Análise: Minds Beneath Us: uma história sobre um futuro distópico que pode ser mais real do que imaginamos

Em um mundo dominado por IA e tecnologia, cabe a nós encontrar nossa humanidade.

em 30/07/2024

Minds Beneath Us
é o tipo de jogo que, à primeira vista, parece apenas uma aventura narrativa sobre viver em um mundo dominado por inteligência artificial e tecnologia — afinal, tudo indica que estamos caminhando para um futuro assim. No entanto, quanto mais nos aprofundamos no universo criado por BearBone Studio, mais percebemos que a trama esconde importantes reflexões sobre, acima de tudo, o que significa ser humano em um mundo dominado pela tecnologia.

MBU o quê?

Minds Beneath Us começa em um quarto de hospital, com um diálogo entre Ivan Zhang e Albert Tsai, este último bastante ferido e preso a uma cama. Os dois personagens fazem parte de uma gangue e, durante uma perseguição policial, foram capturados e confinados no hospital, sem qualquer esperança de fuga ou liberdade.

As coisas ficam ainda mais fora de controle quando descobrimos que tudo faz parte de uma simulação: embora os dois homens no quarto sejam, de fato, Ivan Zhang e Albert Tsai, nosso protagonista é uma mente independente que habita o corpo do primeiro. Essa mente, chamada de MBU, está sendo usada por uma organização para obter informações cruciais sobre os esquemas envolvendo a gangue de Zhang.


Porém, em um momento inesperado, uma entidade desconhecida aparece e mata todos os envolvidos nesse esquema envolvendo a possessão do corpo de um civil, alegando que a mente agora está livre. Depois desse prólogo, MBU agora está preso no corpo de Jason Dai, um rapaz de poucos amigos e que vive com sua namorada, Frances Cheng.

O rapaz está prestes a participar de um processo seletivo na companhia em que Cheng trabalha, a Vision, uma das maiores empresas por trás da automação da cidade de Wanpei. Tudo no ano de 2049 é controlado e automatizado por inteligência artificial, mas, por trás dessa tecnologia, ainda é necessária uma grande quantidade de processamento de computadores para alimentar a internet e outras funcionalidades; em Minds Beneath Us, esse processamento vem do cérebro humano.


Em outras palavras, a Vision detém uma das maiores fábricas de processamento de Wanpei, a Silencio, uma IA avançada que também foi responsável pela recomendação de Jason como novo funcionário da companhia. Para não entrar mais em spoilers da história, resumirei brevemente o que vem a seguir na trama: assim que Jason começa a participar das atividades diárias da empresa como parte de seu processo seletivo, ele se vê em um cenário ainda maior que envolve corrupção, filosofia, direitos humanos, engenharia genética e uma luta para salvar a própria humanidade da automação por inteligência artificial.

Infelizmente, por se tratar de um jogo majoritariamente textual, é uma pena que ele não conte com localização para o português ou outro idioma que não inglês, chinês (tradicional e simplificado) e japonês. Embora a linguagem não seja complexa e tampouco dependa de termos muito específicos da área da tecnologia, é possível que pessoas que não tenham tanta afinidade com ela se sintam perdidas ou desmotivadas a continuar.

Eu leio seus pensamentos

Como comentei, Jason não é realmente Jason, mas sim a MBU que possuía o corpo de Ivan Zhang. Isso não quer dizer, contudo, que nosso protagonista não interage com seu hospedeiro: em vários momentos da trama, temos sessões de conversa entre o rapaz possuído e a MBU, de forma que nós ficamos cientes de que ambas as entidades têm conhecimento uma da outra — aqui, cito outro aspecto interessante dessa coabitação: a MBU tem acesso ao subconsciente de Jason, um fator que agrega ainda mais peso à nossa progressão.

De toda forma, a jogabilidade em Minds Beneath Us é simples e direta: andamos de lá para cá realizando pequenas atividades, como interagir com pessoas e objetos, e escolhendo os diálogos que acharmos pertinentes quando necessário. Aqui, abro parênteses para reforçar que toda a história é desenvolvida com base nas nossas escolhas, sendo algumas delas eventos em tempo real (quick-time events, ou QTE); ainda, ao explorar os cenários pelos quais Jason passa (e até mesmo ouvir conversas alheias ou ver um pouco de TV), podemos adquirir informações que desbloqueiam respostas adicionais para certas conversas.


Em algumas porções da aventura, Jason/MBU engajam em combates, estes sim ditados por ações QTE. Mesmo assim, eles também não escondem nenhuma dificuldade: basta apertarmos os botões corretos assim que eles aparecem na tela, fazendo com que Minds Beneath Us seja um título acessível a vários públicos.

Com todas essas informações em mente, a grande sacada do título de BearBone Studio é proporcionar imersão, algo que é feito com sucesso. Apesar do início arrastado, logo percebemos que nossas escolhas realmente moldam a campanha, mas não só isso: quanto mais avançamos na trama, mais nos vemos em conflito com nossos próprios dilemas morais, seja presenciando cenas que tratam de violação de direitos humanos, seja nos colocando para pensar nas consequências das nossas escolhas antes mesmo de fazê-las.


