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Análise: Magical Delicacy mistura ingredientes distintos para uma receita de sucesso

Misturando metroidvania com criação de receitas na cozinha, o game pode ser relaxante, mas também confuso caso falte paciência.

em 16/07/2024


Dentre os subgêneros que mais fazem sucesso no meio independente, estão os metroidvanias e também os crafting games, duas facetas que dificilmente se encontram nesse espectro. Como em um passe de mágica, Magical Delicacy surge como um exemplar a fim de unir esses dois ingredientes e criar uma receita de sucesso.

Misturando bem um platforming que exige habilidade na medida certa, uma leve simulação de gerenciamento, uma história fofinha que cumpre bem o seu papel, o game da Whitethorn Games também traz muito mais que isso. Uma variedade enorme de ingredientes, segredos que, às vezes, parecem infinitos, um leve toque sandbox: tudo isso faz com que a aventura da bruxinha Flora para se tornar uma mestre-cuca em uma terra desconhecida se torne o paraíso para quem busca um bom cozy game.

Uma entrada rápida para abrir o apetite


Magical Delicacy é um daqueles jogos que de cara já mostra ao jogador que o gameplay é seu aspecto mais importante: logo no início da aventura e sem muitas delongas, o jogador é apresentado rapidamente à premissa principal com apenas uma leve introdução. Na pele de Flora, somos uma bruxa que, ao completar seus 21 anos, parte para a terra de Grat, uma cidade cheia de aventureiros, mercadores e também outras bruxas. Agora é hora de conquistar seu sonho de se tornar uma grande cozinheira e ter seu próprio restaurante.

Ao tomar controle da personagem, o jogador já encontra aquele platforming familiar presente em clássicos como Metroid e Castlevania e percebe que há muitos caminhos para se seguir ainda impossibilitados, seja por falta de um pulo mais longo, ou de uma cerca de ervas daninhas que bloqueiam a estrada. Mas de uma maneira muito natural, o jogo o leva por passagens bem lineares — pelo menos nesse início — para conhecer o hub principal da cidade: sua casa, que também serve como cozinha e horta.

É para agora ou para viagem, senhor?


Magical Delicacy não possui combate, o que muda totalmente a perspectiva sobre a fricção que o jogo traz, se é que alguns a encontram. A proposta do jogo é fazer você atravessar todo o convoluto mundo de Grat atrás de receitas, pedidos feitos por NPCs que se encontram pelo caminho, descobrir segredos e adquirir habilidades para aumentar ainda mais o leque de transversalidade que o jogo permite.

Por falar em NPCs, o jogo possui uma gama absurda de personagens secundários que vão encontrar em Flora uma grande “garçonete”, já que em quase todos os encontros há um pequeno diálogo que conta um pouco mais da história do game e de outros personagens, seguido de um pedido de uma receita nova. Sério, são tantos pedidos que em menos de uma hora de jogo é possível acumular por volta de dez facilmente.


E essa é uma faca de dois gumes para Magical Delicacy: como é um dos principais loops em que o jogo se fundamenta, prepare-se para muitas receitas, ingredientes, termos, propriedades e formas de preparo diferentes em muito pouco tempo. Enquanto isso mostra que o jogo tem conteúdo de sobra, também pode sobrecarregar o jogador com muita informação e acabar se tornando cansativo logo nas primeiras horas.

Um arsenal digno de MasterChef


Sendo 50% um jogo de crafting, esse é o aspecto quase perfeito de Magical Delicacy e que, assim que começa a ser entendido melhor, torna o gameplay satisfatório e faz com que a vontade de fazer mais e mais receitas só continue. À disposição de Flora, há um arsenal de ferramentas para os mais diversos preparos: forno, frigideira, panela para guisados, caldeirão, uma moenda, tudo feito para preparar as dezenas de tipos de receitas diferentes que o game proporciona, que vão desde sanduíches de cenoura, até poções mágicas que te fazem teletransportar.

Há outras mecânicas, como a possibilidade de abrir uma loja e vender pratos que, seja por experimentação ou por não ter saído como um certo personagem pediu, acabam ficando no seu inventário. Flora também dispõe de uma horta em que pode plantar seus próprios ingredientes e fazer uma receita completamente orgânica, como os restaurantes com mais requinte do mundo real fazem.

