Nos últimos anos, muitos jogos independentes têm conseguido se destacar por conta de sua originalidade e suas particularidades, mesmo que essas características sejam estranhas para o grande público. E Dread Delusion traz consigo uma grande carga desses tipos de elementos únicos, que fazem com que o jogador se sinta engajado com seu mundo e os seres em que o habitam mesmo em uma apresentação difícil de digerir.
A apresentação do mundo e a jornada do herói
Assim que iniciamos o jogo pela primeira vez, já somos apresentados ao mundo do jogo através de um cutscene explicando o estado das Oneiric Islands, um arquipélago flutuante no qual se passa a história do game. Nela encontramos diversas facções militares, grupos divididos entre religiões, monstros das mais variadas formas e cidades formadas por trabalhadores, burguesias e cleros.E é nessa configuração que tomamos controle do nosso personagem, um prisioneiro que é chamado para uma missão pelo High Confessor, líder do grupo Apostatic Union, para capturar a mercenária Vela Callose e, assim, conquistar sua liberdade. Logo de cara parece muita informação para um início de jogo, e talvez seja uma tentativa de emular uma narrativa in medias res, ou seja, com várias coisas já acontecendo e deixando a cargo do jogador descobrir e percebê-las à sua volta.
Muito da experiência de Dread Delusion é feita dessa maneira, tanto na história quanto no gameplay, sem segurar o jogador na mão a fim de fazer com que tudo seja compreensível de primeira, mas também sem deixar explicações oblíquas ou subjetivas. Qualquer NPC que se encontra pelo caminho possui diálogos longos e ricos sobre o mundo à volta, sobre eles mesmos e até sobre perspectivas do que o jogador pode fazer ou deixar de fazer.
Imersão é a palavra chave
Isso tudo adiciona uma camada enorme no proveito da história do jogo: é difícil encontrar algum NPC que tenha diálogos repetidos e que muita das vezes só se inclui alguns guardas ou criaturas não hostis. E isso cria um grande ponto à favor da imersão de Dread Delusion que são suas cidades e habitações, nas quais esses personagens não jogáveis vivem. Cada localidade do jogo apresenta um charme único que faz com que tudo pareça vivo. Não é incomum virar uma esquina e ter um mercador que vende produtos duvidosos e conta como chegou até ali, ou um transeunte que explica como ele ama aquele lugar e sente falta da vida antes do conflito conhecido como God War.
Imersão é claramente o objetivo que o estúdio Lovely Hellplace tinha em mente quando planejou o gameplay loop básico de Dread Delusion. Sendo uma espécie de mistura de Action RPG, immersive sim e walking simulator, o jogo precisa desse mundo bem feito para fazer com que seu sistema básico de quests e combate passe de algo simples para algo que o faz ser injustamente comparado com The Elder Scrolls III: Morrowind. O game é bem mais complexo à sua própria maneira para essa simples comparação.
O seu sistema de quests ㇐ junto com a estética no geral, falo disso logo, logo ㇐ é o que talvez traga essa comparação à mesa e é um outro ponto alto do jogo. Durante a jornada para encontrar Vela Callose (o objetivo principal), personagens ao redor desse mundo nos comprometem com missões que variam entre simples fetch quests para recuperar um determinado item, até auxiliar um antigo deus subterrâneo a atingir sua antiga glória. Tudo isso com muito contexto, o que faz parecer que o jogador está lendo algum clássico da literatura de tão bem escrito que seus textos são.
Nem tudo é o que aparenta ser
E apesar do rótulo de Action RPG, a resolução dessas quests em grande parte das vezes tem a possibilidade de ser alcançada apenas com diálogos, sejam eles amistosos ou ameaçadores com os personagens, tudo depende do que o jogador escolher interpretar na hora das suas decisões. Combate em Dread Delusion é um aspecto secundário, apesar de um foco que parece até desnecessário algumas vezes.Logo após toda a apresentação no início do jogo, o primeiro tutorial para o qual somos apresentados é o de combate: ganhamos uma espada, encontramos inimigos (os quais podemos enfrentar diretamente, eliminar através do stealth ou mesmo ignorar), uma arena que nos ensina até ferramentas como o parry.
Nada disso é necessariamente preciso durante o jogo, já que os inimigos são fracos, o combate é levemente raso e não ganhamos experiência os derrotando. Pontos de experiência, na realidade, são adquiridos finalizando quests e achando itens chamados Delusions, os quais encontramos explorando cada canto do mapa, o que faz com que, aqueles que o desejarem, só optarem por combate em momentos pontuais.
