que a barreira se rompa, ocasionando a invasão de Deuses que trazem consigo uma legião de mortos-vivos e deixando Kian em um estado de completo caos.

Após seu grupo travar uma batalha intensa contra um desses invasores, Nor cai desacordada e vai parar em uma caverna onde é encontrada por Enki. Esse deus que se assemelha a uma raposa possui habilidades mágicas e é obcecado por vingança contra os outros deuses. Unidos por um propósito comum, os dois partem em uma campanha contra hordas de zumbis e monstros, na esperança de restabelecer a ordem e expulsar os invasores de volta para o Mundo Inferior.



Tiro, machado e bomba

O foco de Flintlock: The Siege of Dawn sem dúvidas está na ação. Para isso, Nor tem a sua disposição um bom arsenal de armas de combate corpo a corpo, pistolas, bombas e outras ferramentas explosivas.

As armas primárias se dividem entre machadinhas, martelos e outras poucas variações de lâminas. As armas cortantes são úteis para causar dano direto aos inimigos, ao passo que as armas de impacto são mais efetivas para quebrar suas armaduras e escudos. 

As armas secundárias, em sua maioria, são pistolas de curto alcance. Com elas é possível executar ataques rápidos para finalizar os inimigos ou também interromper seus ataques indefensáveis. Outra utilidade dessas armas é explodir barris de pólvora espalhados pelos cenários para facilitar a eliminação de alguns grupos de inimigos e também abrir caminhos secretos.




Há ainda as armas consideradas longas, que possuem alternativas desde um rifle de longo alcance, passando por um lança-chamas e até uma espécie de morteiro. Tanto essas armas quanto as pistolas dependem de uma reserva de pólvora que pode ser gerada através de habilidades desbloqueáveis ou ao acertar os inimigos com as armas primárias.

Para finalizar as opções explosivas de combate, as granadas estão distribuídas entre fragmentação, choque e fogo. As granadas de choque auxiliam na quebra de armaduras, enquanto as outras infligem dano de impacto e através do tempo.

Além das armas e artefatos, outro componente do combate é o próprio companheiro de Nor. Enki tem diversas habilidades mágicas e passivas que ajudam a remover armaduras, além de concederem outras vantagens como distrair inimigos ou retornar uma porção de vida a Nor. As maldições de Enki podem ser melhoradas com um cristal para aplicar alguns status nos inimigos, reduzindo seu poder de ataque ou até causando dano de envenenamento.

Enki também possui um medidor que, quando totalmente preenchido, permite acionar um poder mágico em área capaz de eliminar os inimigos em frações de segundos ou imobilizá-los.



Uma movimentação ágil e vertical

Outra característica importante está na movimentação de Nor e na maneira como os mapas foram concebidos. Nesse caso, o jogo pode ser até definido como de ação com elementos de plataforma, saindo um pouco das características de um típico soulslike.

A ausência de uma barra de estamina facilita a atacar os inimigos e desviar de seus golpes. Além disso, inimigos que estiverem em locais elevados poderão ser alcançados mais rapidamente por conta da velocidade dos movimentos de Nor. Acionar o comando de corrida é mais prático que na maioria dos jogos souls e a inclusão de um sistema de pulo duplo facilita no seu deslocamento pelos cenários. 

A exploração também favorece os que pensam verticalmente, pois itens ficam posicionados em áreas elevadas do mapa. O design das duas áreas principais funciona como um mundo semi-aberto. É possível explorar os diversos locais através de pontos de viagem rápida, que são desbloqueados ao avançar na missão principal ou ao liberar vilarejos e acampamentos.

Em alguns dos vilarejos libertados haverá uma cafeteria disponível para comprar itens cosméticos e ouvir rumores que levarão a missões secundárias. Ao acessar cada cafeteria pela primeira vez um pote adicional de cura será acrescentado ao inventário.




