Em meus textos, evito usar a palavra “fã” porque não gosto da forma generalizada que a mídia gamer/nerd a usa para chamar a atenção. Dizem “fãs fizeram isso, fãs querem isto” como se qualquer contato tornasse a pessoa fã de certo objeto.
Já cheguei a ver um “fãs reagem a [não lembro o que]” a respeito de um jogo que não havia sido lançado e, ainda por cima, era de uma IP nova. Isto é, sem nenhum material prévio, aquelas pessoas nunca haviam tido contato direto com qualquer coisa relacionada ao tal jogo, mas eram chamadas de fãs.
Eu prefiro falar “jogadores”, pois descreve melhor a relação. Digo “apreciadores” quando quero mencionar pessoas com uma predileção pela coisa falada.
No entanto, para Final Fantasy VII eu me digo fã, remetendo à origem da palavra: “fanático”, alguém que é loucamente inspirado por algo.
A épica conferência da Sony na E3 2015
Um exemplo disso é que eu lembro com exatidão do momento em que vi o anúncio de Final Fantasy VII Remake na E3 2015, mais de oito anos atrás. Aconteceu durante a apresentação da Sony, às 22h, mas eu não assisti ao vivo porque estava cansado, febril e iria trabalhar no dia seguinte, então fui dormir cedo, planejando ver durante o café da manhã.
Acordei cedinho, sentindo-me melhor, e coloquei o vídeo na televisão da sala. Quando o apresentador no palco começou a falar de um dos jogos da Square Enix mais amados de todos os tempos, à frente de um telão que mostrava linhas verdes ondulantes, era óbvio que aquele era o lifestream de FF7, mas eu tentei não me deixar levar tão facilmente e esperei para ver.
Começou o trailer em CGI e tive certeza de que estava diante de Midgar quando vi crianças brincando em um escorregador de moogle no parquinho. Ok, era algo naquele mundo marcante, mas que tipo de projeto seria esse? Um novo filme? Spin-off? Remaster?
Ao surgir na tela, a arma do braço de Barret entregou que os protagonistas estariam envolvidos, e a emoção já estava lá em cima. Eu tentei conter as expectativas, pensando que seria só um teaser indefinido para nos deixar na vontade, mas o fechamento do vídeo trouxe a palavra mágica: remake.
As lágrimas encheram os olhos e eu me vi tapando a boca com a mão porque o êxtase queria sair na forma de gritos de alegria, mas eram 5h30 da manhã e eu não queria acordar a esposa e o bebê que estavam no quarto.
Esse é o tipo de efeito que Final Fantasy VII tem em mim: a empolgação irresistível do fanático.
Nutrindo esperanças
Eu lembrava bem de quando o diretor Yoshinori Kitase havia dito, alguns anos antes, que não era viável refazer FF7 no nível tecnológico da época simplesmente porque, se um mundo linear como o de FF13 exigiu cinco anos de desenvolvimento, recriar o vasto planeta de Cloud e companhia consumiria tempo e recursos muito maiores que esse.
Parecia uma justificativa plausível e, como vimos até agora, era verdadeira. Por diversos motivos — válidos ou não — a volta de Final Fantasy VII foi dividida em três partes. Os responsáveis nem se atreveram a confirmar quantas seriam ao todo até que pudessem anunciar a segunda.
A primeira parte, Remake, custou cinco anos de desenvolvimento dedicado, enquanto a segunda, Rebirth, será lançada dentro de alguns dias, longos quatro anos após sua antecessora. Embora todo projeto tenha metas e prazos, provavelmente nem seus criadores devem ser capazes de afirmar com certeza quantos anos levarão para dar ao mundo a terceira parte que fechará a trilogia. Se for o mesmo período que Rebirth, só veremos o fim desse aguardado remake 13 anos após o emocionante anúncio.
Fui um dos que fizeram a pré-compra da versão steelbook de Final Fantasy VII Remake em 2020, apenas para ter a decepção de vê-la cancelada. O que importa é que no mesmo mês tive minha cópia (padrão) em mãos e pude degustar aquele título tão esperado.
O resumo do que achei do jogo é o seguinte: eu amei o jogo por 17 capítulos, então veio o capítulo 18 e me tirou das alturas de volta para o chão. O longo encerramento me trouxe apenas um sentimento: receio pela sequência.
Após essa longa introdução, chegamos aos dois polos que quero discutir sobre Final Fantasy VII: amor e medo, hype e desapontamento. Primeiro o amor e o hype.