Esse é o grande chamariz de Dread Delusion e seu mundo, a forma que cada jogador pode encará-lo é variada e abre margem para a interpretação de gameplay que seja conveniente a cada um. Apesar do combate não ser vital ou mesmo complexo ao ponto de ser satisfatório, me vi engajado em enfrentar todos os inimigos à vista e até desejei que houvesse oponentes mais fortes, como chefões, para coroar um momento de mais fricção e dificuldade.
Mas explorar as Oneiric Islands é algo que compensa ㇐ e muito ㇐ o jogador que pretende se aprofundar no folclore que os desenvolvedores trouxeram com tanto carinho à esse game. Cada pedaço do mapa é único e a narrativa que se dá através do ambiente atiça a curiosidade e traz recompensas para quem tiver paciência e dedicação. Outras coisas fazem a experiência se tornar mais complexa do que deveria e causam até um certo humor involuntário: logo na primeira taverna do jogo, um NPC nos indica explorar a região ao sudeste da ilha, mas o detalhe mora no fato de que até esse ponto não temos nenhuma forma de nos guiar pelos pontos cardeais ainda. Claro que, sem muita demora, conseguimos adquirir itens como bússola e mapas.
Esse é o grande chamariz de Dread Delusion e seu mundo, a forma que cada jogador pode encará-lo é variada e abre margem para a interpretação de gameplay que seja conveniente a cada um. Apesar do combate não ser vital ou mesmo complexo ao ponto de ser satisfatório, me vi engajado em enfrentar todos os inimigos à vista e até desejei que houvesse oponentes mais fortes, como chefões, para coroar um momento de mais fricção e dificuldade.
Exploração que recompensa acompanhada de visuais exóticos
Mas explorar as Oneiric Islands é algo que compensa ㇐ e muito ㇐ o jogador que pretende se aprofundar no folclore que os desenvolvedores trouxeram com tanto carinho à esse game. Cada pedaço do mapa é único e a narrativa que se dá através do ambiente atiça a curiosidade e traz recompensas para quem tiver paciência e dedicação. Outras coisas fazem a experiência se tornar mais complexa do que deveria e causam até um certo humor involuntário: logo na primeira taverna do jogo, um NPC nos indica explorar a região ao sudeste da ilha, mas o detalhe mora no fato de que até esse ponto não temos nenhuma forma de nos guiar pelos pontos cardeais ainda. Claro que, sem muita demora, conseguimos adquirir itens como bússola e mapas.
Um fator muito importante é como essas ilhas se apresentam e a estética de cada uma: começamos o jogo na ilha de Hallowshire, que de forma neutra apresenta o céu bordô icônico do game, o tema medieval com toques steampunk do game e seus conflitos políticos e sociais entre as classes que a habitam. Ao longo da jornada conhecemos também Endless Realm, uma ilha onde seus habitantes nunca morrem ㇐ e isso não é bom ㇐ e Clockwork Kingdom, que com seu tema que puxa o já citado steampunk ao extremo, ainda possui uma das melhores quests do jogo.
Tudo isso nos é apresentado com gráficos feitos que simulam a estética dos games que claramente o inspiraram, e é aqui que também mora a comparação com Morrowind. E não só com esse título, já que as texturas de baixa resolução e com efeitos de wobbling (uma ode à estética presente na geração do primeiro PlayStation) gritam similaridades com King’s Field e Deus Ex. É comum jogadores torcerem o nariz para esse tipo de direção artística, acreditando que seja produto de incompetência, mas aqui adiciona uma aura nostálgica que adiciona em muito à experiência. Meus pêsames à quem descarta o game por esse motivo apenas.
Mas no geral, os pontos negativos de Dread Delusion são pontuais e não trazem uma experiência negativa na hora do gameplay. É normal as músicas ambientes do jogo ficarem em um loop por horas enquanto o jogador continua em uma determinada região, até chegarem a um final e um silêncio acompanhado apenas pelos efeitos sonoros de passos e eventuais espadadas perdurar por um bom tempo, e então a música começar novamente em uma repetição extremamente meditativa, ajudada pelo fato de que as composições combinam com o tema New Age, algo que Vela Callose, a antagonista da história, busca.