Uma outra forma de explorar o mapa é localizando pontos de fenda de Enki. Eles são revelados ao interagir com caveiras muitas vezes localizadas em lugares estratégicos dos mapas. As fendas servem para acessar lugares secretos, e também são usadas para criar atalhos para retornar ao ponto de controle e se locomover mais rapidamente pelas áreas.

Os ambientes variam entre montanhas, uma área portuária, assentamentos, cidades, minas e cavernas. Ao todo são três mapas, com o último funcionando de maneira mais linear. Ao longo das vinte horas para concluir a campanha e as atividades secundárias, a ambientação pode se tornar repetitiva. Mas as alternativas de exploração aliviam um pouco esse sentimento.

O que mais me incomodou na movimentação é que algumas mecânicas não respondem bem. É o caso de quando for necessário agarrar em bordas e a personagem simplesmente não conseguir realizar a ação como planejada, resultando em quedas involuntárias.





Encontrando materiais e evoluindo a personagem

Não há um sistema de nível em Flintlock: The Siege of Dawn. Tudo é baseado nas armas e itens que encontrar e em como decidir gastar os pontos de reputação para adquirir melhorias. A reputação é conseguida ao eliminar inimigos, encontrada em corpos nos cenários ou até jogando um minigame chamado Sebo.

Uma função de combate permite acumular multiplicadores para aumentar a reputação ganha, conforme se acerta consequentemente o inimigo. Esse multiplicador se torna maior de acordo com a variação de ataques e ações realizadas. Ao sofrer dano dos inimigos ou de queda, o bônus é zerado, mas a reputação não é perdida. Essa é uma maneira interessante de premiar quem explorar todas as alternativas de combate e for mais efetivo ao defletir os golpes inimigos. 

Com a reputação é possível adquirir itens cosméticos, evoluir armas e elmos no acampamento — desde que tenha os materiais necessários — e também desbloquear novas habilidades da árvore de personagem. 




O jogo também conta com um sistema de armaduras que é dividido entre manoplas, ombreiras e elmos. Não há uma grande variedade destes itens, mas quem optar por equipar peças do mesmo conjunto receberá um bônus de sinergia que, em muitos casos, é bem interessante.

A árvore de habilidades não é das maiores, mas está dividida em três grupos. O aço corresponde aos upgrades das armas brancas, a pólvora às armas de fogo e a magia ao poder de Enki. Também é possível adquirir nódulos que fazem a ponte entre duas árvores distintas, facilitando em casos que quiser priorizar um grupo específico, mas sem abrir mão totalmente de outro.

Para evoluir as armas e os elmos, os materiais são escassos e só podem ser encontrados no cenário. Muitas vezes, explorar uma área secreta irá resultar em apenas alguns materiais, causando uma sensação de frustração momentânea. Mas a importância desses itens torna sua busca necessária para quem quiser melhorar o arsenal de combate. Por mais que seja possível vencer o jogo sem realizar muitos upgrades, a forma como esse sistema funciona não é das mais efetivas.










Inimigos e deuses não tão imponentes

Retaliar a ameaça dos deuses. Enfrentar monstros e outros inimigos. A premissa de Flintlock: The Siege of Dawn parece ótima. No entanto, as boas alternativas de combate são contrastadas negativamente por um design de inimigos que abusa da reciclagem e por uma inteligência artificial que deixa a desejar.

A começar pelos inimigos básicos. Há apenas alguns grupos diferentes, inclusive sendo reaproveitados em todos os mapas. Inimigos com armadura tendem a deixar o combate entediante, mesmo que haja alternativas para acelerar o processo de quebra. Além disso, a frequência com que alguns inimigos acionam ataques indefensáveis torna o combate corpo a corpo uma loteria. Por mais que o uso da pistola seja capaz de impedir esses ataques, ainda haverá ocasiões em que a falta de pólvora ou a deficiência nas hit-boxes gerarão uma inconsistência indesejável nesse tipo de jogo.

