Os tempos medievais são um prato cheio para os jogos de diversos gêneros. Temos jogos de luta, ação, estratégia, RPG, aventura, e tenho certeza que se eu procurasse em lugares mais obscuros, com certeza encontraria algum de corrida. E a enorme maioria sempre traz tons sérios e tramas complexas, dado o valor histórico que essa era carrega.
Na contramão disso tudo está Inkulinati, que alia elementos de roguelike, puzzle, estratégia e doses cavalares de bom humor.
Guerra de tinta
O objetivo de cada partida em Inkulinati é derrotar as bestas de tinta rivais com a sua própria tropa. A batalha comum coloca nosso inkulinatizinho no campo, com o poder de desenhar nossos soldados, abrindo a possibilidade de repor os que caírem em campo. Há também disputas mais rápidas, com apenas algumas bestas já espalhadas pelo cenário, sem chance de convocar mais unidades.
As unidades têm similaridades por raça e classes. Por exemplo, há cachorros arqueiros, lanceiros e cavaleiros, que além de terem suas armas específicas, podem fazer orações para aumentar sua precisão e dano. Coelhos, raposas e pombos também possuem as mesmas variações de armas, mas compartilham entre si habilidades de sua espécie, como roubar tinta do adversário e usar “gases naturais“ para atordoar os inimigos.
Há também aqueles com características únicas: o caracol devora os rivais instantaneamente; os gatos são os bispos, atacando, curando e transformando em hereges quem causa dano neles; o jumento é o bardo, que usa seu fole para levantar a moral dos parceiros e deixar os inimigos com dor de cabeça. Isso só para citar alguns.
Só podemos levar cinco tipos de soldados diferentes para a batalha, sem repetir classes. Isso adiciona uma camada extra de estratégia ao jogo, pois sempre teremos nossas bestas de confiança e aquelas específicas para tentar surpreender o adversário.
A ação se desenrola em turnos alternados, chamados de capítulos. Sempre ao final deles, acontece algo, como labaredas surgindo nas bordas do cenário ou armadilhas aparecendo no meio do caminho. A ideia é encenar reviravoltas históricas como a página de um livro.
A longa cruzada pela glória
A variedade de tropas disponíveis é enorme e fazer combinações entre elas é um dos pontos mais fortes de Inkulinati, mas isso vai de encontro com um dos problemas, pois o início do jogo é muitíssimo arrastado e repetitivo. Para liberar mais tipos de bestas, é necessário finalizar o modo Jornada repetidas vezes para conseguir pontos de fama e, assim, prosseguir com o desbloqueio.
Cada partida nova do modo Jornada tem mapas com caminhos únicos. À medida que avançamos, agregamos novas bestas e aumentamos nossos pontos de vida ou de tinta para desenhar os nossos soldados. Ser derrotado significa fim de jogo, a menos que tenhamos algum item que nos dê o direito à fuga ou revanche. Essa imprevisibilidade traz a aura de roguelike para Inkulinati, o que combina muito bem e até ajuda a disfarçar um pouco a repetitividade.
Entretanto, essa sensação retorna no Tutorial, e com uma força que chega a ser desanimadora, pois ele é desnecessariamente longo. Claro que é bom aprender as mecânicas com exemplos simples, mas cada uma delas tem entre três e quatro lições obrigatórias. Dividido em três partes, são mais de 40 etapas para “aprender” tudo, mas isso poderia ser facilmente cortado pela metade.
Por outro lado, os controles não são explicados em momento nenhum, e isso é bastante confuso. Usamos os botões superiores para alternar entre tropas, o direcional digital para escolher qual ação da besta escolhida será usada, o analógico direito para percorrer o cenário e o esquerdo para selecionar o alvo da nossa ação. Ou seja, leva bastante tempo para se acostumar com isso e fatalmente decisões equivocadas serão tomadas em cenas com muitos elementos para serem escolhidos.
Um último problema que identifiquei, pelo menos na versão de PlayStation 4, são os pequenos travamentos na passagem de ação entre uma besta e outra, que vão se tornando cada vez mais frequentes conforme nos aproximamos da conclusão do modo Jornada.
Se Inkulinati tem tantos casos de repetitividade, o que acaba cativando quem está no controle? A resposta é: seu bom humor debochado. Ver as mensagens após as lutas, as interações da Jornada para salvar seu Mestre da Morte — sim, os dois com M maiúsculo, pois eles se chamam assim da maneira mais genérica e jocosa possível —, as caretas dos bichinhos na tela e até mesmo a descrição dos poderes demonstra um trabalho de localização louvável.
E, convenhamos, as tropas são animais e criaturas mitológicas fantasiadas, o que por si só já é fantástico. Temos os já citados gato bispo e jumento bardo, um cachorro com o mesmo capacete do Cavaleiro Negro de Monty Python, uma lebre que, diferente do pacato coelho, leva os filhotes no cesto e os devora como um bárbaro para recuperar energia, e até mesmo caveiras dançantes. Enfim, vale a pena persistir até liberar todas as unidades possíveis e ver as interações que elas farão por causa dos seus poderes e habilidades.
A vitória está na paciência
A ideia de Inkulinati é muito boa, mas seus ciclos curtos de repetitividade no início, aliados à navegação confusa da tela, podem acabar afastando os jogadores em geral. Se você for um dos perseverantes que está disposto a peregrinar pelos caminhos das bestas de tinta, certamente encontrará um título divertido, criativo e cativante.
Prós
- A mistura de estratégia por turnos com roguelike funciona muito bem;
- O estilo medieval aliado ao humor escrachado se torna um forte motivo para prender a atenção do jogador;
- Uma infinidade de criaturas com habilidades únicas ajuda a aumentar a variedade de possibilidades de se ganhar uma partida.
Contras
- O início é muito repetitivo, devido ao baixo número de tropas liberado;
- O tutorial é desnecessariamente longo;
- Travamentos no meio das batalhas;
- Navegação pela tela é bem confusa.
Inkulinati — PC/PS4/PS5/Switch/XBO/XSX — Nota: 7.5Versão utilizada para análise: PS4
Revisão: Heloísa D'Assumpção Ballaminut
Análise feita com cópia digital cedida pela Daedalic Entertainment