C.A.R.D.S. RPG: The Misty Battlefield, como seu próprio nome sugere, é uma mescla de RPG e deckbuilding com um quê de roguellke. Este título da Acquire me chamou a atenção especialmente por seu visual, e, depois da experiência positiva que tive com Shattered Heaven, resolvi me aventurar mais no universo dos jogos estilo deckbuilding.
No entanto, C.A.R.D.S. logo se tornou uma grande decepção. Ele consegue falhar em tudo que propõe em termos de jogabilidade, fazendo com que a experiência seja uma tortuosa sessão de tentativa e erro.
Aquela história genérica que pelo menos 20 RPGs já exploraram
O contexto do jogo gira em torno da Guerra dos 100 Anos, envolvendo 17 países em constantes embates entre si. Certo dia, um dragão negro descendeu do céu e colocou um fim ao campo de batalha — estima-se que pelo menos 1.000 vidas tenham sido perdidas nesse fatídico episódio.
Porém, o Batalhão Clausewitz descobriu que o monstruoso ser alado é na verdade uma quimera criada por Fahftania em conjunto à Brigada Hellmuth. As coisas não acabam por aqui: esse dragão negro precisa de sacrifícios para se tornar a maior arma bélica de todos os tempos, de modo que os demais países jamais sejam capazes de se opor a Fahftania e à Brigada Hellmuth.
Quando a capitã do Batalhão Clausewitz, Vel Dina, é informada sobre o ocorrido, ela decide reunir seus melhores aliados e partir rumo a Fahftania, a fim de destruir a quimera. Infelizmente para esses mercenários, o país já está sob domínio da Brigada Hellmuth — e, pelo caminho, Vel Dina e seus companheiros logo descobrirão que os inimigos que enfrentarão não são inteiramente humanos.
Sim, a história de C.A.R.D.S. é genérica e batida, praticamente explorada (em maior ou menor grau) por outros vários RPGs, renomados ou não, que existem no mercado. O pior de tudo é que o jogo não consegue abordar com profundidade nem sua trama, nem seus personagens, fazendo com que toda a campanha se torne uma experiência rasa do início ao fim — ao menos a Acquire fez um bom trabalho ao traduzir diálogos e interface para o português brasileiro de maneira satisfatória.
Jogável? Nem tanto
Apesar de oferecer uma interessante mescla de gêneros, C.A.R.D.S. consegue falhar em todos eles. Falha como RPG ao trazer pouco desenvolvimento de personagens — apenas Vel Dina tem acesso a habilidades que influenciam o nosso exército —; falha como deckbuilder ao fazer com que o mesmo baralho seja utilizado por todos os bonecos que controlamos; e falha como roguelike por não apostar em características típicas do gênero, como geração procedural de inimigos e mapas — aqui, acredito que única ressalva sejam as cartas e itens obtidos a cada tentativa.
Outro ponto que pesa contra a experiência em si é o fato de a jogabilidade ser extremamente maçante, arrastada e repetitiva. Os campos de combate são gigantescos e as missões, pouco variadas; para piorar, há um desbalanceamento gritante entre os parâmetros dos nossos bonecos e os dos inimigos (especialmente os chefes), independentemente da dificuldade escolhida.
Além disso, o fato de os mapas serem sempre encobertos por névoa — uma característica chamada de fog of war, usada em alguns jogos para propositalmente evitar que as pessoas avancem sem planejar cuidadosamente seus movimentos — só serve para deixar o avanço ainda mais custoso. No fim das contas, a força motriz (no mau sentido) é a “tática” de tentativa e erro: se perdermos nossos personagens, basta memorizar o posicionamento e o tipo de inimigos do estágio.
Já nos embates, não existe nenhum quê de estratégia a não ser torcer para comprar as cartas certas a cada turno e saber quando utilizá-las. Claro, depois de quase nove horas de campanha, seria hipocrisia da minha parte dizer que não me senti desafiada a testar combinações e combos aqui e ali, mas isso veio com um alto preço: não consegui passar do quarto estágio e, sinceramente falando, não sei se quero continuar tentando.
Para não ser tão injusta com C.A.R.D.S., a experiência não é tão punitiva quanto em outros roguelikes, o que pode ser uma porta de entrada para quem não tiver tido uma experiência prévia com o gênero — afinal, a perda do progresso está atrelada apenas ao estágio atual; ainda, não existe existe morte permanente e mesmo a derrota nos concede pontos de experiência para subir de nível e adquirir novas habilidades.
No entanto, é justamente por não existir essa punição em caso de falha, de precisar começar do zero, aprender padrões e experimentar novas táticas e estratégias, que não consigo me sentir motivada a continuar jogando. E repito o que eu disse antes: no fim, a experiência se torna um loop de tentativa e erro.
Visual charmoso de um lado e genérico de outro
Enquanto temos retratos bem-feitos dos personagens durante os diálogos e uma bonita arte em cutscenes, os sprites e design de mapas deixam a desejar. Com exceção de alguns bonecos específicos, como nossos heróis e alguns vilões, todos os outros são genéricos, assim como os mapas, que são pouquíssimo variados e bastante reutilizados.
A trilha sonora também deixa a desejar: os quatro estágios que joguei usam as mesmas faixas durante o avanço e os combates, sendo a única diferente e empolgante a música de batalha contra o chefe da fase (também repetida ad aeternum). De certa forma, só a dublagem integral, tanto em japonês quanto em inglês, salva este jogo no âmbito audiovisual.
Um visual que engana
C.A.R.D.S. RPG: The Misty Battlefield é um produto que tenta se vender com uma embalagem bem-feita e caprichada, mas, de conteúdo, é extremamente superficial e vazio. Ele tenta beber da fonte de um gênero com cada vez mais representantes no mercado, mas falha em trazer uma experiência satisfatória e envolvente.
Em suma, é difícil recomendar este título sem que antes seja feito, no mínimo, um balanceamento na dificuldade dos combates. Inimigos extremamente fortes logo no início da campanha nos forçam não a buscar novas estratégias para vencê-los, mas sim a desistir do jogo por completo.
Prós
- Artes bem-feitas, com direito a retratos dos personagens principais durante os diálogos;
- Boa dublagem de personagens, tanto em inglês quanto em japonês;
- Opção de textos e interface em português brasileiro;
- Ótimo trabalho de localização de diálogos para nosso idioma;
- Apesar de ser um roguelike, não é tão punitivo, podendo ser uma porta de entrada para quem não tem tanta familiaridade com o gênero, mas com certas ressalvas.
Contras
- Sprites genéricos e level design preguiçoso, com vários estágios usando os mesmos mapas em sequência;
- Trilha sonora escassa, com faixas que são repetidas incansavelmente;
- Ausência de elementos de RPG e estratégia, em especial com um único baralho sendo aproveitado por todos os personagens que controlamos;
- Falha em proporcionar uma experiência satisfatória nos três gêneros que tenta abordar;
- Os inimigos são extremamente fortes logo no início da campanha, gerando um desbalanceamento injusto entre nossas unidades e eles;
- A experiência geral se baseia em tentativa e erro.
C.A.R.D.S. RPG: The Misty Battlefield — PC/PS4/PS5/Switch — Nota: 5.0Versão utilizada para análise: PC
Revisão: Davi Sousa
Análise produzida com cópia digital cedida por Acquire