Lançado em 2012 para PlayStation 3 e PC, Papo & Yo é uma representação autobiográfica da infância de seu diretor, Vander Caballero, que precisou conviver com seu pai alcoólatra e abusivo.
“A minha mãe, meus irmãos e irmãs com os quais sobrevivi ao monstro em meu pai” — Vander Caballero.
Esta é a primeira frase que vemos ao começar a jornada em Papo & Yo. Ela dita o tom do jogo e nos faz entender as metáforas que virão a seguir. E com ela, Caballero nos propõe discutir o delicado tema de violência doméstica enquanto enxergamos o mundo através dos olhos de um menino brasileiro chamado Quico, que, com sua imaginação, transforma a favela em que vive em um labirinto mágico, onde, ao mesmo tempo em que precisa conviver com o monstro que é seu pai, busca uma maneira de curá-lo.
O realismo mágico de Quico
Quico começa o jogo escondido em seu armário. Pela fresta na porta, podemos ver seu pai, na forma de monstro, caminhando e gritando seu nome. Então, com sua imaginação, Quico atravessa um portal e chega a um mundo mágico onde ele parece ter um pouco mais de controle sobre a situação ao seu redor.
Neste mundo, que é uma versão colorida e mágica da favela em que vive, seu brinquedo favorito — o pequeno robô chamado Lula — ganha vida e o ajuda. Não apenas isso: toda a favela parece uma grande brincadeira: quebra-cabeças fazem as casas criarem pernas e mudarem de lugar, e engrenagens desenhadas com giz fazem as paredes e o chão subirem e descerem, formando escadas e plataformas para que Quico possa continuar sua aventura.
Conforme o jogo avança, também somos apresentados a flashbacks da vida real de Quico, em especial ao momento em que seu destino e o de seu pai mudaram para sempre.
O monstro nem sempre é monstruoso
O monstro, a representação do pai de Quico em sua imaginação, não é o tempo todo mau; às vezes, ele é até útil. Sua barriga é um trampolim que Quico pode usar para alcançar lugares mais altos; e com seu peso, o monstro pode ser usado para ativar plataformas que Quico sozinho não conseguiria.
Nos primeiros momentos da campanha, ele parece meio bobo e desajeitado enquanto você o guia de uma lado para outro usando frutas como isca e pulando em sua barriga quando ele dorme, muito diferente do que foi apresentado na primeira cena. Mas o Monstro tem um vício: sapos. Ao comê-los, a outra faceta do monstro se revela, ele se enraivece, fica vermelho como se estivesse em chamas e desconta sua raiva em Quico.
Apesar de toda a agressividade, o monstro é importante para Quico, que, guiado por uma menina misteriosa chamada Alejandra, busca a única pessoa que poderá ajudá-lo, o Xamã.
Não é um jogo sobre desafios
Uma coisa importante a ser considerada em Papo & Yo é que ele não é feito para ser difícil, desafiador. Na maior parte do tempo, os quebra-cabeças são simples e quase intuitivos, o que pode ser considerado um problema para alguns, mas há de ser reconhecida a criatividade com que os desafios são apresentados. Você nunca sabe o que vai acontecer: qual parte do chão vai se abrir? As casas vão flutuar pelo céu, criar pernas ou se combinar como um grande inseto? De qual parede vai surgir uma escada?
O que de fato destaca Papo & Yo é como todo esse mundo mágico criado pela imaginação de Quico consegue, de maneira simples, ilustrar o que é viver em um relacionamento abusivo. No jogo, o relacionamento entre Quico e seu pai é uma realidade que pode ser equiparada a tantas outras que vemos nos noticiários.
A obra de Vander Caballero ensina uma lição um tanto amarga: muitas vezes não dá pra salvar o monstro que vive conosco. Por mais que a gente queira, ele já passou do ponto em que é possível fazer qualquer coisa para mudá-lo e estamos apenas nos machucando. Às vezes, é necessário deixar o Monstro ir embora e seguirmos sem ele.
Papo & Yo está disponível para PlayStation 3 e PC. Infelizmente não há notícias nem rumores de um lançamento para os consoles atuais.
Revisão: Davi Sousa