Muito fácil de aprender, mas difícil de se tornar um mestre (cuca)


Os ingredientes são compostos por diversas propriedades. Uma cebola é um legume temperado e pode ser levado ao forno para virar um tempero, enquanto uma maçã verde é uma fruta azeda que pode virar uma cidra. Esses elementos podem ser misturados para a criação de outros ingredientes e adicionar um quê de experimentação ao game. Mas cuidado: com um auto-save agressivo, perder ingredientes logo no início do game pode causar problemas para consegui-los novamente.

E isso faz com que o gameplay se torne um pouco travado no início: na minha experiência jogando, uma personagem me pediu para criar uma receita com ingredientes que eu não sabia como fazer, ou como adquirir. Somando ao fato de que o jogo te bloqueia de funcionalidades como marcação pelo mapa de mercadores no início e a própria natureza do mapa que é bem confuso e não intuitivo de se navegar, essa rotina de grind por ingredientes, aprender quais ingredientes vão melhor com que propriedades e a incerteza de saber se a mistura vai dar certo no final faz Magical Delicacy ficar confuso e cansativo sem mostrar suas melhores qualidades no momento mais crucial: quando o jogador está conhecendo o game.

Paciência é a palavra-chave nessa cozinha mágica


A paciência se torna, então, a principal ferramenta do jogador para explorar o mundo, perceber as nuances da cozinha vegana de Flora e aprender que talvez o melhor seja deixar alguns pedidos para o fim da fila — afinal, Grat é o mundo ideal em que nenhum cliente fica impaciente caso seu pedido demore. Ter atenção ao número de itens que se possui na dispensa, no modo de preparo, a quantidade de produtos que cada personagem pede, tudo isso sendo feito uma receita de cada vez, faz com que o jogo corra num ritmo lento, porém agradável. E talvez esta seja a abordagem que os desenvolvedores tiveram em mente.

Claro que, como bom metroidvania, o jogador é exigido a conquistar novas habilidades, como o clássico pulo duplo através da quest principal, e também upgrades para sua cozinha, como uma dispensa para guardar cada vez mais itens. E não pense que tudo será de graça: no melhor estilo Animal Crossing, Flora já começa o game devendo uma belíssima quantia para o dono da sua nova casa e você começa a aprender que dinheiro é super importante para aumentar ainda mais seu arsenal, que, no caso, é o seu lar doce lar.

Acessível para todos, menos os impacientes


Magical Delicacy tenta ser extremamente acessível para qualquer um: tendo um gameplay já muito fácil de se acostumar mesmo com opções padrão, o mais difícil vai ser desviar de alguns espinhos (que não consomem HP, já que não existe game over) pelo caminho, acertar um mini-game de ritmo na hora de colher ingredientes e se atentar para não deixar sua receita queimar no forno ou na panela. Mas o jogo ainda possui opções de acessibilidade para desligar todos esses tipos de dificuldades que o jogador possa ter, fazendo assim com que o jogo tenha apenas um único objetivo: ser um cozy game.

A simplicidade do game em sua apresentação é compensada na complexa, porém satisfatória mecânica principal. O jogo certamente não vai agradar quem busca um desafio que vai fazer seu coração acelerar com ação do início ao fim. Nem é o objetivo aqui, já que, com seus gráficos 2D extremamente coloridos e uma trilha sonora simples e efetiva, o jogo é feito para quem deseja relaxar e ir aos poucos dominando a cozinha mágica — e levemente confusa — da bruxinha Flora.

Prós:

  • Mistura de Metroidvania com Crafting, trazendo dois gêneros viciantes em um pacote só;
  • O mundo de Grat possui uma direção de arte singular que consegue se sobressair de outros exemplares do mundo indie 2D;
  • Receitas, ingredientes e itens de sobra que vão fazer o jogador conhecer coisas novas a todo momento.

Contras:

  • Sua mecânica principal pode se tornar confusa logo no início, fazendo com que os jogadores mais impacientes tenham dificuldade antes mesmo de conhecer o game a fundo;
  • Estrutura totalmente baseada em fetch quests, sem variação de missões;
  • Trilha sonora levemente repetitiva.
Magical Delicacy - PC/XBO/XSX - 7.0
Plataforma utilizada para análise: PC
Revisão: Alessandra Ribeiro
Análise feita com cópia digital cedida pela Whitethorn Games

Falo de tudo quanto é coisa, de Castlevania a Anatomy of a Fall, de Carolina Maria de Jesus a Hidetaka Miyazaki, de trilhas sonoras de Super Sentai a Mano Brown. Só não gosto de Deckbuilder Roguelike. Meu sonho é visitar o Japão. Se curtiu, continuo falando sobre meus textos em twitter.com/WesternYokai666
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