Para cada Nobuo Uematsu e Koji Kondo, existem diversos outros compositores que não têm seus nomes associados ao êxito de seus lançamentos. E entre eles, há uma cultura que invisibiliza nomes de mulheres que foram pilares para o sucesso dos games como os conhecemos hoje. E nas conversas que tratam sobre videogames serem uma forma de arte ou não, está presente o indiscutível aspecto musical dessa mídia.
Compositoras sem nome numa época remota
As trilhas sonoras dos jogos são parte fundamental da experiência e hoje em dia é impossível pensar em como alguns clássicos seriam sem suas inesquecíveis canções, como Final Fantasy e The Legend of Zelda.
Eu sei que você imaginou uma certa música ao ver essa imagem. |
Em 1986, a Konami mantinha sua produção para consoles a todo vapor, juntamente com o sucesso explosivo do Nintendo Entertainment System no ocidente. Entre seus títulos de maior sucesso estava Castlevania, o game que era uma homenagem aos filmes clássicos de horror de Universal e Hammer Studios lançados durante a primeira metade do século passado.
A trilha sonora arrebatou a cultura gamer de tal forma que suas faixas continuam a ser rearranjadas até hoje em outros jogos da franquia e até mesmo em animes. O compositor creditado pela Konami — que naquela época protegia seus desenvolvedores dessa forma — foi James Banana, um trocadilho com James Bernard, musicista que trabalhou no clássico Dracula, de 1958. Fato é que o crédito era um pseudônimo de duas compositoras: Satoe Terashima e Kinuyo Yamashita.
Terashima ao piano, instrumento principal de várias compositoras. |
Dividindo o crédito pela trilha sonora estava Kinuyo Yamashita, responsável pela também inesquecível “Wicked Child”. Yamashita, assim como Terashima, era uma recém contratada da Konami e que usou todas as suas inspirações que iam desde Chopin até a trilha de Mother, do próprio NES, para compor o que seria sua marca na história. Depois de se tornar uma artista freelancer, ela ainda compôs trilhas para Mega Man X3 e Medabots.
Konami nos seus tempos de ouro
Porém, o principal nome da Konami durante os anos de ouro da empresa foi o de Michiru Yamane, uma das mais prolíferas compositoras do “gênero”. Embora seu nome inicialmente só tenha sido creditado à títulos menores, logo depois de sua entrada na empresa ela contribuiu para as trilhas de clássicos da geração 16-bits, como Vendetta, Contra: Hard Corps e The Rocket Knight Adventures, mostrando domínio sobre o lendário chip de som Yamaha Y2612.
Igarashi, Yamane e Kojima, o trio responsável pela aventura de Alucard. |
Após o sucesso deste capítulo da franquia, ela ficou responsável pela trilha de todos os Castlevanias seguintes, até sua saída da empresa em 2008. Seu currículo ainda inclui composições e contribuições para Winning Eleven, Suikoden III e IV, Rumble Roses e até Metal Gear Solid 4. Depois de se tornar uma freelancer, ela participou de trilhas para Skullgirls, Bloodstained: Ritual of the Night — reeditando sua parceria com Igarashi — e tocando em concertos ao redor do mundo com performances que abrangem seus anos de ouro.
Capcom, Square Enix e seus pilares formados por mulheres
Foi também na Capcom que o definidor do gênero dos jogos de luta surgiu, Street Fighter II, e com ele uma das trilhas sonoras mais importantes e conhecidas dos games e que foi composta por Yoko Shimomura, uma lenda na indústria e que até hoje se mantém em projetos relevantes. A compositora de temas inesquecíveis — como os dos estágios de Ken e Guile — teve um início modesto na empresa: depois de já ter trabalho como professora de música e tendo videogames como um de seus hobbies durante sua graduação, decidiu se candidatar à vagas em várias empresas, entre elas a Capcom.
Shimomura também deu vida a trilha de Final Fantasy XV. |
Na virada de milênio, mesmo com a apreensão da responsabilidade que teria em mãos, Shimomura viu outro grande sucesso surgir em sua carreira no lançamento do primeiro Kingdom Hearts, que contou com reedições de temas clássicos, como “Under the Sea” de A Pequena Sereia e “This is Halloween” de Nightmare Before Christmas. A franquia que misturava os universos de Disney e Square Enix ainda recebeu um verdadeiro clássico de autoria de Shimomura, “Dearly Beloved”.
Ao sair da Square Enix, em 2003, ela continuou sua carreira como freelancer, ainda trabalhando em Kingdom Hearts, mas também em projetos da Nintendo, como na franquia Mario & Luigi e no novo RPG da empresa, Xenoblade Chronicles. Ela também trabalhou como arranjadora de trilhas sonoras de outros games, na composição de trilhas de animes e até lançou uma coletânea em 2008 dos seus melhores temas para comemorar suas duas décadas de carreira, até então.
Nintendo e o protagonismo em suas trilhas memoráveis
Antes disso, Hamano já havia criado a trilha de outro clássico da Nintendo, The Legend of Zelda: Link’s Awakening. O capítulo da franquia que veio logo após o antológico A Link to the Past é uma showcase do que o Game Boy original é capaz e possui músicas que estão entre preferidas dos fãs, como “Ballad of the Wind Fish”. Depois de muitos anos de carreira, ela possui um cargo de coordenadora de som na Nintendo no qual se mantém até hoje.
Atualidade, futuro e o fim da invisibilidade
Hamano é mais uma compositora que prova ser verdadeira essa longa tradição de mulheres que sustentam a história dos jogos japoneses até hoje. E não para com ela. Outro grande exemplo de que veremos mais e mais exemplos marcantes pela frente é Yuka Kitamura, compositora que esteve por mais de 10 anos a cargo da criação de temas na From Software.
Essa listagem poderia ter pelo menos o dobro de parágrafos se fôssemos incluir tantas outras compositoras que trabalharam em trilhas consagradas dos games. Se incluísse musicistas de outros países, sobretudo ocidentais, esse texto jamais teria fim. Mas graças à internet e à pesquisa de nomes que muitas vezes antes não entendíamos ou nem víamos ao pular as telas de créditos, lembrar de alguns ícones que por muitas vezes passavam em branco é garantir uma memória de todas essas artistas.
Kumi Yamaga, Manami Matsumae, Tamayo Kawamoto, Harumi Fujita, Junko Tamiya: o time de mulheres que comandava as trilhas sonoras da Capcom na década de 80. |
Revisão: Juliana Piombo dos Santos