De tempos em tempos, novas tendências surgem no ramo do entretenimento televisivo. Uma delas foi o surgimento e a popularização dos reality shows a nível mundial, entre o final da década de 1990 e o início dos anos 2000. O gênero caiu nas graças do público por meio de programas como o norte-americano Survivor (1997) e o holandês Big Brother (1999), e seria apenas uma questão de tempo até a importação do conceito para o Brasil.
Investindo nesse filão de sucesso, diversas emissoras resolveram lançar reality shows em suas grades de programação na época. A Rede Globo, por exemplo, estreou a versão nacional de Survivor (No Limite) em julho de 2000 e o SBT, por sua vez, colocou no ar o programa Casa dos Artistas em outubro de 2001.
Percebendo a boa aceitação do público, que batia recordes de audiência ao acompanhar esse tipo de programa na TV, a Rede Globo resolveu dobrar a aposta, adquirindo a licença do Big Brother para ser exibido em território nacional. Dessa forma, em janeiro de 2002, surgiu o programa Big Brother Brasil, que instantaneamente tornou-se uma febre entre os telespectadores, mesmo que sob críticas da imprensa especializada.
Tentando aproveitar ao máximo a repercussão alcançada, a emissora resolveu capitalizar o sucesso preparando diversas ações de marketing e de comercialização de produtos derivados. Uma das ações encomendadas pela empresa para aproveitar a popularização do BBB foi a produção do jogo Big Brother Brasil (PC), desenvolvido pelo estúdio Continuum Entertainment, de Curitiba-PR.
No game Big Brother Brasil, o jogador escolherá um dentre 12 participantes fictícios a ser controlado dentro de um ambiente de confinamento em uma casa virtual. O objetivo do game, assim como o de sua contraparte da vida real, é fazer com que o participante chegue à final do programa e fature o grande prêmio de quinhentos mil reais.
Para alcançar essa meta, o jogador deverá realizar interações entre o personagem escolhido e os demais, tentando evitar que seja indicado ao “Paredão” pelos outros postulantes ao prêmio (“Paredão” é o termo utilizado no universo do programa para o processo de eliminação, em que dois ou mais participantes podem ser votados pelo público para saírem da casa).
Uma inteligência artificial, assumindo o papel do público externo, escolhe, uma vez por semana, um participante dentre os indicados ao Paredão a ser eliminado do programa, afunilando cada vez mais a disputa. Essa decisão leva em conta a popularidade de cada participante, que é influenciada pelas ações tomadas dentro do jogo.
A implementação do game é em estilo point and click, bastando apontar e clicar o mouse sobre os locais da casa para onde se queira deslocar seu personagem, clicar sobre outros participantes do reality para realizar interações, ou clicar sobre elementos do cenário, como sofás, piscina ou fogão, para simular ações como descansar, cozinhar, nadar, dentre outros.
Por falar em interações, nesse quesito o jogo é bem fiel ao comportamento dos participantes de reality shows como o BBB. São disponibilizadas diversas opções de ação, tais como conversar com outros personagens, dançar, flertar e até mesmo xingar, beijar e combinar votos contra outros oponentes.
Todas as ações realizadas podem influenciar em três conjuntos de parâmetros, essenciais para o avanço do jogador na sequência do game:
- Níveis das características do personagem principal: alterações em níveis de fatores como aceitação, motivação, energia, alimentação e higiene podem impactar nas ações que poderão ser realizadas e no relacionamento com os demais personagens;
- Níveis de relacionamento com outros personagens: trata-se de uma pontuação relativa a cada relacionamento, que pode ir de zero a mil pontos. Dependendo de como se desenrolam as interações, os níveis de relacionamento poderão subir bem, gerando boas amizades (até mesmo namoros), ou degringolar de vez, a ponto de dois personagens se tornarem, oficialmente, desafetos dentro do jogo; e
- Nível de popularidade junto ao público: atualizado a cada ciclo diário, é essencial ser mantido em bons patamares pois, caso o personagem encare alguém mais popular em um “paredão”, acabará tendo maiores chances de ser eliminado.
O jogo se estrutura em ciclos semanais de ações a serem realizadas, sendo que, por padrão, cada “dia virtual” dura três minutos reais. Assim como se acompanha na vida real pela TV, são realizadas atividades como a Prova do Líder, a votação do indicado pelos participantes da casa e o temido Paredão.
A ambientação visual da casa é em estilo isométrico, não exigindo muito do computador do gamer mesmo para os padrões da época.
Simulação social
É clara a inspiração dos desenvolvedores em um dos grandes sucessos para PC lançados na virada do século: o jogo The Sims, da desenvolvedora Maxis.
