Análise: The Hungry Lamb: Traveling in the Late Ming Dynasty (PC): a fome e suas cruéis consequências

Em um período turbulento, um ladrão assume a tarefa de escoltar quatro crianças.

em 03/05/2024
Desenvolvido pela Zerocreation Games e publicado pela 2P Games, The Hungry Lamb: Traveling in the Late Ming Dynasty é uma intrigante visual novel. Com múltiplos desfechos e um contexto de extrema instabilidade social, esta obra apresenta uma trama misteriosa e curiosa, embora com algumas ressalvas.

Quatro crianças vendidas para uma suposta família rica 

A história de The Hungry Lamb se desenrola na China durante o reinado do Imperador Chongzhen, por volta dos anos 1630. Em meio a revoltas internas e invasões sucessivas, a população enfrenta extrema pobreza e sofrimento, agravados pelas pesadas taxações impostas pelo Estado.

Nesse cenário desolador, conhecemos Liang, um ladrão contratado por um comerciante suspeito para escoltar quatro garotas a uma suposta família rica. Embora hesitante no início, ele acaba aceitando a tarefa depois que lhe informam que essas crianças serão adotadas e terão um futuro melhor.

Dentro do grupo escoltado, destaca-se Sui, uma menina enigmática que revela a Liang que esse trabalho não passa de uma fachada e que crianças estão constantemente sendo entregues a um demônio que se disfarça de humano rico para devorá-las. Apesar de inicialmente cético, com o passar do tempo, o homem começa a questionar a possível veracidade dessa informação.

Um mundo prejudicado pela fome

A campanha de The Hungry Lumby se desenvolve por meio de capítulos, revelando gradualmente os passados conturbados de Liang e Sui. Nesse sentido, ambos foram afetados profundamente pela instabilidade da época, a qual os fez perder praticamente tudo o que lhes era importante.

Em mais de uma oportunidade, o título nos apresenta cenários em que inúmeros indivíduos estão sofrendo com a extrema pobreza, o que acaba os levando a recorrer à prática do canibalismo. Além disso, vemos situações em que pais acabam vendendo um ou alguns de seus filhos para garantir a sobrevivência dos demais membros da família.

Um aspecto curioso é que The Hungry Lumby, desde o princípio, faz questão de enfatizar que Liang já cometeu diversos atos questionáveis e que não é nem um pouco confiável. Mesmo que sua vida atual possa ser fruto dos problemas e pesadelos que teve que enfrentar, o jogo não o romantiza e nem lhe concede um final feliz.

O passado de Sui também é triste e completamente destruído pela falta de recursos. O que chama atenção a respeito dessa garota é que seu verdadeiro objetivo é repleto de mistério e só se torna claro nos momentos finais. Ademais, mesmo sendo muito jovem, ela mostra um amadurecimento superior ao das outras três meninas, uma característica que se torna cada vez mais compreensível conforme desvendamos sua história.

Com esse contexto, a narrativa de The Hungry Lamb foca bastante em desenvolver um relacionamento amigável entre os dois protagonistas. Num geral, o enredo é interessante e consegue despertar curiosidade sobre o que de fato pode acontecer com as crianças escoltadas e sobre a veracidade ou não da existência do demônio mencionado por Sui. Além disso, a fome é representada no seu nível mais alto e cruel, o que certamente pode gerar reflexão.

Algumas ressalvas

The Hungry Lamb apresenta quase uma dezena de desfechos distintos, alguns resultando na morte prematura de Liang. Nesse sentido, o sistema de salvamento automático geralmente entra em ação antes de escolhermos uma alternativa que leve ao óbito, o que é muito conveniente por nos permitir retornar imediatamente ao ponto de decisão e explorar outros caminhos.

Outra característica elogiável é o fato do jogo permitir o acesso aos capítulos desbloqueados a qualquer momento, além de possibilitar que o jogador salve ou carregue o progresso quando desejar, tudo isso por meio de um simples menu disponível no canto inferior direito da tela. O título também oferece um registro de todos os diálogos pelos quais passamos e a opção de pular conversas já vistas, o que facilita bastante a busca pelos diversos desfechos.

A despeito desses méritos, um aspecto que deixa a desejar é que algumas artes, embora belas, se repetem bastante em diferentes contextos, o que acaba quebrando um pouco a imersão. Para exemplificar, ao longo da jornada, visitamos pelo menos três cidades distintas, mas os retratos das pousadas em que paramos para descansar são exatamente os mesmos. Esse quadro se torna ainda mais evidente ao completarmos a galeria disponível no menu principal, no qual podemos observar inúmeras imagens idênticas ou com variações mínimas.

No campo sonoro, embora o título apresente uma boa dublagem para a maioria dos diálogos, os sons de fundo e as músicas raramente se destacam, muitas vezes não conseguindo criar a atmosfera de suspense ou sombria necessária para a ocasião. Outro problema é a ausência de legendas em português, algo demasiadamente prejudicial em uma obra que se sustenta completamente em textos.

Por fim, a presença de um protagonista não confiável escoltando crianças em um momento histórico turbulento gera pelo menos duas situações de extrema inquietação e desconforto. É importante ressaltar que o jogo não contém nenhum conteúdo de natureza imprópria e nem dá indícios de que o ladrão tenha intenções ruins; no entanto, algumas poucas falas da dupla principal podem gerar certo receio durante a experiência.

Uma triste realidade que sempre fará parte da humanidade

The Hungry Lamb: Traveling in the Late Ming Dynasty é uma jornada curiosa, inquietante e interessante que aborda um problema que, infelizmente, nunca deixará de existir no mundo. Mesmo com algumas ressalvas, trata-se de um título que vale a pena ser conferido.

Prós 

  • Narrativa intrigante com múltiplos desfechos, explorando dilemas morais e adversidades de um período histórico turbulento;
  • Personagens curiosos envoltos em mistérios;
  • O sistema de salvamento e o fácil acesso aos capítulos desbloqueados são convenientes e facilitam a obtenção de diferentes desfechos;
  • O registro de todos os diálogos e a opção de pular conversas já vistas são úteis e fundamentais em um jogo dessa natureza.

Contras

  • Repetição das mesmas imagens em diferentes contextos, o que prejudica a imersão;
  • Os sons de fundo e músicas não se destacam o suficiente e constantemente falham em criar a atmosfera adequada para algumas situações da narrativa;
  • Em alguns casos pontuais, a presença de um protagonista não confiável em um contexto tão turbulento pode gerar bastante desconforto e inquietação;
  • Ausência de legendas em português.
The Hungry Lamb: Traveling in the Late Ming Dynasty — PC — Nota: 7.0
Revisão: Juliana Paiva Zapparoli 
Análise produzida com cópia digital cedida pela 2P Games

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