Análise: Kanon: neve, memórias e promessas

Edição HD de Kanon comemora os 25 anos do clássico nakige e marca o primeiro lançamento do jogo em inglês.

em 13/07/2024
Kanon é a obra inaugural da Key, um grupo responsável pela criação de várias visual novels clássicas de drama como Clannad, Little Busters! e o anime Angel Beats!. Porém, embora tenha saído originalmente em 1999 no Japão, o título escrito por Naoki Hisaya nunca tinha recebido uma tradução até agora.

Em comemoração aos 25 anos do jogo, a Visual Arts/Key e a publicadora de visual novels em consoles Prototype desenvolveram uma versão HD de Kanon. Embora tenha saído primeiro no Switch em japonês, a versão de PC (Steam) adicionou a opção de jogar com os textos em inglês e chinês simplificado, dando aos fãs a chance de conhecer este clássico nakige (“jogo de chorar” ao pé da letra).

Uma cidade do interior coberta de neve

Nayuki
Escrita por Naoki Hisaya em parceria com Jun Maeda, Kanon conta a história de um jovem rapaz chamado Yuichi Aizawa. Após os seus pais decidirem se mudar para o exterior a trabalho, ele é forçado a viver em uma cidadezinha do interior com sua tia e uma prima.

Porém, esta não é a primeira vez de Yuichi nesse lugar coberto de neve no inverno. Sete anos atrás, quando ainda era uma criança pequena, ele já tinha passado um bom tempo lá. Sem memórias daquele tempo, porém, o rapaz terá a oportunidade de relembrar promessas e conhecer mais a fundo belas garotas que moram na região.
Ayu
Primeiramente, temos Nayuki, a prima do protagonista que é uma garota simples e bastante calma. Ela parece seguir o seu próprio ritmo e não consegue acordar cedo de manhã de jeito nenhum, mesmo tendo vários despertadores. Ocasionalmente, ela menciona que queria que o protagonista se lembrasse de sete anos atrás.

Além dela, pouco após chegar à cidade, Yuichi conhece a pequena Ayu, uma garota com a qual ele esbarra no centro comercial da cidade e que costuma agir de forma bem inocente, além de constantemente falar “Uguu”. Outras garotas centrais da história incluem a misteriosa e frágil Shiori Misaka, a levemente violenta e imatura Makoto Sawatari e a silenciosa Mai Kawasumi.

Cotidiano e decisões

Kanon se centra numa perspectiva bem cotidiana, com eventos simples do dia a dia formando o cerne da experiência. Um ponto que chama a atenção é a alta quantidade de escolhas do jogo, já que é frequente, especialmente no início, que Yuichi tenha que tomar decisões do que gostaria de fazer e de como reagir às heroínas.

Algumas escolhas levarão apenas a mudanças mais pontuais na trama, enquanto outras formarão um caminho para as rotas individuais. Infelizmente, ao contrário de vários títulos no mercado, não temos aqui sistemas de auxílio à tomada de decisões, como um fluxograma do roteiro nem menus de afeição ou indicativos audiovisuais de acerto.

Isso não significa que o jogo não faça nenhum esforço nesse sentido, já que temos Yuichi explicando as consequências ruins de algumas escolhas em monólogos mentais. Porém, dessa forma, acabamos tendo mais ambiguidade e sendo preferível buscar guias externas para garantir os finais desejados.

Felizmente, em termos de navegabilidade pelo texto em si, temos ótimos sistemas para aproveitar. Além de utilizar os básicos skip, auto e log (com possibilidade de voltar a uma fala recente), basta apertar um botão para pularmos diretamente para a próxima decisão ou trecho não lido do jogo ou retornar para a última escolha. Com isso e a alta quantidade de saves disponíveis, fica muito mais fácil explorar todas as ramificações da narrativa.

O jogo também inclui um manual detalhado em inglês e várias opções de ajuste de controle, sons e textos. Para quem sabe japonês ou chinês, é possível alternar entre as três opções de língua a qualquer momento para conferir as diferenças. Tanto o manual quanto os ajustes podem ser acessados durante a campanha.

