Análise: Ruff Ghanor (Multi) é um desafiador deck builder com sotaque brasileiro

Monte o baralho perfeito, faça as escolhas certas e conte muito com a sorte neste desafiador roguelite de construção de baralhos.

em 07/03/2024

Ruff Ghanor
é um produto singular. Originado de uma campanha de RPG concebida por um grupo de amigos, a mitologia do Santo dos Pés Descalços expandiu-se consideravelmente ao longo dos anos. Nesta análise, exploraremos este universo derivado da imaginação de dois dos mais influentes criadores de conteúdo desta geração, refletido na forma de um videogame.

A lenda do Santo dos Pés Descalços

A história de Ruff Ghanor teve origem em uma campanha de RPG apresentada em formato de podcast pelos empresários Alexandre Ottoni e seu sócio Deive Pazos, também conhecido como Azaghal. Eles são os fundadores do Jovem Nerd, um site de notícias e entretenimento lançado em 2002, cujo carro-chefe é o Nerdcast, um dos podcasts mais populares e duradouros do Brasil.
Alexandre Ottoni, o Jovem Nerd e Deive Pazos, o Azaghal
Em março de 2011, Ottoni e Pazos reuniram-se com amigos para iniciar uma campanha de RPG de mesa com temática medieval, com o objetivo de se tornar um dos episódios do Nerdcast. Esse episódio recebeu um tratamento de alta qualidade, com trilha sonora, efeitos sonoros e participações especiais de dubladores profissionais. Foi nessa ocasião que surgiu a mitologia de Ruff Ghanor.

Desde então, com seis episódios lançados até a data desta análise, a popularidade da campanha ultrapassou os limites do podcast e deu origem a outros produtos de mídia, como livros, audiodramas e, mais recentemente, um jogo com o título do herói que nasceu das mentes de Ottoni e Pazos.
A campanha, iniciada em 2011, chegou a seu sexto episódio em janeiro de 2024
Ruff Ghanor narra a história de um jovem destinado a ser o herói do mundo. Encontrado por um grupo de clérigos enquanto buscavam uma cabra perdida, o menino, sujo e com comportamento selvagem, foi apelidado de garoto-cabra pelo Prior, líder dos clérigos do mosteiro de São Arnaldo. Ao perceber a marca de uma linhagem real em suas costas, o Prior reconheceu nele o tão esperado herói profetizado para o reino.

Zamir, o último dos dragões vermelhos, era um tirano que espalhava terror pela região. O Prior acreditava que o garoto encontrado era a salvação de todos e, após alguns anos, já como jovem, permitiu que ele iniciasse seu treinamento junto aos clérigos do mosteiro. No entanto, Ruff desconhecia seu destino e passou por um treinamento rigoroso sem saber de sua verdadeira missão.



O jogo adapta os eventos do primeiro livro de uma série que receberá seu quarto e último volume escrito por Leonel Caldela, mais conhecido por sua colaboração na criação do universo de Tormenta.

A obra retrata os primeiros anos de vida de Ruff, desde o início de seu treinamento até seu primeiro amor com Áxia, a amizade com Korin, um dedicado guarda do mosteiro, e sua relação com o Prior, que foi seu mentor e a figura paterna mais próxima que teve. A jornada culmina na construção da imagem de Ruff como herói do reino, seus feitos milagrosos, batalhas e na criação da lenda do Santo dos Pés Descalços.

Dos dados para as cartas

Ruff Ghanor, o jogo, é um título que mescla elementos de roguelite e RPG, centrado na mecânica de construção de baralhos. O jogador é imerso em uma narrativa baseada no primeiro livro da saga, atravessando uma série de eventos divididos em três modalidades: narrativa, exploração e combate.