Ao todo são apenas quatro chefes principais que, além de compartilharem de parte dos problemas dos inimigos normais, também não oferecem desafios. Isso até poderia ser amenizado ao alterar a dificuldade do jogo, mas não mudaria o fato de seus movimentos serem previsíveis. Para evidenciar mais o problema dos chefes, a trilha sonora que embala as batalhas também não empolga.

Além dos deuses, há um grupo de inimigos de elite e subchefes que nada mais são que versões mais poderosas de inimigos que aparecerem ao longo do jogo, ressaltando ainda mais a limitação encontrada nas batalhas. Houve apenas um destes confrontos que resultou em uma luta interessante, mas isso ocorreu muito mais pela presença de elementos no cenário do que pelo design do inimigo em si.




Gráficos melhorados e problemas de performance

Flintlock: The Siege of Dawn é inspirado na história das batalhas napoleônicas e na cultura egípcia. Por mais que a combinação pareça não fazer muito sentido, a direção de arte fez um belo trabalho para que ela funcionasse bem.

Os gráficos impressionam, mostrando o enorme salto dado pela A44 Games em relação ao que foi apresentado em Ashen. Por outro lado, o preço dessa evolução é pago com problemas na performance e com a presença de alguns outros bugs. 

Mesmo que a proposta não seja de um jogo desafiante, a estabilidade ainda é um tema importante para esse sub-gênero. Durante a maior parte do meu tempo com Flintlock: The Siege of Dawn, encontrei quedas constantes na taxa de quadros por segundo.

Não seria um problema preocupante se ocorresse apenas nas cidades e em outros lugares com maior concentração de NPCs. No entanto, ocasiões de combate em que muitos efeitos ocupam a tela ao mesmo tempo causam oscilações que prejudicam parte da experiência. Juntamente com essas quedas, vem outros problemas como a interrupção de áudio. 

Além disso, há também bugs comuns aos jogos com design de mapa aberto ou semi-aberto, como  pop-in de elementos de cenário e atrasos na renderização de texturas.




O fardo pesado de um soulslite

O grande erro que Flintlock: The Siege of Dawn cometeu foi de se auto-denominar um soulslite. Por mais que a intenção seja criar uma experiência mais leve que favorece os elementos encontrados com maior frequência em jogos de ação, descaracterizar os pontos principais da fórmula desenvolvida pela FromSoftware provavelmente está entre uma das tarefas mais arriscadas da atualidade. 
 
Talvez o jogo funcionaria melhor se tivesse optado por abrir mão das mecânicas souslike em prol de focar exclusivamente em ser um game de ação. Assim, ele não sofreria pela ausência da importante sensação de superação de desafios que é algo tão marcante nesse sub-gênero.

Flintlock: The Siege of Dawn acaba se perdendo em seus conceitos. A movimentação vertical mais ágil e as alternativas de combate são um ponto positivo, mas a falta de um sistema de upgrades mais robusto e, principalmente, de chefes que recompensam o jogador fazem do game uma confusa mistura de ideias. 








Prós

  • Combate ágil que permite mesclar estilos para criar combos explosivos.
  • A movimentação rápida e sem barra de estamina facilita abordar as situações de combate.
  • Level design com ênfase na verticalidade abre novas possibilidades para a exploração.

Contras:

  • Poucos chefes principais e repetição de inimigos básicos.
  • Problemas de performance afetam algumas batalhas.
  • Sistema de upgrades limitado que não oferece muitas opções para builds.
Flintlock: The Siege of Dawn - PC/PS5/XBX - Nota: 7.0 
Versão utilizada para análise: PS5
Revisão: Beatriz Castro
Análise produzida com cópia digital cedida pela Kepler Interactive

Formado em Engenharia Civil, começou a estudar Jornalismo pelo simples prazer de escrever sobre o que gosta. Seu maior desafio é lutar constantemente contra um backlog de jogos que parece não ter fim.
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