Unindo-se a títulos como Cave Story, Environmental Station Alpha e Axiom Verge, Rebel Transmute tem sua vaga garantida na lista de bons jogos feitos por uma pessoa só. O norte americano Evan Tor passou cinco anos nessa produção fortemente inspirada em Metroid e conseguiu dar vida a um metroidvania consistente e complexo, ainda que apresente alguns problemas.
Space Oddity
A história e a ambientação seguem a vibe de ficção científica da série da Nintendo, explorando as profundezas de uma estação planetária desconhecida e perigosa. Ainda que não surpreenda, a narrativa alcança mais longe que a maioria dos jogos do tipo.
Entramos na pele de Lua Mikono, cuja mãe morreu no terrível acidente que devastou a estação Terra 6 um ano atrás. Ou melhor, entramos na pele e na armadura espacial dela, com direito a canhão de braço e muitas melhorias equipáveis a fim de sobreviver, investigar e finalmente descobrir o que realmente aconteceu com a mãe.
Ao chegar, a nave de Lua sofre um acidente e cai. Ela desperta em um tanque restaurador e fica sabendo que passou 12 anos ali dentro. Para aumentar o mistério, por todo o local há robôs que ganharam consciência após o acidente e pensam como se fossem humanos, buscando propósitos de vida e formação de sociedades.
Os diálogos com esses NPCs são a principal fonte de contexto para a história. Lua, por outro lado, é reconhecidamente do tipo “durona calada”, o que acaba sendo, parcialmente, uma chance perdida de dar mais camadas à personagem.
Cadê a diagonal que estava aqui?
O combate segue a fórmula clássica de plataforma de tiro e, em geral, funciona como deve, mas tem algumas limitações que o dificultam desnecessariamente. Uma delas é a distância do tiro, que é tão curta que poderia muito bem parecer uma arma longa de combate corpo a corpo. Outra é a falta de mira diagonal, forçando Lua a atirar apenas em quatro direções. Ou seja, em pleno 2024, Lua não conhece algo básico que sua inspiração já fazia em 1994.
A falta da diagonal pode parecer pouco, mas faz a diferença, especialmente em alguns chefes. Eles são bastante desafiadores e é preciso aprender a hora certa de reagir e atacar. Todos eles me custaram várias tentativas e percebo meu aprimoramento nesse processo, entrando em umas brigas empolgantes. Um chefe serve de exemplo: creio que levei uns 20 minutos morrendo contra ele, mas, na vez em que obtive a vitória, eu já sabia responder bem aos movimentos do bicho e só fui atingido uma vez.
Junto à crescente dificuldade está uma mecânica que pune a morte. Aqui, porém, em vez de seguir a moda e fazer Lua derrubar o Fluxo Vermelho (isto é, a moeda do jogo) no local em que morreu, o que ela deixa para trás é um ponto de vida. Não se preocupe, é claro que pode ser recuperado e, se quiser agilizar, basta pagar a taxa no próprio ponto de salvamento para reavê-lo na hora.
No fim das contas, essa não é uma punição muito grave. Da metade do jogo em diante eu já tinha tanto Fluxo acumulado que podia restaurar o ponto de vida perdido sempre que meu caminho não fosse mais passar pelo lugar da perda, sem qualquer prejuízo às minhas fartas economias usadas para comprar melhorias.
Para os que acham que todo desafio é pouco, é possível desequipar as melhorias básicas, incluindo essa que troca a perda do Fluxo pela da vida e até a que mostra as informações do HUD. Por outro lado, o menu tem opções de acessibilidade que diminuem a velocidade do jogo, aumentam a saúde de Lua, desligam o dano causado por perigos do ambiente, entre outros, tornando Rebel Transmute mais tranquilo para quem quer uma forcinha a mais para sobreviver.
Um labirinto sem fio condutor
Tomada isoladamente, cada área é bem planejada e engajante em sua individualidade. São todas visualmente distintas entre si e contam com suas próprias populações de inimigos. Mais uma vez, é algo impressionante para o trabalho de uma só pessoa.
Como os caminhos são muitos, é um alívio que haja plaquinhas apontando para os pontos de salvamento, de viagem rápida e alguns outros locais de interesse. Assim, sempre que avançamos conseguimos firmar um novo ponto de partida para desbravar o local mais a fundo, sem medo de ter que refazer longos percursos em caso de morte.
Infelizmente, nem tudo é tão prático. A estrutura não linear de Rebel Transmute é arrojada e, com isso, bastante arriscada. Logo no começo do jogo você pode acessar diversas áreas diferentes, mas, como elas têm muitos elementos interdependentes, é difícil traçar um passo a passo intuitivo que conduzirá ao avanço na campanha. Essa estrutura labiríntica fica cada vez mais complexa no decorrer da aventura.
Um exemplo foi quando consegui chegar ao local exato de um dos três objetivos marcados no mapa, mas não tinha as duas habilidades necessárias para ativá-lo. Retornei a vasculhar e adentrei outra área que tinha visitado rapidamente. Conseguir progredir nela me fez achar que havia encontrado o “caminho certo” que me levaria a outro dos objetivos do mapa, mas também não encontrei a solução ali, apenas mais um beco sem saída nos confins após o chefão local.
