Análise: Nine Sols é uma bela, tensa e brutal jornada por vingança

Explore um curioso universo “taopunk” em uma aventura repleta de combates elaborados.

em 05/06/2024

Em Nine Sols, um misterioso herói se volta contra antigos aliados que quase o mataram no passado em uma aventura de ação e plataforma 2D. O grande destaque está nos combates frenéticos, que exigem aparar complicadas sequências de ataques e esquivar na hora certa. Fora isso, há um extenso mundo para desbravar, cuja atmosfera mistura tecnologia e misticismo asiático de maneira elaborada. Brutalmente difícil, intenso e variado, o jogo é uma experiência excepcional.

Sangue e mistérios para lidar com uma traição

New Kunlun é um dos últimos refúgios de uma raça de criaturas inteligentes conhecida como Solarians. O local é guiado por dez Sols, indivíduos de poder e conhecimento notáveis. Mas um conflito surge entre eles e, no processo, o Sol de nome Yi é traído por seus iguais, sendo dado como morto depois de ser gravemente ferido em combate. Após isso, os Sols restantes caem em sono profundo e New Kunlun entra em uma era de quietude.


Séculos depois, a paz reina no lugar, e os humanos idolatram os Solarians como se fossem deuses. A situação muda quando um garotinho encontra e desperta Yi, que, milagrosamente, sobreviveu ao ataque de seus antigos companheiros. Ressentido, o herói decide se vingar e parte em uma jornada para destruir os nove Sols restantes; no processo, ele vai revelar aos poucos os mistérios de New Kunlun — a verdade é bem mais sombria, trágica e cruel do que aparece.

O argumento principal de vingança de Nine Sols é batido, mas o jogo se destaca com sua ambientação “taopunk”, ou seja, uma mescla de cyberpunk, cultura asiática e conceitos do Taoísmo. O resultado é um mundo único repleto de templos tradicionais altamente tecnológicos, artes marciais e muitos elementos de ficção científica. Porém, apesar de ser concebido como um paraíso, New Kunlun é regido pela brutalidade, com violência em todos os cantos: mortes e desmembramentos visualmente impactantes aparecem com frequência no decorrer da aventura.


Apesar do choque inicial, aos poucos fui mergulhando no mundo de Nine Sols. A trama é enigmática e fiquei o tempo todo me perguntando o que estava acontecendo: como os Solarians foram parar nesse lugar? E qual é o real objetivo dos Sols, que claramente consideram os humanos gado e usam misticismo para controlá-los? O universo do jogo é muito bem estruturado e fui surpreendido com as revelações e reviravoltas.

Saltando e lutando por um mundo perigoso

Em sua essência, Nine Sols é uma aventura de ação e plataforma 2D com pitadas de vários outros gêneros. Para atacar, Yi transforma o seu Qi em lâminas afiadas, mas só isso não é suficiente: os inimigos são extremamente agressivos, sendo capazes de derrotar o guerreiro com uma sequência rápida de golpes.


Sendo assim, dominar algumas técnicas se torna essencial para sobreviver. Com o toque de um botão, Yi pode aparar os ataques dos oponentes. Caso o movimento seja feito no momento exato do impacto, o dano é anulado e o herói ganha uma carga de Qi, que pode ser utilizada para fixar um amuleto explosivo no inimigo. Golpes com uma aura vermelha não podem ser aparados; nesses casos, a solução é usar a esquiva. Essas técnicas deixam Yi momentaneamente vulnerável, então é importante usá-las com sabedoria.

No decorrer da aventura, o protagonista se fortalece com melhorias, equipamentos e novas habilidades. Há também opções de customização: pedras de jade com efeitos diversos permitem alterar movimentos de Yi ou ativar efeitos passivos, e novas técnicas podem ser liberadas em uma árvore ao custo de pontos obtidos ao subir de nível.


 

Fluidez, desafio e frustração em combates intensos

Intenso e brutal são palavras que eu usaria para descrever Nine Sols e seus combates complicados. Os inimigos são extremamente agressivos, tornando cada batalha um jogo de vida ou morte, bastando um deslize para ser derrotado.