O tempo e as mudanças de sensibilidade

Com as histórias cotidianas dos personagens, temos uma experiência imersiva que aposta na simplicidade desses indivíduos para pouco a pouco ir revelando os elementos de drama. Boa parte da história então aposta em um humor bem específico no qual o protagonista tende a agir como um paspalho que ora tenta implicar com as garotas ora finge ser mais sério do que realmente é assumindo uma persona de reclamão.

Honestamente, embora seja fácil ver como o personagem representa uma espécie de espírito da época, a sua personalidade não envelheceu bem e pode incomodar alguns jogadores. Yuichi está constantemente reclamando e é frequentemente agressivo como forma de corrigir a estupidez das atitudes das garotas, o que, embora tenha paralelos com a rotina de comédia japonesa dos Tsukkomi, acaba passando dos limites ocasionalmente.

O ritmo da trama também pode ser um pouco parado, tendo personagens mais quietos ou que falam mais pausadamente (como Nayuki). Elementos relevantes da trama são muitas vezes tratados de forma breve enquanto os momentos de piada se estendem mais.

Apesar disso, uma vez que os elementos mais dramáticos são apresentados, até mesmo os momentos mais mundanos ganham outra carga de sentidos. Graças a isso, as tramas de cada garota são verdadeiramente cativantes.

Em termos visuais, também é importante ter em mente o estilo da época. As faces mais triangulares e os olhos esbugalhados podem não ser atraentes para alguns jogadores hoje em dia, mas há uma ótima expressão de mistério no olhar das personagens e, mesmo assim, as garotas conseguem ter estilos e uma presença muito diferente nos traços da ilustradora Itaru Hinoue.

As ilustrações de ambientes e vestimentas também ajudam a reforçar o tom cotidiano da experiência. Porém, com a atualização para alta definição, as distorções dos rostos dos personagens de fundo acabam chamando mais atenção do que deveriam.

Já no aspecto sonoro, temos relativamente poucas variações musicais, mas as trilhas também reforçam o toque cotidiano, o drama e a sensação de uma cidade do interior presa no tempo e na neve. Entre elas, se destaca com toda certeza o tema de abertura Last regrets, que apresenta o tom suave da experiência como um todo.

No campo da dublagem das personagens, vale destacar que os seiyuu (atores de voz japoneses) fazem um ótimo trabalho, mas o protagonista só tem voz parcialmente. Com isso, as cenas em que ele não está presente acabam parecendo menos relevantes.

Uma jornada de memórias e drama

Kanon é um dos clássicos do gênero visual novel. Embora alguns de seus elementos não tenham envelhecido bem e possam incomodar alguns jogadores novos, temos aqui uma ótima forma de conhecer este pedaço da história da Key.

Prós

  • Tramas sólidas de drama que se apoiam na construção de relacionamentos cotidianos;
  • Ótimos sistemas de navegabilidade da trama como a possibilidade de pular diretamente para a próxima escolha ou a anterior;
  • Manual detalhado de funcionalidades que está acessível a qualquer momento.

Contras

  • Ausência de fluxograma ou outro sistema que ajude a explorar as múltiplas ramificações da trama de forma mais eficiente;
  • Dublagem parcial do protagonista acaba enfraquecendo os diálogos sem voz;
  • O design de personagens dos fundos acaba tendo traços um pouco feios em alta definição;
  • O estilo reclamão e “machinho que bate em mulher como piada” do protagonista pode incomodar alguns jogadores.
Kanon — PC/Switch — Nota: 8.0
Versão utilizada para análise: PC

Revisão: Juliana Paiva Zapparoli
Análise produzida com cópia digital cedida pela Visual Arts USA


é formado em Comunicação Social pela UFMG e costumava trabalhar numa equipe de desenvolvimento de jogos. Obcecado por jogos japoneses, é raro que ele não tenha em mãos um videogame portátil, sua principal paixão desde a infância.
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