Caso seja a primeira vez que acessa nossa série, sinta-se à vontade e junte-se a nós para aprendermos, juntos, a criar games utilizando a ferramenta Unity. A partir do primeiro tópico, abordamos desde a instalação e configuração da ferramenta até o desenvolvimento de fato de um game. Aspectos importantes, como a criação de cenas e fases, além da codificação de scripts controladores, são abordados de forma prática e acessível, mesmo para quem não tenha experiência prévia em desenvolvimento de jogos.
No tópico anterior da série, começamos a analisar as diferenças entre o desenvolvimento de jogos bidimensionais e os que adotam ambiente tridimensional, em relação ao conceito de dimensões, polígonos e modelos. Prosseguiremos neste processo de assimilação dos conceitos. Venha conosco e vamos juntos nesta caminhada rumo a novos conhecimentos!
Estilos de câmera
Um dos tópicos mais importantes a serem observados no desenvolvimento de jogos 3D é o sistema de câmeras adotado, justamente por ele ser um dos fatores responsáveis por transmitir ao jogador o senso de profundidade que distingue os games ambientados em mundos tridimensionais dos tradicionais jogos em 2D.
Dentre as características que envolvem a escolha do sistema de câmeras de um jogo, uma das mais relevantes é o ponto de vista que será adotado na visualização da imagem. Dependendo do tipo de jogo e do nível de liberdade de controle visual que se quer conceder ao jogador, são utilizados diferentes estilos de posicionamento da câmera. A seguir, vamos ver alguns dos estilos mais comumente utilizados em jogos de diferentes gêneros:
Visão em terceira pessoa
Os games que utilizam sistemas de câmera com visão em terceira pessoa são aqueles que permitem a visualização tanto do cenário (e dos elementos que o compõem) quanto do personagem que está sendo controlado. É um dos estilos de visualização mais utilizados pois permite uma enorme flexibilidade na abordagem de exibição dos desafios de um jogo.
Embora estejam classificados em uma mesma categoria de perspectiva visual, são bem visíveis as diferenças entre as abordagens que podem ser adotadas na elaboração de um jogo que utilize câmera com visão em terceira pessoa, sobretudo em relação à técnica escolhida.
Câmera fixa
Em jogos que adotam funcionalidade de câmera fixa, como as primeiras iterações das séries Resident Evil e God of War, os personagens transitam livremente dentro do espaço delimitado da cena em questão, porém a câmera não acompanha necessariamente o personagem principal em seus movimentos, permanecendo fixa em relação a um ou mais eixos do cenário tridimensional (horizontal, vertical ou profundidade).
Ao se trocar de cenário, seja por entrar em um corredor ou em uma sala, outra câmera é ativada, conforme podemos observar na ilustração a seguir:
Essa abordagem de visualização pode ser utilizada propositalmente para surtir efeitos de tensão, gerados tanto pela troca repentina de câmeras quanto pelo efeito de “distanciamento” do jogador com o personagem, notável, por exemplo, nos momentos em que o elemento controlado se distancia da tela de jogo.
Tracking
Já jogos que utilizam câmeras em modo tracking são aqueles em que, enquanto há a movimentação dos personagens livremente pelos cenários, a câmera acompanha o personagem principal de forma constante a uma determinada distância, geralmente “por trás” do protagonista da aventura. Games como Crash Bandicoot, para PlayStation, são famosos por utilizar esse esquema de câmeras.
Embora de certa forma seja um sistema simples de ser implementado, ao se desenvolver jogos utilizando o sistema de câmeras em modo tracking é preciso tomar cuidado para que elementos como paredes não bloqueiem a visão do jogador.
Câmera interativa
Por fim, jogos que utilizam um sistema de câmera interativa são aqueles em que os personagens são acompanhados pela câmera a determinada distância, porém há maior dinamicidade em seu comportamento, com ajustes automáticos relacionados ao ângulo em que se observa a cena e à distância da câmera ao personagem controlado.
Inúmeros gêneros de jogos utilizam esse tipo de câmera, sendo que alguns ainda permitem que o jogador realize ajustes manuais em seus parâmetros, para melhorar a visibilidade da aventura em questão. Um dos primeiros jogos aclamados por público e crítica a adotar esse estilo de câmera é Super Mario 64, referência até hoje nesse quesito.
Jogos de simulação de esporte coletivos, como os da série FIFA, permitem desde suas primeiras versões tridimensionais a escolha de diferentes ângulos de câmera, permitindo ajustar a área de visão na tela da forma que o jogador julgar mais conveniente, melhorando assim o controle dinâmico de diversos personagens simultaneamente.
Visão em primeira pessoa
Nos jogos que adotam um sistema de câmeras com visão em primeira pessoa, a câmera é posicionada de forma a fornecer ao jogador a mesma visão que o personagem principal teria dentro do ambiente virtual do game.
É um dos estilos de visualização mais imersivos ao jogador, pois permite uma visão ampla do cenário, dos objetos e dos desafios que ele deverá enfrentar. Normalmente é o estilo adotado em jogos de realidade virtual, como em Iron Man VR (PS4), pois nesse tipo de jogo é essencial que o jogador sinta-se dentro da aventura.
