Surgindo de uma amálgama entre videogame, cinema e arte, Seven Samurai 20XX é um mergulho mais profundo na vasta biblioteca de quatro mil títulos do PlayStation 2 e é um produto da época em que foi lançado. Agora, completando seus 20 anos de lançamento, é hora de relembrar essa adaptação que, entre qualidades, defeitos e bizarrices, nos faz recordar que títulos como esse ficam presos no tempo.
Do cinema clássico à (até então) jogatina moderna
Seven Samurai 20XX, como seu título já denuncia de maneira suspeita, é uma adaptação do clássico do cinema japonês “Os Sete Samurais”, do notável diretor Akira Kurosawa. O filme, lançado em 1954 e que completa 70 anos agora, serve de inspiração para a história e os personagens do game de 2004.
No filme, que é uma das obras mais adaptadas, homenageadas e referenciadas da cultura no geral, moradores de um vilarejo pedem proteção a um samurai contra bandidos que querem roubar toda a colheita dos pobres fazendeiros locais. Com isso, o solitário samurai parte em busca de mais seis guerreiros que possam ajudar no contra-ataque e proteção dos aldeões.
Akira Kurosawa, ao centro, e parte do elenco do filme de 1954. |
Tornando-se uma revolução do cinema na época de seu lançamento, Shichinin no Samurai — título original do longa em japonês — virou um ícone de como fazer um épico que mistura ação, drama e até um toque de comédia. Sua influência pode ser vista claramente em filmes de faroeste estadunidenses e italianos da década de 1960, em toda a saga Star Wars e em diversos outros filmes, desenhos, quadrinhos, animes e, é claro, games.
Do século XVI ao futuro do novo milênio
O jeito exótico de Seven Samurai 20XX começa pelo fato de que, embora o objetivo seja ser uma adaptação que homenageia o clássico, transporta toda a sua narrativa para um mundo futurista e justifica o sufixo 20XX em seu título. A história agora se passa em uma ambientação digna de ficção científica e apresenta diversos elementos do filme de maneira que se encaixe nesse novo universo, mas sem desviar muito do original.
Diálogos são importantes para situar a história, já que pelo gameplay é complicado... |
Agora, em vez de uma história sobre fazendeiros e colheitas sendo roubadas por bandidos, temos nosso herói e protagonista Natoe auxiliando Kambei — o único personagem traduzido literalmente do filme — a recrutar cinco outros guerreiros para proteger uma cidadela do ataque de seres chamados “humanoides”. Contudo, o plot ainda ganha uma nova roupagem: mistérios, traições, figuras divinas e até uma apresentação de break dance que lembra Jet Set Radio.
Apesar da narrativa central ser a mesma, vários elementos foram modificados para atender melhor a um videogame, e se, talvez à época, eles pudessem ter sido mal recebidos, hoje em dia é até engraçado ver como algumas tendências eram exploradas no início da década passada. O protagonista Natoe, que é baseado no personagem Katsushiro no filme, tem uma personalidade avessa à sua inspiração por exemplo, aparentando ser muito mais um protagonista clássico de anime shounen.
Natoe (à esquerda) foi baseado em Katsushiro (à direita), o de facto protagonista de Os Sete Samurais. |
E isso faz o game ter uma cara única e que vai desviando da fonte primária de inspiração, mas de uma forma peculiar ainda engaja o jogador com sua história estranhamente interessante. Claro que pode ser um gosto adquirido por um produto da época, porém as cutscenes do jogo são o mais puro suco do que o PlayStation 2 poderia oferecer na época, como em Devil May Cry e títulos de Suda51.
Miyamoto Musashi ficaria decepcionado
Sendo um jogo primariamente sobre guerreiros que usam espadas, Seven Samurai 20XX infelizmente peca em um quesito básico que talvez seja o principal motivo pelo qual o game não seja lembrado como um clássico cult hoje em dia: sua jogabilidade definitivamente não é das melhores, e os ataques de espada de Natoe são uma piada de mau gosto com relação ao legado das obras do diretor que inspirou a obra.
O principal gameplay loop de Seven Samurai 20XX é uma espécie de mistura entre games do estilo Musou, como Samurai Warriors, e Fighting Games de arena, como os populares jogos de anime da Shonen Jump. Uma pena que nada disso funciona da maneira mais fluida, como o já citado Devil May Cry, Ninja Gaiden e outros títulos já faziam bem na época.