Nem preciso dizer que é sem filtro de spoiler, né?
Amor e hype
Eu sou fã, mas não cego. Sei dos problemas de Final Fantasy VII Remake, como os segmentos lineares demais, as costumeiras sidequests banais, as texturas inexplicavelmente sumidas e, principalmente, o prolongamento desnecessário de Midgar.
Antes de jogar, fui muito descrente sobre a vantagem de fazer uma campanha inteira de JRPG se passar dentro de uma cidade que dura pouco mais de cinco horas no original. Ao longo da campanha, porém, eu vi que não era apenas enrolação para vender mais jogos. Realmente havia muito a desenvolver ali.
Eu gostei do capítulo cinco, em que nos envolvemos mais com Jessie, e me apaixonei pelos nove e dez, quando Cloud viaja sozinho com Aerith, um investimento de tempo de jogo muito coerente para construir a relação dos dois.
Gostei de como expandiram o Mercado Murado. Ok, ficar para lá e para cá atrás de Johnny foi um tédio, mas o clímax do Honey Bee Inn foi sensacional!
Até as sidequests fracas foram atenuadas por servirem de momentos mais livres e abertos entre capítulos lineares. Abertura e linearidade: o design fracassaria se focasse em apenas uma delas, mas, alternando esses dois formatos, conseguiu encontrar um ritmo agradável que suaviza os problemas de cada momento.
A música consegue o feito de melhorar a trilha que já era incrível, a representação visual é majestosa e o sistema de batalha é a melhor combinação entre ação em turnos e em tempo real que já vi, superando com folga o que os principais Final Fantasy ofereceram na década anterior (e até hoje, não é, FF16?).
Honestamente, há muito a se amar. Para um fã, é como um sonho antigo que começa a se realizar. E então, murmúrios sombrios perturbaram o sono. Chego agora ao ponto central da discussão.
Murmúrios ex machina
Como eu disse, o meu grande problema foi o capítulo 18, o último. É claro que já havia evidências de que algo estranho estava guardado para sorrateiramente atacar o jogador a qualquer momento. Essas coisas são os Murmúrios, aqueles espectros encapuzados que surgem algumas vezes ao longo da campanha para nos atrapalhar, sem qualquer explanação consistente.
Quem os explica é Red XIII, no início do capítulo 17: “Mais precisamente, são guardiões do destino. Aparecem quando alguém tenta mudar o destino e impedem que isso aconteça.”
Tifa pergunta: “Destino, com D maiúsculo?”, ao que o lobo/leão define: “Sim. A correnteza do grande rio que é o planeta, do seu início ao fim. [...] É a vontade do próprio planeta.”
Hmm, ok, Red XIII vem de Cosmo Canyon, ele sabe muitas coisas sobre isso tudo e… não, a desculpa para ele saber coisas que nem Aerith sabe, sendo a última dos antigos Cetras, é bem esfarrapada: “Quando Aerith me tocou, recebi o conhecimento sobre os Murmúrios”.
O diálogo dá a entender que o Destino é parte da “entidade” coletiva que é o planeta de FF7, o que, de fato, pode ser mais desenvolvido na história mais à frente, mas a forma usada para representar e explicar isso é artificial e não encaixa bem com Remake.
Na verdade, toda a conversa de Destino soa como uma mera metáfora convenientemente instrumentalizada como recurso narrativo. É como se fossem apenas uma manifestação in-game da intenção dos desenvolvedores de se livrar das amarras do enredo original para poder reescrever as coisas como preferirem.
Isso me lembra a salada metafísica que transformou Final Fantasy XIII em uma trilogia desnecessariamente esticada e cheia de entidades, viagens no tempo e realidades alternativas que só tornam a história cada vez mais forçada. A série irmã, Kingdom Hearts, também adora uma viagem dessas. De fato, Final Fantasy VII também se deixa levar pelo lifestream e na história confusa de Jenova e Sephiroth, mas os devaneios abstratos nunca tomam o plano central do épico.
Meu ponto é que a manifestação dos Murmúrios foi essencialmente desnecessária, uma adição vazia de papel coerente dentro da história, como um deus ex machina que deixa a sensação incômoda de algo forçado, que não deveria estar ali e que é explicado de repente, sem motivo plausível para isso, exceto a conveniência do roteiro.
Todo mundo odeia o Destino
O papo de destino começa no capítulo 17 e, no 18, só se fala dele. Ninguém entende o que está acontecendo, mas eles têm vislumbres de um futuro trágico (por motivo de... bem, de tocar em Murmúrios) e todos estão determinados a forjar seu próprio caminho, sem se render ao Destino ou ao que for.