Nos eventos narrativos, o jogador assume o papel de Ruff e enfrenta questionamentos de outros personagens da trama. Suas respostas podem seguir a linha narrativa do livro, se assim o jogador desejar, para conceder novas cartas para o baralho do jogo, cada uma com efeitos positivos ou negativos dependendo das escolhas feitas.
As respostas de Ruff podem render tanto benefícios quanto malefícios ao jogador.
Os eventos de exploração utilizam as cartas do baralho para resolver situações que, em um RPG de mesa, seriam resolvidas com dados. Durante essas cenas, o jogador precisa decidir entre diferentes opções de ação, com o resultado determinado pelas cartas do baralho, podendo gerar consequências positivas ou negativas. Por exemplo, em uma situação, Ruff pode optar por atacar com seu martelo ou tentar se esquivar, cada escolha exigindo uma certa quantidade de cards de uma categoria específica.
Ter conhecimento de seu deck é importante para tomar decisões que tenham mais chance de sucesso durante os eventos de exploração.
Os eventos de combate, o cerne do jogo, demandam mais habilidade do jogador. Nessas batalhas, seu deck é fundamental para enfrentar uma variedade de inimigos. As cartas são divididas em três categorias: ataque (vermelho), controle (amarelo) e oração (azul).

A vitória em batalhas concede a Ruff a oportunidade de adquirir novas cartas para seu baralho, podendo ainda editá-lo, fazendo a remoção de cards que não possuem mais serventia, duplicar algum que seja mais necessário ou então aprimorar uma já existente para deixá-la mais poderosa. Essas edições custam Arcanium, uma moeda obtida ao concluir eventos.


As cartas de ataque são utilizadas para infligir dano físico nos inimigos e, em alguns casos, aplicar status negativos, como sangramento ou atordoamento. As cartas de controle consistem em habilidades defensivas ou que concedem vantagens para Ruff e seus aliados, como aumento de pontos de defesa ou mais pontos de ação para utilizar mais cartas.


As cartas de oração são especiais, podendo causar dano mágico que ignora a defesa do inimigo, restaurar pontos de vida ou gerar pontos de fé, necessários para que Ruff invoque seus poderosos milagres. Estas técnicas podem mudar o curso da batalha a favor do jovem herói e seu grupo, se utilizadas no momento adequado.


O jogo consiste em obter cartas por meio desses eventos para construir um deck que permita ao jogador progredir pelos três atos do jogo. Quando derrotado, o jogador pode fabricar cartas reveladas durante a campanha na "Forja do Inferno" para adicioná-las ao baralho de Ruff, disponíveis desde o início de uma nova partida.

Ciclos de aprendizado

Por ser um jogo com elementos de roguelite, posso afirmar que Ruff Ghanor é um daqueles que são fáceis de aprender, mas difíceis de dominar. O ciclo de aprendizado é simples. Porém, para alcançar a primeira vitória ao final da campanha, será necessário investir um tempo considerável para compreender completamente as dinâmicas do jogo.

Embora as escolhas do jogador influenciem as recompensas, especialmente nos eventos narrativos, em algumas partidas notei que certas respostas resultam em tipos específicos de cartas. Nesse aspecto, o jogador tem um controle significativo sobre os acontecimentos para tirar uma certa vantagem nesta dinâmica, em especial quem tem conhecimento da história do livro.

Nos demais eventos, como na exploração, quando os resultados dependem das cartas adquiridas, e principalmente nos combates, onde a eficácia do deck montado pelo jogador é crucial, a sorte desempenha um papel importante em nossa experiência.

A dificuldade do jogo é notável. Se os pontos de vida de Ruff chegarem a zero durante um combate, é fim de jogo e somos levados de volta para a tela inicial. Aqui, temos a oportunidade de fazer pequenos ajustes no deck inicial na Forja, ou então iniciar uma nova jornada, esperando que nossas escolhas, mesmo que diferentes, possam nos levar a um resultado melhor.

Um dos aspectos que torna o jogo desafiador é a incapacidade de curar Ruff diretamente entre eventos. Se terminarmos um embate com poucos pontos de vida e não encontrarmos um evento de cura no mapa seguinte, teremos que contar com a sorte ou com as cartas de cura disponíveis na próxima batalha.


Há eventos de combate em que Ruff recebe o apoio de aliados como Prior, Áxia ou Korin, mas esses são menos recorrentes. Nestes casos, tanto Ruff, quanto seu companheiro possuem seus próprios decks de ação, e é possível tirar vantagem das habilidades do aliado para favorecer o jovem clérigo.

No entanto, na maioria dos combates, estamos apenas no controle de Ruff. Enfrentar dois, três ou mais inimigos simultaneamente é comum, e se nossas cartas e sorte não estiverem ao nosso favor, a derrota é inevitável, levando-nos a recomeçar a jornada mais uma vez.