Alguns dos elementos de simulação social presentes no título da Maxis também são representados na obra brasileira, como as ações que podem impactar nos atributos dos personagens e os relacionamentos entre eles. Também é semelhante a apresentação gráfica dos jogos e a própria temática abordada.
Apesar das semelhanças, The Sims apresenta bem mais profundidade em aspectos técnicos e relacionados à simulação social do que o título nacional. No jogo brasileiro, há bem pouca variedade de ações dos personagens, ambientes e itens, comparativamente ao game da Maxis.
Além disso, em Big Brother Brasil existe uma meta (chegar ao final do programa e faturar o grande prêmio), diferentemente de The Sims, e as atividades propostas são mais direcionadas aos aspectos do programa de TV, como a realização de determinadas tarefas que fazem parte do jogo na vida real.
Duas semanas de luta
Em entrevista ao portal UOL, Alexandre Vrubel (coordenador de projetos da Continuum Entertainment à época) falou sobre os desafios enfrentados no desenvolvimento do jogo oficial de Big Brother Brasil.
Ele conta que o prazo dado ao estúdio para o desenvolvimento completo do game foi de apenas duas semanas, visando terem o jogo pronto a tempo de ser entregue antes da final do programa de TV.
Para cumprir um prazo tão curto, além de chegarem a trabalhar mais de 14 horas por dia em determinados momentos do ciclo de desenvolvimento, a equipe de criação do jogo contou com a sorte de já estarem com outro jogo em processo de desenvolvimento também baseado em um reality show: no caso, tratava-se do game No Limite (PC).
Foi possível, então, reaproveitar modelos de participantes virtuais do outro projeto, além das dinâmicas de votação e outros desafios que eram comuns a ambos reality shows. Além disso, outro fator que possibilitou a conclusão do projeto com êxito foi a experiência da equipe, responsável anteriormente pelo desenvolvimento do jogo de estratégia em tempo real Outlive.
Da TV para os games
O desenvolvimento de jogos baseados em programas de sucesso da TV não era uma novidade em 2002. Desde os anos 1980, games como Wheel of Fortune (NES) permitiam aos jogadores se divertirem com os desafios que estavam acostumados a acompanhar pela telinha. No Brasil, já haviam sido lançados, por exemplo, jogos para Mega Drive e PC baseados no programa Show do Milhão, apresentado por Silvio Santos.
Porém, assim como existem grandes diferenças entre gêneros de jogos eletrônicos, a mesma situação é observada em relação aos gêneros de programas de televisão. Enquanto Wheel of Fortune e Show do Milhão são game shows, mais facilmente replicáveis por um jogo eletrônico justamente por suas estruturas de regras e de interação, reality shows apresentam características únicas.
Em geral, nesse tipo de programa, os participantes acabam por ter de se enfrentar para garantir sua permanência no jogo, seja por escolha direta do público, por votação entre os participantes ou por outros meios. Levam-se muito em consideração fatores sociais, como convivência entre participantes, aptidão física e mental para realização de provas, formação de alianças, dentre outros, que são bem mais complexos de se simular e implementar com qualidade em um jogo eletrônico.
Esses fatores, associados ao curtíssimo prazo de desenvolvimento dado à equipe, demonstram a ótima capacidade técnica e de resolução de problemas que o time de desenvolvimento brasileiro apresentou ao criar a adaptação do programa de TV para um game, mesmo que de forma simplificada.
Repercussão e legado
Em relação ao estúdio de desenvolvimento, depois de Big Brother Brasil, a Continuum Entertainment elaborou mais alguns jogos com ênfase em adaptações de programas e de filmes nacionais, como o já citado No Limite (PC) e Xuxa e os Duendes 2 - No Caminho das Fadas (PC). Em 2009, a empresa acabou por fechar as portas.
Sobre a atração televisiva, após a febre inicial do formato (em 2002, chegaram a ser exibidas duas edições de Big Brother Brasil), mesmo passando por uma fase de menor repercussão na década de 2010, manteve-se exibida de forma anual na grade de programação da Rede Globo, sendo considerado atualmente um sucesso de público.
A repercussão do desenvolvimento de uma versão jogável do BBB foi boa. Posteriormente, a Rede Globo solicitou a criação de novas adaptações de seu programa para dispositivos mobile (Meu Big Brother, 2005) e em formato de MMORPG (Big Brother Brasil 3D Online, 2010), porém estas foram desenvolvidas por outras empresas.
Embora possa ser considerado por alguns como um simples advergame, a adaptação de Big Brother Brasil para PC pôde mostrar na prática que existem abordagens interessantes a serem trilhadas para associar obras de apelo popular, como programas de televisão, às potencialidades de interação e imersão que os games podem oferecer, visando aumentar o engajamento do público.
Revisão: Ives Boitano
Referências: Start UOL, jogosdaqui