Também contribui para essa imersão o design de personagens: todos com quem Jason/MBU se relacionam têm suas próprias convicções e personalidades, como se fossem pessoas reais de carne e osso. Interagir com elas é outro fator que faz com que as escolhas, às vezes, tornem-se ainda mais significativas — devemos tomar partido de A ou apoiar o ponto de vista de B? Esses são apenas alguns dos muitos questionamentos que me fiz enquanto jogava (e também depois de jogar).

No entanto, por mais que a jogabilidade seja fantástica e imersiva, ela esconde um grande problema: todo o progresso é linear. Não temos a liberdade de explorar outros cenários que não aqueles em que estamos no momento (spoiler: na maior parte do tempo, os corredores da Vision); apesar de não quebrar a imersão e não tirar o peso das nossas escolhas, acredito que seria mais interessante termos liberdade de interagir, direta ou indiretamente, com outras pessoas que estão do lado de fora dos conflitos desenvolvidos na trama.

Charme ímpar

À primeira vista, é um pouco estranho ver personagens tão bem-construídos sem expressões faciais — ou, propriamente falando, rostos — quando temos artes conceituais dos personagens tão chamativas. No entanto, quanto mais tempo passamos com o jogo, mais nos adaptamos a esse estilo de arte, e aprendemos a distinguir quem é quem pelo modo como se comportam ou falam; por falar nisso, todos os cenários são bastante charmosos e feitos em 3D, contrastando muito bem com os sprites 2D.

A trilha sonora é outro ponto alto em Minds Beneath Us, e não tem uma faixa que não combine com as situações que vivenciamos durante a campanha. Certamente, se a desenvolvedora resolver lançar DLC com trilha sonora e artbook do jogo, serei uma das primeiras pessoas a comprá-lo, dado o esmero da composição audiovisual do jogo.


Acima de tudo, o software flui muitíssimo bem; mesmo rodando o jogo em um notebook com as recomendações mínimas, não tive problema algum para aproveitá-lo. A única falta que senti mesmo foi de salvamento manual, já que, com tantos desdobramentos possíveis a cada diálogo, é uma pena não sermos capazes de explorá-los em uma única campanha.

Por fim, também quero mencionar que há alguns errinhos bobos de digitação e formatação no texto em inglês, mas nada que comprometa o entendimento do texto.

A humanidade está mesmo caminhando para a dependência tecnológica?

Além de ser uma excelente e imersiva aventura narrativa, Minds Beneath Us é um título que nos faz pensar e desafia nossos próprios conceitos de moralidade a cada escolha que fazemos. Seu conceito de um futuro distópico comandado por máquinas e inteligência artificial não parece tão distante da nossa realidade — será que, em algumas décadas, o mundo estará como a Wanpei fictícia retratada no jogo?

Mas, mais do que apresentar um hipotético cenário sobre o futuro da humanidade, a trama nos traz questões e pensamentos muito atuais e pertinentes. Sinceramente falando, é difícil colocar em palavras o peso emocional que senti ao jogar este título; talvez esta não seja a conclusão que você esperava para uma análise, mas Minds Beneath Us é o famoso “ver para crer”.

Prós

  • Excelente construção de mundo que capta bem a essência de uma realidade futurística e distópica, com uma sociedade que cada vez mais se vê dependente da tecnologia e inteligência artificial para sobreviver;
  • A ambientação conta com bonitos gráficos que combinam sprites 2D em ambientes 3D e uma trilha sonora que é capaz de entregar as emoções nos momentos corretos;
  • As discussões levantadas ao longo da campanha nos fazem parar para pensar em questões importantes do nosso cotidiano;
  • Personagens marcantes e com personalidades próprias, como se fossem pessoas reais, contribuem para a imersão da atmosfera pretendida;
  • Jogabilidade simples, acessível a diversos públicos;
  • Embora poucos, os combates ajudam a quebrar a carga de leitura do jogo;
  • Presença de log para rever as conversas presenciadas por Jason/MBU;
  • Toda a história se desenrola com base nas escolhas que fazemos durante os diálogos, agregando peso, sobretudo moral, à nossa progressão.

Contras

  • Ausência de legendas em português;
  • A falta de salvamento manual prejudica a possibilidade de explorar diferentes consequências para nossas ações na mesma campanha;
  • Apesar de algumas escolhas serem QTE, a progressão da história é linear;
  • Início de campanha um pouco arrastado;
  • Alguns errinhos bobos de digitação e formatação.
Minds Beneath Us — PC — Nota: 9.0

Revisão: Alessandra Ribeiro
Análise produzida com cópia digital cedida por BearBone Studio
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Também conhecida como Lilac, é jornalista e atualmente trabalha com assessoria de imprensa. Fã de jogos de plataforma no geral, especialmente os da era 16-bits, com gosto adquirido por RPGs e visual novels ao longo dos anos. Fora os games, não dispensa livros e quadrinhos. Prefere ser chamada por Ju e não consegue viver sem música. Sempre de olho nas redes sociais, mas raramente postando nelas.
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