Exceto pelas músicas, Catmaze foi desenvolvido por uma única pessoa, o russo Slava Gris. Embora isso sempre seja um feito notável, não está livre de limitações e defeitos, o que é o caso do nosso jogo analisado. Para entender melhor, veremos os altos e baixos da aventura da bruxinha.
Era uma vez…
A principal inspiração de Catmaze está nos mitos eslavos, trazendo aparições de figuras como Chernobog, Bolotnik, Kikimora (essa tem em The Witcher) e o gato Bayn. Mesmo que eu não tenha como avaliar quão bem ele representa suas referências, senti que teve elogiável sucesso em montar um grande conto de fadas que se mostrou bem mais profundo do que eu esperava.
O começo soa até simples: guiamos a aventura da bruxa Alesta, que almeja descobrir uma forma de chegar ao mundo dos mortos para salvar sua mãe. No caminho, a protagonista encontra alguns espíritos, monstros e criaturas folclóricas, e ouve suas histórias, como se fossem apenas paradas pelo caminho. Parecem pretextos para lutas e para as missões secundárias, mas vão muito além disso. Cada personagem encontrado e chefe enfrentado têm seus papéis a cumprir no quadro maior.
O jogo faz um ótimo trabalho em costurar o que parece ser uma coletânea de contos em uma única grande aventura. São muitas conexões, encontros e reviravoltas, sem deixar pontas soltas. Parece que Gris fez questão de criar uma série de pequenos segredos que se encaixam e complementam uns aos outros. A coesão do todo fica clara no fato de haver dois finais, sendo a versão boa alcançada apenas quando Alesta consegue completar todas as missões secundárias, amarrando o clímax com muita competência.
Combinando com o foco nos contos, o menu de pausa tem a opção Diary, que é atualizada a cada novo passo da história. O formato é de prosa, como se Alesta realmente escrevesse um diário, o que dá uma camada narrativa a mais para o que já era sólido o bastante. Existe até uma revelação da história que não percebi a partir do diálogo envolvido, mas apenas no que a menina escreveu sobre o ocorrido.
A verruga no nariz da bruxa
Já o visual não alcança a mesma qualidade. A pixel art começa com cara de algo antigo e inconsistente, como se fosse uma colagem de fundos, elementos de cenários e sprites de inimigos de diferentes níveis de detalhes. Felizmente, o aspecto melhora ao longo da campanha e fica mais agradável, com paletas de cores mais harmoniosas e uma ou outra paisagem que realmente achei bonitas.
Ainda nesse campo da imagem, os diálogos têm ilustrações dos personagens, mas aqui temos uma faca de dois gumes. Tanto as linhas quanto as cores dos retratos de personagens parecem pobres, como em certos livros ilustrados de baixa qualidade, do tipo que eu fecho sem pensar duas vezes e não compro pros meus filhos.
A própria capa de Catmaze parece ter a mesma opinião, uma vez que apresenta um trabalho bem mais interessante e dinâmico, o que criou uma discrepância ao ver pela primeira vez como Alesta é retratada no jogo. No fundo, ficou melhor com as ilustrações de diálogos do que sem elas, de forma que cumprem seu papel e com o tempo eu me acostumei, mas não deixei de considerar um ponto baixo da obra.
Os perigos da floresta
Um mérito da arte de Catmaze é que boa parte dele se passa em florestas, mas elas são diferentes o bastante entre si para não parecer mera repetição. No saldo final, a arquitetura do mundo constrói com êxito um microcosmo de conto de fadas em que uma vila humana é cercada de florestas misteriosas habitadas por seres lendários.
Essa coesão também fica clara no lado metroidvania da experiência. Ele começa sem despertar muito interesse, mas, com o tempo, vemos como os locais se conectam e são projetados para levarem de volta a algum lugar útil ou ponto de viagem rápida. Nenhuma área se estende além do necessário, então Alesta sempre está passando de um local a outro e as várias sidequests que ela precisa fazer para as pessoas do vilarejo não se tornam um trabalho cansativo.
