Originalmente lançada em 2020, OshiRabu: Waifus Over Husbandos é uma das primeiras produções da SukeraSomero, a empresa-irmã da SukeraSparo. Para ser sincera, o primeiro contato que tive com as obras dessas desenvolvedoras foi com The Curse of Kudan e depois pulei para LipTrip.
Porém, dado o saldo positivo nas diferentes abordagens de amor nessas visual novels, é claro que eu não podia deixar OshiRabu de lado — e spoiler: temos aqui mais um ótimo título na demografia girls love.
Waifu? Husbando? Quê?
Akuru Hayahoshi, no auge de seus 27 anos, é obcecada por jogos mobile (mobages), mas, para além disso, ela é uma moça que tem obsessão em homens 2D, aos quais ela se refere por husbandos (uma pronúncia corrompida em japonês da palavra husband, marido, em inglês). Boa parte de seu salário como funcionária do hotel em que trabalha vai para o sistema de gacha de seu atual jogo favorito, Kensho, na esperança de conseguir novas cartas de seu husbando, Kohee Akiyama, apelidado por ela de Kohee-kun.
No entanto, a protagonista é extremamente azarada no gacha: mesmo depois de investir uma grande quantia tentando obter uma arte limitada de Kohee, ela não consegue o bendito prêmio na roleta. A obsessão pelo husbando faz com que até mesmo Shino Nishiki, a melhor amiga de Akuru, se preocupe com as despesas da moça, mas nada consegue aplacar esse vício.
Quando estava prestes a cometer a besteira de gastar mais dinheiro com o Kensho, a protagonista é surpreendida por uma comoção anormal na cafeteria e, curiosa, vai atrás do motivo. É neste momento que Akuru conhece Ren Furutachi, uma estudante na faixa dos 16 ou 17 anos, que é praticamente a encarnação da sorte.
Nossa heroína decide então, mesmo que sem jeito, pedir a ajuda de Ren para girar a roleta no Kensho — afinal, vai que a garota consegue a tão desejada edição limitada de Kohee-kun. Para sua surpresa, a estudante sortuda consegue realizar esse feito, deixando Akuru em um estado de êxtase e incredulidade, a ponto de desligá-la da realidade para admirar a cartinha de seu husbando.
É nesse momento que a protagonista desfere as palavras “Quero me casar com você!”, originalmente direcionadas a seu amado rapaz 2D, porém Ren entende que Akuru estava se declarando para ela. Graças a esse mal-entendido, tem início um jogo de “gato e rato”, como a própria desenvolvedora descreveu, em que a estudante fará de tudo para que Akuru veja Ren como sua waifu (também uma pronúncia corrompida em japonês, agora da palavra wife, esposa, em inglês).
A princípio clichê, mas com muitas interpretações nas entrelinhas
De mal-entendido em mal-entendido, Akuru e Ren passam a viver juntas, desencadeando uma história que lembra as comédias românticas lançadas no Japão no início do século XXI. No entanto, mesmo que OshiRabu se apoie em clichês narrativos típicos do gênero em questão, essa relação entre as duas garotas consegue trazer diferentes pontos de vista sobre o que é o amor.
De um lado, Ren é assumidamente lésbica e está disposta a fazer de tudo para que Akuru a assuma como namorada; do outro, temos a protagonista, que não alimenta nenhum tipo de desejo por homens ou mulheres 3D (isto é, pessoas reais), dedicando toda a sua energia aos produtos relacionados a Kensho, em especial os de Kohee-kun. A bem da verdade, a única pessoa com quem Akuru consegue se relacionar relativamente bem é Shino, já que as duas são amigas de infância e nutrem o mesmo tipo de hobbies, em especial os quadrinhos amadores (doujinshis) envolvendo personagens fictícios.
É óbvio que Ren não gosta nada dessa proximidade entre sua amada Akuru e Shino — e menos ainda da obsessão de sua waifu pelos homens 2D dos jogos —, transparecendo insatisfação e ciúme a quase todo momento. Em suma, Ren pode ser lida como a típica “garota mimada que quer ter o que deseja”, um estereótipo bastante comum, às vezes beirando o irritante.
Já Akuru parece ser a típica personagem densa e que não liga para nada ou ninguém que não esteja dentro do seu radar de interesses, sendo que um relacionamento com outra pessoa de carne e osso não faz parte deles. Contudo, essas duas personalidades extremamente opostas podem ser lidas como máscaras que escondem quem essas duas personagens são de verdade, abrindo margens para interpretações nas entrelinhas.
Do meu ponto de vista, é difícil não interpretar Akuru como sendo uma pessoa assexual e arromântica, isto é, com pouco ou nenhum interesse em relações sexuais e românticas com outras pessoas, respectivamente. Digo isso porque também me encaixo nessas duas classificações e muito do comportamento de Akuru eu também pratico, especialmente a pouca vontade de abraçar ou segurar a mão da minha namorada.
É justamente nesse aspecto que posso dizer que OshiRabu, por mais que seja uma comédia romântica do início ao fim, consegue tratar temas sensíveis e atuais de uma maneira leve, bem-humorada e, acima de tudo, respeitosa. Além disso, dado o histórico de SukeraSomero e SukeraSparo em tentar quebrar estereótipos dentro da demografia girls love — mas que também poderiam estar presentes em outras —, não duvido nada de que o charme do jogo em questão seja essa interpretação nas entrelinhas.