Uma preocupação a se levar em conta ao se adotar visão em primeira pessoa é em relação ao controle da câmera, pois nem sempre é possível saber de antemão qual será o “foco de atenção” do jogador. Por isso, na maior parte das vezes, jogos com visão em primeira pessoa deixam o jogador controlar livremente a câmera por meio do mouse, no caso de games para computadores, ou utilizando os analógicos, em jogos voltados para consoles.
Dentre os gêneros que utilizam esse tipo de perspectiva de câmera, um dos mais famosos são os first-person shooters, mais conhecidos pela sigla FPS. Games famosos, como Halo, para Xbox, e Quake II, usam essa mecânica para permitir ao jogador controles apurados e liberdade de movimentação e visualização.
Abordagens mistas
Para permitir que o jogador aproveite os desafios de um game da forma que desejar, seja com maior ou menor grau de imersão ou de controle, alguns jogos permitem que haja a escolha explícita por parte do jogador de qual tipo de câmera ele quer utilizar.
Gran Turismo, para o primeiro PlayStation, por exemplo, permite que as corridas sejam aproveitadas com a câmera com visão em primeira pessoa ou em terceira pessoa, em modo tracking.
Outros games de outros gêneros também adotam essa perspectiva mista ao realizarem a troca de estilo de câmera quando o jogador alcança algum boss, por exemplo.
Estilos de controle
Diferentemente do que ocorre com os jogos bidimensionais, que envolvem majoritariamente movimentos para os lados ou no sentido vertical, a adição do senso de profundidade aos jogos 3D acaba por aumentar a complexidade do controle de movimentação de personagens, exigindo do desenvolvedor pensar sobre qual esquema de controles é o mais adequado a determinada situação.
Dentre os diferentes estilos de controle que podem ser adotados, dois são diametralmente opostos em relação ao ponto de referência que será levado em conta ao se realizar movimentações.
Tank controls
No estilo de controle conhecido pela expressão em inglês tank controls (controle “tanque”), o controle da movimentação realizada pelo jogador tem como referência a visão do personagem controlado, e não da câmera.
Quando o jogador aciona, por exemplo, o comando “para frente” em seu teclado ou joystick, o movimento para frente será realizado na perspectiva do personagem, ou seja, na direção a qual “seus olhos” estiverem observando. Já quando o jogador aciona um comando “para os lados”, o personagem realizará uma rotação no sentido indicado (para a esquerda ou para a direita). A seguir, ilustração das ações realizadas sobre um personagem de um jogo utilizando tank controls:
O nome tank controls deriva desses comportamentos, que são bem semelhantes ao controle real de um tanque de guerra.
No início da popularização de jogos em ambientes tridimensionais, era mais comum encontrar jogos de destaque que utilizassem esse esquema de controles, tais como os primeiros jogos das séries Resident Evil e Tomb Raider.
Um dos fatores que levava a esse tipo de implementação era o fato de que nem todos os consoles da época apresentavam controles analógicos em seus controles padrão, o que dificultaria a correta indicação do sentido de deslocamento a ser realizado pelos personagem em um cenário 3D.
Porém, trata-se de um esquema pouco intuitivo de controle, justamente por trazer uma carga extra de processamento mental ao jogador, que deve se atentar para qual sentido determinado personagem “está olhando” antes de se realizar o comando de movimentação pretendido.
Controle livre
Já no estilo de controle livre a movimentação realizada pelos personagens nos cenários é efetuada tendo como referencial a visão da câmera, e não a do personagem, como é o caso de jogos que utilizam tank controls.
Quando o jogador aciona, por exemplo, um comando para que o personagem caminhe para frente, o conceito de “frente” refere-se ao que o jogador vê como “frente” na tela de jogo. Da mesma forma, ao se acionar um comando para ir para um dos lados, o personagem não realiza apenas a rotação para se movimentar, mas sim o movimento efetivo para aquele lado da tela, respeitando as regras impostas dentro do jogo, tal como, por exemplo, não permitir que um carro ande “de lado” ao se acionar o comando para tal.
Embora bem mais intuitivo do que o outro método de controles, é preciso uma especial atenção na combinação entre o estilo de câmera utilizado e os controles implementados, pois a efetiva movimentação vai depender, também, de a câmera estar exibindo o jogo em um ângulo de visão adequado.
Outra preocupação é em relação aos controles que o jogador tem à disposição para controlar tanto a câmera quanto a movimentação do personagem. No campo histórico, esse é um dos motivos que fizeram certos gêneros de jogos se popularizarem mais cedo nos computadores do que nos consoles, como é o caso dos FPS, que, durante muito tempo, eram bem melhor controláveis pelo jogador utilizando teclado e mouse do que por meio de um gamepad padrão, sem analógicos.
Próximos passos
Em nosso próximo encontro, iremos concluir a contextualização sobre os fatores que diferenciam o desenvolvimento de jogos 2D dos ambientados em cenários tridimensionais. Iremos analisar fatores que, se não ajustados, podem impactar negativamente a performance de um jogo 3D e conheceremos, também, algumas fontes de conteúdo multimídia que podem servir como base para enriquecermos nossos novos projetos tridimensionais.
Nosso próximo texto já encontra-se disponível, continue conosco nessa jornada de conhecimento e fique ligado sempre aqui no GameBlast!
Revisão: Ives Boitano