Assim, o game não abusa do tempo de quem joga, formando uma progressão focada, mas temperada com abertura para buscar segredos, encontrar pessoas e cumprir missões. Cheguei ao final em cerca de nove horas e passei mais uma ou duas para completar 100%, fazer o segundo final e obter o troféu de platina no PS5.
Já o mapa de jogo não é dos melhores e falha em um ponto que se tornou básico no gênero: não há qualquer distinção entre as várias áreas, formando um grande bloco marrom de salas amontoadas que às vezes são difíceis de distinguir com exatidão.
Uma cor diferente para cada área resolveria a questão completamente, mas isso não acontece aqui. Na maioria das vezes em que precisei me lembrar de um lugar, tomei as salas de salvamento e teleporte como referência para me situar e descobrir o melhor caminho.
Por outro lado, Catmaze faz um bom trabalho em não deixar Alesta sem rumo: os objetivos da história e das missões secundárias sempre aparecem no local correto do mapa como uma simples interrogação, evitando cair na incômoda exploração por tentativa e erro.
Briga em família
Em Catmaze, as bruxas não são máquinas de combate e precisam de familiares para atacar em seu lugar, isto é, espíritos e animais que as obedecem e, na prática, funcionam como diferentes armas para variar o estilo de batalha. Há um botão dedicado ao combate corpo a corpo e outro para familiares que atacam a distância. São seis bichinhos de cada tipo para descobrir e podemos alternar entre eles instantaneamente com botões específicos.
A movimentação de Alesta não é das mais ágeis e precisas, o que acaba deixando os embates meio desajeitados. Não que as lutas sejam intensas: os ataques dos chefes têm certa lentidão em que podemos prever bem o que vai acontecer. Ainda assim, isso não os torna exatamente fáceis, pois a heroína também sofre de uma dose de vagarosidade.
A coisa não deu muito certo enquanto tentei uma abordagem mais incisiva, partindo para cima e reagindo por reflexo. Quando passei a focar em observar os inimigos e atacar com calma, entrando no ritmo de terceira marcha do jogo, vi que realmente há bons desafios a encarar.
Vários oponentes me forçaram a repetir as lutas até eu aprender como me comportar com eles e o embora final foi uma vitória conquistada aos poucos, melhorando a cada tentativa.
No fim das contas, a ação inicial não foi muito animadora, mas, ao pegar o jeito, mudei de opinião e vi que funciona adequadamente, além de trazer seus bons momentos.
O labirinto do gato
Os sucessos de Catmaze compensam suas limitações. O visual às vezes parece amador e o design de metroidvania não impressiona, mas é enxuto e bem executado.
Mesmo sendo um tanto travado, o combate oferece alguns bons momentos, com chefes desafiadores. O mais importante, para mim, foi a história, que me surpreendeu ao costurar mitos eslavos em uma grande aventura cheia de personagens, camadas, nuances e segredos.
Prós
- Textualmente bem apresentada, a história se inspira em vários contos dos mitos eslavos;
- A narrativa é bem construída e encaixa com as missões da gameplay;
- A exploração circular de metroidvania é satisfatoriamente desenvolvida, sem enrolação;
- Embora o combate não se destaque em geral, algumas lutas contra chefes são instigantes e desafiadoras.
Contras
- O começo da aventura é desinteressante, estando abaixo do nível do restante;
- Alguns cenários e o estilo ilustrações de personagens têm visual pouco refinado;
- O mapa, ainda que indique os locais das missões, não distingue entre as diferentes áreas;
- A movimentação da protagonista é um pouco rígida, o que reflete nos combates;
- Sem português brasileiro.
Catmaze — PS4/PS5/XSX/XBO/PC/Switch — Nota: 7.0Versão utilizada para análise: PS5
Revisão: Juliana Paiva Zapparoli
Análise produzida com cópia digital adquirida pelo redator