Algumas questões técnicas também incomodam: durante todo meu gameplay, o jogo sofreu nos processamento de quadros por segundos e stutters que o faziam travar por longos segundos. Algumas vezes ícones no mapa desapareciam, dificultando o processo de localização pelo mundo. Em outros momentos diálogos de quests surgiam como caracteres fora do padrão, indicando algum erro de programação, como no diálogo com o Inquisitor Ignavius, segundo personagem importante a aparecer durante a jornada, e se fazia perder alguns pedaços importantes da história.
Se você procura um game independente que vai te apresentar um mundo vivo, com tramas que variam de dramas pessoais à comentários políticos e sociais e uma dose certeira de nostalgia que hoje em dia é difícil de ser acompanhada de qualidade, então Dread Delusion talvez seja o jogo para você.
Tudo isso nos é apresentado com gráficos feitos que simulam a estética dos games que claramente o inspiraram, e é aqui que também mora a comparação com Morrowind. E não só com esse título, já que as texturas de baixa resolução e com efeitos de wobbling (uma ode à estética presente na geração do primeiro PlayStation) gritam similaridades com King’s Field e Deus Ex. É comum jogadores torcerem o nariz para esse tipo de direção artística, acreditando que seja produto de incompetência, mas aqui adiciona uma aura nostálgica que adiciona em muito à experiência. Meus pêsames à quem descarta o game por esse motivo apenas.
Nem tudo são são flores nas Ilhas Oníricas
Mas apesar da identidade visual muito forte e importante pro título se destacar, falta um pouco de singularidade aos elementos do jogo, como personagens, localidades e dungeons. Todos cumprem bem o seu papel, mas num mundo tão vasto, fica a impressão de que fora das cidades tudo parece ser o mesmo, sem uma identidade única, o que nos faz até confundir onde certa masmorra, caverna ou castelo ficam. Se não fossem tão parecidos, talvez não mapas ou bússolas não fossem tão necessários, o que é algo que parecia ser parte do objetivo dos desenvolvedores.O Rei de Clockwork Kingdom salienta a originalidade de design do game. |
Mas no geral, os pontos negativos de Dread Delusion são pontuais e não trazem uma experiência negativa na hora do gameplay. É normal as músicas ambientes do jogo ficarem em um loop por horas enquanto o jogador continua em uma determinada região, até chegarem a um final e um silêncio acompanhado apenas pelos efeitos sonoros de passos e eventuais espadadas perdurar por um bom tempo, e então a música começar novamente em uma repetição extremamente meditativa, ajudada pelo fato de que as composições combinam com o tema New Age, algo que Vela Callose, a antagonista da história, busca.
Algumas questões técnicas também incomodam: durante todo meu gameplay, o jogo sofreu nos processamento de quadros por segundos e stutters que o faziam travar por longos segundos. Algumas vezes ícones no mapa desapareciam, dificultando o processo de localização pelo mundo. Em outros momentos diálogos de quests surgiam como caracteres fora do padrão, indicando algum erro de programação, como no diálogo com o Inquisitor Ignavius, segundo personagem importante a aparecer durante a jornada, e se fazia perder alguns pedaços importantes da história.
Não ligue para comparações, experimentar é fundamental
Dread Delusion é um daqueles games que angariam uma grande fanbase escrevendo artigos em wikis, guias e walkthroughs e é extremamente confiante com o que põe na mesa. É comum que existam comparações com títulos como os já citados Morrowind, King’s Field e Deus Ex, e ainda adiciono Dark Souls e Dishonored, os colocando como elementais para que títulos como esse existam, além sucessos recentes obscuros como Lunacid, cujo criador ajudou no desenvolvimento do combate de Dread Delusion. Mas tudo isso por conta da singularidade do título, que é difícil de ser explicada até mesmo em um longo review como esse.Se você procura um game independente que vai te apresentar um mundo vivo, com tramas que variam de dramas pessoais à comentários políticos e sociais e uma dose certeira de nostalgia que hoje em dia é difícil de ser acompanhada de qualidade, então Dread Delusion talvez seja o jogo para você.
Prós:
- Um mundo extremamente rico e vivo, que vai te presentear com imersão à cada esquina.
- Praticamente tudo pode ser resolvido com diálogos.
- Direção artística e visual confiante em sua apresentação singular.
Contras:
- Personagens, principalmente humanoides, poderiam ser mais únicos.
- Combate é basicamente filler.
- Pequenas questões técnicas que precisam de mais otimização de software.
Dread Delusion — PC — Nota: 9.0
Revisão: Juliana Piombo dos Santos
Análise produzida com cópia digital cedida pela DreadXP