Caprichoso, mas ainda imperfeito

Ruff Ghanor oferece um desafio considerável, porém, pode carecer de acessibilidade para alguns jogadores. É um título que certamente atrairá aqueles que são fãs do gênero roguelite, especialmente aqueles que apreciam mecânicas de baralho. A variedade de cartas disponíveis no jogo é impressionante, incentivando os jogadores a desbloquearem cada vez mais e a forjarem cartas para aprimorar seus decks.

Entretanto, a falta de um sistema que facilite a progressão é uma das áreas que considero mais desafiadoras em Ruff Ghanor. Por vezes, ao alcançar o segundo ato, deparei-me com desafios muito difíceis logo no início, o que resultava em derrotas frustrantes.

Ter que investir cerca de uma hora repetidamente para avançar pelo primeiro ato tornou-se um tanto exaustivo. Uma opção de começar o jogo a partir de um ato já desbloqueado, mesmo que com algum custo, como Arcanium ou outro recurso, seria uma adição bem-vinda e incentivaria os jogadores a persistirem na conclusão do jogo.

Apesar de apresentar uma direção de arte original e caprichosa, com destaque para as cutscenes que ajudam a narrar a história, as animações dos personagens deixam um pouco a desejar, com movimentos limitados e básicos que apenas representam de forma rudimentar as ações na tela.

A interface do usuário também merece críticas, pois em várias ocasiões cometi erros ao clicar acidentalmente em algum lugar da tela, fazendo com que o jogo interpretasse erroneamente minha ação. No PC, utilizando um mouse, seria mais adequado clicar diretamente no elemento desejado para realizar uma ação, como selecionar um inimigo para aplicar um efeito, em vez de um clique acidental ser interpretado como uma confirmação de ação.

Ao invés disso, um segundo clique em qualquer lugar da tela já é interpretado como uma confirmação da ação. Essa “anomalia” me fez realizar algumas jogadas erradas enquanto selecionava um card para jogar, como curar o personagem errado ou então atacar outro inimigo senão o que era minha real intenção naquele turno.

Embora esteja disponível nos consoles atuais e ofereça suporte para controle, os problemas de interpretação de comandos ainda persistem, embora em menor escala. No geral, embora o jogo exiba qualidades notáveis em termos de jogabilidade, tecnicamente ainda carece de ajustes para melhorar a experiência do jogador.

Um herói com sangue brasileiro

Ainda assim, Ruff Ghanor consegue oferecer uma experiência desafiadora, especialmente para os entusiastas do gênero roguelite e de mecânicas de baralho. Com uma narrativa cativante baseada na saga literária oriunda das mentes de Alexandre Ottoni, Deive Pazos e Leonel Caldela, o jogo proporciona uma ampla variedade de cartas e eventos, incentivando os jogadores a explorarem e aprimorarem seus decks ao longo da jornada.

No entanto, apesar de suas qualidades, Ruff Ghanor enfrenta algumas limitações que podem afetar a experiência do jogador. A falta de um sistema que facilite a progressão, a interface do usuário que pode induzir a erros acidentais e animações que não condizem com a qualidade da arte do jogo em si são pontos que ainda incomodam neste novo capítulo da saga do Santo dos Pés Descalços.

Prós

  • Desafio notável, especialmente para fãs do gênero roguelite;
  • Narrativa cativante, totalmente fiel à obra literária;
  • Grande variedade de cartas e eventos, incentivando a exploração e aprimoramento de decks.

Contras

  • Ausência de um sistema que facilite a progressão, resultando em repetição excessiva e cansativa;
  • A interface de usuário é imprecisa, ocasionando erros de interpretação de comandos;
  • As animações dos personagens deixam a desejar em termos de qualidade e fluidez.
Ruff Ghanor — PC/PS5/PS4/XBO/XSX — Nota: 7.5
Versão utilizada para análise: PC
Revisão: Vitor Tibério
Análise produzida com cópia digital cedida pela DX Gameworks

Fã de Castlevania, Tetris e jogos de tabuleiro. Entusiasta da era 16-bit e joga PlayStation 2 até hoje. Jogador casual de muitos e hardcore em poucos. Nas redes sociais é conhecido como @XelaoHerege
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