No começo, perdi as contas de quantas vezes morri para inimigos normais, principalmente por ser afobado e por atacá-los de qualquer jeito. Porém, a intenção aqui é observar com cuidado para aparar os golpes dos oponentes, esperando uma abertura para contra-atacar com um talismã explosivo. Com o tempo eu entendi isso e consegui sobreviver mais, ao mesmo tempo que executava sequências mirabolantes. Destaco a precisão dos controles: mesmo nos embates mais frenéticos, consegui desferir sequências, aparar perigos e esquivar com fluidez.


Mesmo assim, é essencial evoluir constantemente, pois os desafios se tornam cada vez mais complicados: inimigos distintos passam a atacar em conjunto, as arenas passam a ter armadilhas, alguns monstros usam golpes que não podem ser anulados, e assim por diante. Os ambientes são opressivos, mas com insistência fui avançando e desenvolvendo estratégias, o que tornou o desafio recompensador. Novas habilidades e equipamentos ajudam a manter o tom de novidade, possibilitando a criação de diferentes estratégias.

Os chefes são o ponto alto do jogo. Nestas batalhas, dominar a mecânica de aparar é imprescindível, pois os mestres são extremamente agressivos. Confesso que muitas vezes achei a dificuldade excessiva e pensei em desistir, mas bastou observar as possibilidades e fazer ajustes nos meus equipamentos para sair vitorioso. A variedade de combates é grande e, uma vez que o ritmo é dominado, eles se tornam um balé mortal com movimentos impressionantes.


Mesmo assim, às vezes achei que o desafio era desmedido. Em certos momentos, é fácil ficar preso em uma sequência de golpes dos inimigos com chance mínima de escapar. Algumas arenas, principalmente as dos chefes, contam com armadilhas traiçoeiras em que Yi é lançado com facilidade para a morte. Há também oponentes que aparecem de surpresa, nos forçando a memorizar suas localizações para não ser acertado. Com o tempo me adaptei a isso, mas em alguns momentos me senti frustrado e fora do controle.

Morrer é uma constante e, na maior parte das vezes, a penalidade não é tão grande: ao sermos derrotados, perdemos todo o dinheiro e, para recuperá-lo é necessário voltar no local e abater o inimigo causador da morte. De qualquer maneira, há um modo que permite customizar a dificuldade do jogo para aqueles que preferem uma jornada menos complicada.



Desbravando regiões intrincadas e diversas

O andamento de Nine Sols é majoritariamente linear, alternando constantemente entre momentos de combate, plataforma, exploração e narrativa. Apesar da estrutura sequencial, há um toque de metroidvania, pois cada área é extensa e com múltiplos caminhos — desbravar um pouco é necessário, pois raramente as rotas são diretas e óbvias. Além disso, há locais e itens que só podem ser acessados depois de se adquirir habilidades de navegação específicas, funcionando como incentivo para revisitar as regiões.

A estrutura das áreas me surpreendeu com sua variedade. Alguns momentos mais diretos focados em combates; certos trechos são de plataforma pura, exigindo domínio das técnicas de navegação; locais labirínticos nos desafiam a encontrar rotas e atalhos; alguns puzzles exigem hackear estruturas ou usar uma borboleta holográfica para modificar dispositivos distantes; em uma parte da história, precisamos escapar furtivamente de um prédio. Assim como o combate, as atividades exploratórias vão ficando mais complexas e interessantes com o avançar da aventura.


Particularmente, achei acertada a estrutura da aventura. O desenvolvimento linear permitiu que as áreas apresentassem ideias e conceitos interessantes fortemente amarrados à narrativa. Já os momentos de exploração cativam com várias lutas e itens opcionais perfeitos para matar a vontade de ver mais. Além de melhorarem as habilidades de Yi, os colecionáveis também desencadeiam ótimas conversas que desenvolvem os relacionamentos entre personagens e explicam os conceitos do mundo.

