Durante a segunda metade da década de 1990, os jogos de luta em 3D começaram a ganhar destaque tanto nos fliperamas quanto nos consoles. Empresas como Sega, Namco e outras apostaram em produções que exploravam as possibilidades dos polígonos e animações da época, bem como a adaptação dos fundamentos do gênero para o espaço tridimensional.
A Capcom, embora tenha tido poucos sucessos nesse subgênero, realizou alguns experimentos notáveis. Enquanto sua série principal, Street Fighter, ficou nas mãos da Arika, criou novas franquias tendo o 3D em mente, como Rival Schools, Star Gladiator e Tech Romancer. Em 1999, a empresa japonesa decidiu investir em uma abordagem mais casual e ousada com o lançamento de Power Stone.
Welcome to the Power Stone World!
O universo de Power Stone difere bastante do que se espera de um jogo de luta dos anos 90. A história se passa no final do século XIX, em um mundo onde se acredita na existência de elementos sobrenaturais baseados em lendas e superstições, não muito diferente do nosso mundo. Um conto particularmente forte é o das pedras mágicas conhecidas como Power Stones, que, quando reunidas, concedem qualquer desejo ao seu possuidor.
Nesse cenário, os personagens entram em cena, lutando uns contra os outros para obter os artefatos. Cada personagem representa uma cultura inspirada em um país, seguindo as regras do período em que a história se passa. Por exemplo, o protagonista, Edward Falcon, é um aviador britânico; Ayame é uma kunoichi novata de Edo (uma referência a Oedo); e Galuda, um nativo norte-americano, que luta em um saloon do Velho Oeste. Ao todo, são 10 personagens bastante distintos entre si.
Power Stone segue regras diferentes para um jogo de luta, pois as batalhas ocorrem em uma arena no qual os jogadores podem se movimentar livremente. O sistema de combate é mais semelhante ao de um beat ‘em up, com socos e chutes que podem ser alternados para criar alguns combos, mas sem a necessidade de executar ataques especiais por meio de comandos complexos. Agarrar e pular — que, se feitos durante ataques do oponente, servem como uma esquiva rápida — também fazem parte do leque de movimentos do jogador.
Cada estágio apresenta objetos que podem ser usados como armas pelos lutadores, como cadeiras, bancos e postes, que podem ser segurados, arremessados e empurrados em alguma direção. Além dos elementos intrínsecos ao ambiente, baús contendo armas como martelos, canhões, espadas e bombas aparecem na arena e podem ser decisivos em momentos críticos. Algumas fases até apresentam perigos próprios, como Dawnvolta (a arena de Gunrock), que possui uma esteira que leva diretamente a uma roda de espinhos.
Para adicionar um fator de urgência, podemos contar com as lendárias Power Stones, sendo o foco principal das brigas. Aleatoriamente, três dessas joias aparecerão na arena e, reunidas, darão acesso a uma forma temporária superpoderosa que conta com ataques devastadores, capazes de determinar o resultado de uma luta. É divertido ver as transformações, já que cada personagem possui seu próprio design, sendo alguns bastante excêntricos — Ayame se transforma em uma armadura que lembra um personagem de tokusatsu e Wang adquire cabelos dourados e espetados, semelhantes aos de um Super Saiyajin de Dragon Ball.
Além dos aspectos únicos da jogabilidade, a apresentação de Power Stone é bastante impressionante. Tecnicamente, é um dos jogos mais interessantes para se observar o poder da Naomi e do Dreamcast em 1999, com cenários ricos em detalhes e texturas de altíssima resolução para a época. A identidade visual e musical, que evoca uma aventura global e de caça ao tesouro, ainda é bastante distinta para o gênero até hoje.
A caça aos tesouros que poderia ter durado mais
Apesar de funcionar bem em contras 1v1, o jogo apresentou um potencial para um jogo de luta mais puxado para um party game. Percebendo isso, a Capcom lançou Power Stone 2 em 2000, que aumentou a quantidade de jogadores para quatro e adicionou arenas dinâmicas, que vão se alterando enquanto a pancadaria acontece — praticamente uma versão 3D de Super Smash Bros. No final, temos dois jogos com focos distintos na mesma franquia, e ambos são excelentes em suas propostas.
A franquia ficou exclusiva aos fliperamas e ao Dreamcast até 2006, quando a Capcom estava investindo pesado no PSP com remakes e coletâneas. Um desses pacotes foi Power Stone Collection, que reuniu os dois títulos num pacote com extras como os minigames de VMU do segundo título e artes conceituais, numa qualidade impressionante para um portátil da época. A parte mais interessante é que os personagens do 2 podem ser desbloqueados no primeiro, adaptando-se às regras de 1v1 apropriadamente.
E, surpreendentemente, Power Stone também se tornou um anime de 26 episódios, produzido pelo estúdio Pierrot. A animação é baseada no jogo de 1999 apenas, apresentando todos os guerreiros em uma adaptação bem bacana, capturando o espírito de aventura fantástica. Foi exibido por aqui na saudosa TV Globinho pela Rede Globo em 2001, que contou com algumas leves censuras.
Apesar de esquecido até mesmo em participações especiais em crossovers, Power Stone marcou a vida de muitos que tiveram a oportunidade de experienciá-lo no último console da Sega e nos fliperamas. Alguns jogos até beberam da fonte dele, como One Piece: Grand Battle (PS2/GC) e Grand Adventure (PS2/GC), mas o charme que só a Capcom pôde proporcionar ficou lá na virada do milênio.
Revisão: Ives Boitano