Tendo uma campanha com quase a mesma duração do filme — sem exageros —, o game bombardeia o jogador com uma quantidade hiperbólica de inimigos em um ritmo extremamente irregular. É comum uma fase do game ter quase 100 inimigos em uma única área e, na próxima, apenas uma dezena, acompanhada de cinco lutas contra chefes seguidas. Inclusive, se o jogo fosse apenas um boss rush do início ao fim — como em um dos modos que você desbloqueia fazendo 100% do game —, talvez fosse um pouco melhor recebido, já que algumas lutas são verdadeiramente divertidas e interessantes.
Tatsuma (à direita), baseado no personagem Kikuchiyo, é mais um a adotar um belíssimo cropped no game. |
Uma das qualidades de Seven Samurai 20XX é o seu design visual, que, se duvidoso durante seu lançamento e nos anos que vieram em seguida, hoje em dia servem para retratar maneirismos e escolhas que talvez atualmente não funcionem mais. Todos os personagens usam roupas extremamente fashionistas e não funcionais para guerreiros que estão prontos para a batalha, mas o objetivo não é esse, e sim representar sete samurais — ou hunters, como a narrativa apresenta — com identidades e visuais bem distintos. E isso o jogo consegue fazer bem.
Onimusha 3 não foi o primeiro encontro entre franceses e samurais nos games…
É interessante observar que artes conceituais de personagens do game foram feitas por ninguém mais, ninguém menos que Moebius, artista visual francês famoso por trabalhos não só no cinema e nos quadrinhos, mas também em games, como em Panzer Dragoon. Das mãos dele surgem pitadas que dão um ar surrealista em alguns momentos do jogo, principalmente por parte de algumas figuras que destoam bastante do estilo mais anime dos protagonistas.
Além disso, a ambientação tem altos e baixos na mesma proporção, o que faz o jogador experimentar efeitos estilingue de uma maneira até difícil de acompanhar. Enquanto metade do jogo leva o jogador por corredores monocromáticos enfrentando centenas de inimigos iguais sem nenhuma estratégia, outras áreas brilham e trazem um mundo vivo. Inclusive, uma das áreas, a Chinatown que o jogo apresenta na primeira metade da campanha, lembra muito as cidades de Star Wars, mostrando que os desenvolvedores usaram outra fonte também inspirada na obra de Kurosawa.
Quer aproveitar a aventura mais vezes? Melhor fazer isso com o filme
Como já dito anteriormente, a campanha de Seven Samurai 20XX não é muito longa: em menos de seis horas é possível zerar e fazer 100% do que o jogo permite, coletar algumas armas diferentes e derrotar todos os chefes opcionais. Com isso, o jogador pode liberar alguns modos extras, como um Coliseu em que se pode enfrentar todos os chefes de maneira seguida, e também usar as armas coletadas durante a campanha principal em um modo New Game Plus.
Vale a pena revisitar o jogo depois de um primeiro playthrough? Talvez não. O lado negativo de ser um jogo que se calça tanto em ser uma adaptação de um clássico do cinema é que o foco parece ter sido apenas esse e nada mais. Uma jogabilidade extremamente fraca que não oferece nada para variar jogatinas futuras não consegue dar base para um proveito maior e tudo que o jogo tende ponto positivo pode ser aproveitado na primeira experiência. Esse é o principal motivo pelo qual Seven Samurai 20XX ficou esquecido com o tempo.
Apesar de todos os problemas que o título carrega, é impossível ser fã de games e de cinema e não ter a curiosidade atiçada quando se fica sabendo que não foram apenas filmes da Disney ou de super-heróis que ganharam adaptações pro mundo dos videogames. Mas essa mistura de Dynasty Warriors, Akira Kurosawa, Star Wars e um toque surrealista de Moebius chamada Samurai Seven 20XX é uma excelente justificativa para tirar o PlayStation 2 do armário e ligá-lo para aproveitar um dos games que, mesmo vinte anos depois, continua um exclusivo da plataforma.
“A vitória pertence aos aldeões, não à nós.” - Kambei Shimada
Revisão: Alessandra Ribeiro