O único ponto que incomoda aqui é o mapa: ele é útil para ir em busca de itens, porém ele é simples demais — senti falta de poder incluir marcadores para me lembrar de visitar certos lugares depois.



Em um elaborado universo taopunk

A ambientação de Nine Sols é simplesmente estonteante. O visual 2D é ricamente animado e transborda personalidade, em especial os personagens visualmente expressivos. O tema taopunk traz identidade ao jogo ao misturar cultura asiática com tecnologia em localidades únicas, como uma estranha fábrica de processamento de carne, ruínas antigas repletas de hologramas e um templo tradicional transformado em laboratório.


Apesar de usar animais antropomórficos como personagens, o jogo apresenta um tom mais sério e macabro, às vezes indo até para o lado do grotesco com desmembramentos e violência gráfica. Até a trilha sonora aposta nessa abordagem com composições sombrias e tensas que mesclam elementos eletrônicos com instrumentos asiáticos. Isso pode incomodar um pouco em um primeiro momento, mas cenas contemplativas, calmas e até divertidas ajudam a equilibrar o tom.

Ao contrário de outros representantes do gênero, o título aposta na narrativa com muitas cenas e diálogos, com direito a quadrinhos estilo mangá em cenas importantes da história. Fiquei impressionado com o cuidado aplicado na construção desse universo, que tem cultura e conceitos próprios notáveis.


Além disso, os personagens esbanjam carisma: Yi é carinhoso, apesar de sempre se demonstrar durão; o jovem Shuanshuan diverte com sua curiosidade; já o estranho Shennong adora fazer comentários peculiares. Para conhecê-los melhor, fiz questão de ir atrás dos colecionáveis que liberavam novas interações entre eles. Esse conjunto de qualidades torna a história e o mundo bem envolventes.

Uma aventura fenomenal

Nine Sols se destaca como uma experiência 2D singular que combina lutas frenéticas, exploração variada e uma narrativa envolvente. A jornada de vingança de Yi não apenas proporciona combates desafiadores, diversos e precisos, mas também nos convida a mergulhar em um mundo taopunk detalhado onde a tecnologia e o misticismo asiático se entrelaçam de maneira fascinante.

O nível de dificuldade é alto, porém justo, exigindo habilidade e precisão para aparar e esquivar na hora certa.  Alguns momentos são frustrantes, mas com um pouco de insistência é possível superá-los. Além disso, o mundo nos envolve com bom equilíbrio entre combates, plataforma e exploração.

A ambientação é um dos pontos altos, oferecendo uma mistura única de cyberpunk e cultura asiática, tornando a aventura tanto visualmente estonteante quanto tematicamente profunda. A estrutura narrativa, que se apoia em um elenco de personagens cativantes, nos mantém envolvidos e ansiosos por descobrir o próximo mistério ou enfrentar o próximo desafio.

No fim, Nine Sols não apenas nos desafia com lutas elaboradas, mas também nos recompensa com um universo ricamente construído, em uma experiência que permanece na memória mesmo depois de concluída.

Prós

  • Sistema de combate ágil e com boas opções de customização;
  • Dificuldade intensa, mas justa, focada em observação e precisão;
  • Mundo intrincado e com boa variedade de situações e de conteúdo opcional;
  • Ótimo equilíbrio entre ação, plataforma e exploração;
  • Ambientação excepcional com universo bem-construído, visual elaborado e trilha sonora agradável.

Contras

  • Certas lutas têm elementos de dificuldade injustos.
Nine Sols — PC — Nota: 9.0
Revisão: Juliana Paiva Zapparoli
Análise produzida com cópia digital cedida pela RedCandleGames

é brasiliense e gosta de explorar games indie e títulos obscuros. Fã de Yoko Shimomura, Yuzo Koshiro e Masashi Hamauzu, é apreciador de roguelikes, game music, fotografia e livros. Pode ser encontrado no seu blog pessoal e nas redes sociais por meio do nick FaruSantos.
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