Um robô jornalista em um universo marcado pela diversidade
Nossa história começa quando o nosso protagonista Reporterbot é designado para trabalhar no holo-jornal Times & Galaxy. Chegando lá, nos deparamos rapidamente com nossa primeira tarefa: um acidente acabou de acontecer no planeta Aug e precisamos urgentemente cobrir o evento.
Com a mão na massa, já temos que conversar com as pessoas na proximidade do acidente, vasculhar o terreno ao redor e tentar montar a notícia com as informações disponíveis. Uma vez terminado esse processo, voltamos para a nave da Times & Galaxy, tendo a oportunidade de interagir com nossos colegas de trabalho, aprender vários detalhes sobre eles e até ter envolvimentos românticos com eles.
Uma das primeiras coisas que me chamou atenção na obra é esse universo no qual humanos, alienígenas variados e robôs convivem. Desde o início essa coexistência e o fato de que não estamos em um universo centrado em humanos são pontos importantes da trama e que impactam todos os casos.
Também é interessante a forma como cada personagem tem características peculiares. Independentemente da raça, todos os personagens possuem culturas e perspectivas curiosas que são detalhadas ao longo das nossas investigações para as reportagens.
Vale destacar que a história está disponível apenas em inglês. Considerando a alta importância do texto, é uma limitação que deve ser levada em consideração, já que o jogador precisa entender bem as suas opções de escolha e respostas. Felizmente, a leitura é bem simples de forma geral, sem grandes dificuldades dentro do que a língua é capaz de oferecer.
Os fatos e a notícia
Times & Galaxy é um jogo de aventura focado em narrativa no qual controlamos o nosso personagem robô e devemos vasculhar várias áreas. A ideia é interagir com os personagens, escolher opções de diálogo para tentar extrair as informações pertinentes e também tentar encontrar todos os objetos do cenário que são relevantes.
Personagens com os quais não conversamos ainda são indicados por uma exclamação na cabeça, mas isso é invertido em um capítulo específico sem nenhum motivo aparente. Após conversar com um personagem uma vez, ele geralmente para de sequer ser um elemento interativo daquela área. Isso acaba conferindo um tom um pouco negativo de que, em vez de seres vivos, temos uma simples lista de tarefas à nossa frente.
A principal dificuldade do jogo é descobrir como lidar com essas fontes-em-potencial. Precisamos entender como abordá-los, levando-os a contribuir de fato para expandir a notícia com informações úteis. Certas falas afunilam as nossas opções de diálogo e podem até mesmo levar a pessoa a simplesmente acabar a conversa ali. Temos até um caso com um militante extremamente fervoroso que pode consumir tanto tempo falando que as outras pessoas vão embora.
Por conta desse sistema, temos alta chance de perder informações relevantes para sempre durante aquela jogada. Para poder explorar outras opções, será necessário rejogar aquele trecho inteiro, seja utilizando save scum (isto é, recarregar o arquivo de salvamento para antes da conversa) ou reiniciando a experiência toda.
Por fim, devemos selecionar como montar a notícia depois de coletarmos as informações necessárias ou até mesmo decidir simplesmente ignorar toda a apuração e voltar para a nave. A ideia é seguir o conceito de “Pirâmide Invertida”, uma forma de estruturação de textos jornalísticos na qual priorizamos informações importantes no início e depois vamos contextualizando as informações.
A estrutura implica em escolher: uma manchete, o lide, uma explicação da relevância da notícia, a citação principal e uma contextualização mais ampla do que está sendo noticiado. Já começamos a cobertura com detalhes básicos do acontecimento que iremos cobrir, mas essas opções são geralmente pouco indicadas para fazer o texto de fato. Há opções mais interessantes que conseguimos descobrir conversando com as pessoas e interagindo com os objetos do ambiente.
Cada escolha possui três fatores importantes: o impacto na reputação, o aumento ou decréscimo de leitores e a escolha de abordagem. Todas as opções de escrita podem se encaixar em três quadrantes (informativo, interesse alienígena e sensacionalista) e isso irá impactar a forma como nossos colegas de trabalho nos veem e até mesmo os eventos do final da história.Cabe então ao jogador escolher a forma que achar mais interessante de cobrir as notícias. Como já temos a noção dos impactos na hora da montagem da escrita, é bem fácil manipular os resultados de acordo com as nossas preferências. Porém, confesso que fui vítima de um bug que fez com que a minha reputação e popularidade fossem consideradas ruins de acordo com as conquistas que recebi no Steam, embora os indicadores estivessem o mais alto possível in-game.
As consequências de ter escolhas
O conceito de que as escolhas de diálogo e montagem das notícias levam a múltiplas ramificações é uma ótima motivação para jogar novamente e tentar outras opções. Porém, temos também algumas situações que podem complicar essa experiência.
Para começar, não temos os sistemas de registro de diálogos (log), avançar automaticamente os diálogos (auto) nem de passar rapidamente as falas já lidas (skip). Esses três sistemas básicos de aventuras com alta carga narrativa fazem uma diferença enorme na navegabilidade e a ausência deles torna o processo de rejogar muito mais maçante do que deveria.
Além disso, acabamos ficando sem uma noção mais precisa de como perdemos determinadas opções. Por exemplo, ter um destaque para as opções que já selecionamos e um fluxograma são metodologias utilizadas em visual novels que ajudam muito a visualizar as possibilidades da trama.
A ausência de elementos que pelo menos facilitem o entendimento dos impactos das escolhas faz com que o jogador só perceba ter deixado de contemplar determinados tópicos pela ausência deles na lista de produção das notícias, mas precise ter um trabalho desgastante de testar todas as possibilidades se quiser melhorar ao máximo a cobertura.
Apesar de todos esses pontos que deixam o jogo mais complexo e um tanto negativo para jogadores em busca de uma experiência narrativa confortável, a trama é muito divertida, bem escrita e cheia de personagens interessantes. O sistema de notícias é ótimo em deixar claro a importância da perspectiva na construção das publicações jornalísticas.
A experiência é bastante charmosa e o design dos personagens, cheio de cor e personalidade, ajuda a elevar esse ponto. Embora todas as coisas que mencionei impeçam a experiência de estar entre as melhores aventuras textuais, vale muito a pena vasculhar os diversos mundos e conhecer melhor os personagens excêntricos que os habitam por meio das reportagens. Para mim, esse contato “humano” - ou seria alienígena? - é justamente o que mais me fascina na profissão.
Uma experiência jornalística
Times & Galaxy transforma a experiência profissional do jornalismo em uma viagem espacial carismática marcada igualmente pelo aspecto ficcional fascinante do seu universo e por condições que são fáceis de extrapolar para o mundo real. O resultado não é perfeito, mas é uma aventura empolgante mesmo assim.Prós
- Conceito curioso de gameplay que mostra bem como uma mesma história pode ter diferentes abordagens dependendo do esforço de apuração, condução e escrita do jornalista;
- Personagens excêntricos e contextos sociais intrigantes;
- As ramificações das entrevistas são um interessante desafio e adicionam valor para rejogar.
Contras
- Interação com os personagens acaba sendo tratada como uma lista de tarefas simplória;
- Quando terminei de jogar, recebi conquistas que não condiziam com a condição atual da reputação e popularidade das minhas matérias;
- Ausência de log, skip e auto;
- A sensação de consequência das nossas ações é muito leve e a perda de materiais de cobertura durante os diálogos poderia ter indicações melhores.
Times & Galaxy — PC/PS5/XBO/XSX/Switch — Nota: 8.0
Versão utilizada para análise: PC
Análise produzida com cópia digital cedida pela Fellow Traveller