Ao mesmo tempo, eu estava travado em outro lugar devido a um chefe injusto (o único que merece esse adjetivo), então supunha que precisaria derrotá-lo para finalmente conseguir o requisito para avançar, mas também não era isso, ele apenas guardava uma melhoria opcional.
Em resumo, Rebel Transmute espalha por toda parte seus obstáculos e as habilidades que nos permitem superá-los, de forma que não fechamos uma área por vez e sempre precisamos retornar a elas embasados apenas na esperança de abrir novos caminhos nos cantos do mapa ainda ocultos.
Minha exploração dependeu muito do acaso e por diversas vezes me vi fazendo uma varredura a esmo e passando pelos mesmos locais apenas para descobrir alguma pequena melhoria pouco relevante, enquanto o que eu realmente queria era algo que me indicasse que havia encontrado um fio para sair daquele grande labirinto de mundo de jogo.
Para dar uma ideia, quando já havia explorado a maior parte do mapa e encontrado todos os pontos de viagem rápida, eu ainda não havia alcançado a marca de 50% de completude. Sempre havia um beco sem saída para me dizer que ainda não era hora de estar ali.
O mapa tem marcadores, mas eles vêm em apenas quatro variantes coloridas e com número limitado de uso, o que é insuficiente para distinguir as muitas formas de lembretes que facilitariam a vida ao longo do jogo e evitariam retornos redundantes. Além disso, o mapa contém algumas falhas em que não mostra uma conexão correta entre salas ou erra em mostrar a posição precisa de Lua.
Mesmo com esses problemas, a navegação em si não é complicada e é possível revisitar locais anteriores com razoável agilidade pelo sistema de viagem rápida. Minha impressão é que Rebel Transmute foi feito tendo em mente os jogadores experientes de metroidvanias, aqueles em que o sentimento de se sentir perdido leva a perseverar na exploração. Ainda que essa tenha sido a intenção de desafio, consigo imaginar que o jogo poderá ter algumas mudanças bem-vindas após receber o feedback dos jogadores.
No mínimo, espero que os crashes que forçam o fechamento do jogo sejam resolvidos. Não foram constantes, mas recorrentes o bastante para apontar como um problema.
Anexo: um truque
A falta de direções também se mostra em alguns truques que funcionam como segredos, então vou deixar a dica para algo superútil que eu tive que descobrir sozinho e bem tarde na campanha: usar a habilidade de Bomba junto com a de Girar (uma cambalhota que faz quicar no chão, em objetos ou inimigos). Funciona assim: dispare a bomba para baixo e, imediatamente, aperte o botão de Girar. Isso fará Lua quicar muito mais alto, ocupando plenamente o vácuo deixado pela ausência de pulo duplo no jogo.
Há uma melhoria equipável que afeta o giro e permite usar o truque em rápida sequência, elevando Lua até grandes alturas. A forma como isso pode simplificar alguns trechos complexos induz a pensar que se trata de um abuso de glitch, mas o fato de funcionar tão bem e com tanta precisão indica que é uma brecha proposital deixada pelo criador.
Transmutando inspirações
Reconheço que, após ler esta análise, pode parecer que eu não gostei de Rebel Transmute, mas isso não é verdade. Perseverei até concluir o jogo com 92%, em 22 horas. Meus sentimentos oscilaram entre uma grande satisfação com pitada de admiração e a frustração de quem está cansado de procurar um caminho que possa chamar de certo.
É um jogo competente em uma série de aspectos e que se beneficiaria de mais concisão ou direcionamento, mas prefere correr o risco de se tornar um labirinto trabalhoso e esticar sua permanência além do que deveria.
Mesmo sem inovar ou impressionar, Rebel Transmute executa muito bem sua inspiração em Metroid. A aventura em um planeta inóspito é enriquecida com doses narrativas razoáveis, ambientação competente, dificuldade desafiadora e exploração de segredos. O direcionamento quase inexistente pode ser um empecilho e fonte de repetições frustrantes, mas certamente valerá a pena para quem aprecia metroidvanias, em especial na vertente de ficção científica.
Prós
- Boa dose de liberdade de exploração, apresentando regiões bem construídas e distintas entre si;
- Chefes desafiadores que requerem aprender seus movimentos;
- Algumas opções de acessibilidade ajudam a sobreviver e, na via oposta, quem quer aumentar o desafio pode desequipar as melhorias básicas;
- Traduzido para português brasileiro.
Contras
- A quase total falta de direcionamento e de referências relevantes para a exploração pode deixar os jogadores perdidos, na esperança de esbarrar a esmo na próxima habilidade útil;
- O tiro básico é demasiado curto, ao ponto de fazer o combate se assemelhar à lógica de corpo a corpo;
- A ausência de tiro nas diagonais faz bastante falta;
- O mapa tem falhas na representação do mundo do jogo;
- Ocorrência de crashes.
Rebel Transmute — PC/PS4/PS5/XBO/XSX/Switch — Nota: 7.5Versão utilizada para análise: PS5
Revisão: Vitor Tibério
Análise produzida com cópia digital cedida pela JanduSoft