Em suma, temos aqui uma trama em que o “jogo de gato e rato” é só a pontinha do iceberg, e, durante a leitura, conhecemos Akuru e Ren com todas as suas qualidades e defeitos. Em outras palavras, OshiRabu é uma visual novel que se esforça para trazer um debate sobre amor romântico, isto é, o amor “convencional” imposto pela sociedade (interpretado por Ren), e o amor platônico (vivido por Akuru), que não depende de toques e relações sexuais para se sustentar.
A exploração desse tema é ainda mais interessante quando colocamos em pauta o cenário extra (disponibilizado apenas fora do Steam como um patch que adiciona as cenas 18+ ao jogo base), uma espécie de epílogo para OshiRabu. Se interpretarmos que Akuru é de fato uma personagem assexual, vê-la tendo sua primeira experiência sexual com Ren é algo ainda mais satisfatório, especialmente quando outras pessoas dentro desse espectro do guarda-chuva LGBT+ podem se ver na protagonista — eu inclusa aqui, por exemplo.
De toda maneira, mesmo sem esse conteúdo extra que explora a sexualidade das duas personagens, a visual novel é bastante satisfatória e quase uma leitura obrigatória para quem gosta de histórias que fogem um pouco do convencional, mesmo que tentem ser convencionais. Acho que deu para entender, né?
Por fim, embora esta seja uma VN linear, isto é, sem escolhas que afetam o final da trama, existem três momentos em que devemos escolher uma das duas opções que aparecem na tela. Todos os três desfechos são positivos, isto é, com Akuru e Ren assumindo um relacionamento, mas apenas um deles pode ser interpretado como o final “verdadeiro” — os outros dois servem mais para desbloquear algumas CGs.
Agradável também no audiovisual
Como as demais visual novels de SukeraSparo/Somero, OshiRabu traz excelência no design de personagens, assinado por DSmile, que também fez ilustrações para Azur Lane e Genshin Impact, entre outros mobages de sucesso, com destaque para as CGs. Além disso, as personagens contam com uma ótima dublagem em japonês, transmitindo ainda mais veracidade aos sentimentos que expressam.
Ainda que, na minha opinião, pudesse trazer um pouco mais de variedade nas faixas, a trilha sonora complementa bem a ambientação da trama, reforçando os momentos tanto de comédia quanto de drama e romance. Então, no quesito audiovisual, a visual novel é extremamente bem-trabalhada, com direito a uma interface limpa e de fácil navegação.
Também temos aqui todas as ferramentas de qualidade de vida para um bom aproveitamento da leitura, como velocidade de texto, passagem automática dos diálogos e opacidade da janela. Curiosamente, a opção de skip só pode ser ativada a partir do momento em que conseguimos um dos finais da história, mas ela também existe.
A única ressalva é que o texto em inglês, além de alguns deslizes de digitação, sofre com uma diagramação precária em duas ou três passagens específicas, nas quais o trecho não é mostrado por inteiro na janela de diálogo — provavelmente devido ao fato de que o texto em inglês ultrapassou o limite de caracteres daquela cena — e nem mesmo o log de mensagens ajuda. Apesar de ser uma falha incômoda, ela não se repete com frequência, então não mina a experiência com o jogo como um todo.
Convencional ou não, todo tipo de amor é válido
OshiRabu: Waifus Over Husbandos é mais uma ótima pedida de comédia romântica dentro da demografia girls love, mas que, ao mesmo tempo, explora outras nuances de romance dentro do guarda-chuva LGBT+; além disso, o cenário extra opcional, adquirido à parte e fora do Steam, ajuda a trazer ainda mais profundidade e veracidade ao relacionamento de Akuru e Ren.
Talvez o principal ponto negativo seja o texto em inglês aparecer cortado em situações bem específicas, mas, em termos de qualidade geral, temos aqui mais uma visual novel de alto nível cujo objetivo principal é quebrar estereótipos sobre o amor.
Ilustração original de DSmile utilizada para a capa desta análise |
Prós
- Comédia romântica que vai além de sua proposta inicial, trazendo um sutil debate sobre amor romântico e amor platônico e como eles podem ser vividos e expressados;
- Belíssima apresentação audiovisual, da interface ao design de personagens;
- A trilha sonora traz composições que ajudam a demarcar bem os momentos de comédia, tensão e romance;
- Ótima dublagem integral em japonês, dando mais vida às personagens;
- O cenário extra, embora opcional, aprofunda mais a relação entre Akuru e Ren;
- Ferramentas de qualidade de vida, como velocidade de texto, leitura automática e opacidade de janela, estão presentes.
Contras
- A trilha sonora poderia contar com mais faixas;
- Em momentos específicos, o texto em inglês aparece cortado por falha de diagramação;
- Embora existam momentos específicos de escolhas, elas não impactam tanto assim no desfecho da trama, porém apenas um dos finais pode ser tido como completo ou satisfatório, enquanto os outros dois apenas desbloqueiam CGs;
- Alguns deslizes de digitação no texto em inglês.
OshiRabu: Waifus Over Husbandos — PC/Switch — Nota: 9.0Versão utilizada para análise: PC
Revisão: Davi Sousa
Capa: Thais Santos
Análise produzida com cópia digital adquirida pela própria redatora