De repente, Midgar é totalmente cercada pelos Murmúrios, como se tentassem impedir que o grupo de Aerith deixasse a cidade. A coisa desanda mesmo quando a conversa sai da metáfora e se torna uma loooonga batalha contra o Arauto dos Murmúrios, um gigante formado pelos menores.
Eu entendo que a fuga de Midgar, ainda que no jogo original seja uma excelente transição de arco narrativo, não serviria às intenções de clímax bombástico para a primeira parte da nova trilogia. Mesmo assim, tudo nesse capítulo destoa completamente do que vimos ao longo das 40 horas anteriores.
Por que eles também apareceram, de repente, alguns anos antes? E por que os Murmúrios do passado se desfazem quando os do futuro são destruídos por Barret e cia? A descrição de batalha do Arauto dos Murmúrios diz que essas coisas “estão conectadas ao espaço e tempo que moldam o futuro”. Cabe a nós decidir se isso é legítimo ou forçado?
Ao lado de Zack, que está vivo quando deveria estar morto, a embalagem de salgadinho com o cãozinho militar que vemos ao longo do jogo passa em câmera lenta diante de nossos olhos para mostrar que o design dele mudou totalmente. O que significa isso? Realidade alternativa? Multiverso? O Destino foi vencido, então o passado mudou retroativamente para permitir um futuro também diferente com todas as consequências que isso traz? Colou ou não colou?
Desapontamento e medo
A história dos Murmúrios é como uma panaceia que pode ser usada como desculpa para qualquer coisa, até para lutar contra uma entidade cósmica no fim do mundo (ainda dentro dos limites de Midgar) e enfrentar o próprio Sephiroth em um ponto em que, no jogo original, não teríamos visto nem o rosto dele.
A coisa é tão bagunçada que jogam no meio da luta contra os Murmúrios até referências aos três vilões de Advent Children, o filme de 2005 que ninguém se importou com a história confusa porque todo o resto era um deslumbre visual com lutas incríveis e fanservice emocionante.
Não me entenda errado, eu não sou contra mudar a história no Remake. Biggs está vivo? Ótimo, ele é legal. Zack está vivo? Oh, mudança polêmica e pouco confiante porque dilui o memorável sacrifício dele, mas ok, vamos ver como fica.
Para mim, o problema de verdade é investir tanto na metafísica dos Murmúrios para tentar justificar algo que nem precisava de justificativa, em primeiro lugar.
Parece que a Square Enix tem tanto medo dos rumos diferentes não serem aceitos que precisou colocar na boca de cada personagem que o futuro não está definido, que a liberdade que vem a seguir é assustadora, que o destino é uma página em branco que ainda será escrita, etc, etc.
Para garantir que o público entendeu que eles querem mudar as coisas, a última tela antes dos créditos diz com todas as letras: “a jornada desconhecida continuará”. Ok, Square Enix, eu entendi claramente uma hora atrás, quando Aerith explicou direitinho.
O papel dos Murmúrios, ou ao menos as consequências dele, deve voltar nos próximos jogos. É algo conveniente demais para ser descartado tão facilmente. Se não ressurgir, seria a prova do quão desnecessários foram aqueles seres. No fim das contas, eles são parte do próprio planeta que tentamos salvar, então preciso me preparar para ver em Rebirth novas manifestações forçadas e tentar não revirar os olhos.
São tantas emoções
Toda essa preocupação em justificar mudanças em Final Fantasy VII Remake foi contagiosa e me deixou também preocupado. Tive receio do rumo que os jogos tomariam. Isto é, até o primeiro trailer de Final Fantasy VII Rebirth me mostrar que não tenho como fugir dele.
Eu cresci amando FF7. Tem tanta coisa envolvente nessa obra-prima que basta eu ouvir as primeiras notas de Main Theme e de Aerith’s Theme para sentir um arrepio percorrer todo o corpo e, dependendo do momento, os olhos lacrimejarem. É como se essas músicas condensassem todo o turbilhão de emoções do clássico JRPG.
Por isso, não tive como resistir ao hype de Rebirth. Vi poucos trailers e já encomendei a mídia física. Ainda tenho medo de ter novamente o coração partido por bagunças de roteiro artificiais e desnecessárias, mas a saga da Avalanche salvando o planeta dos males da Shinra e de Sephiroth é uma das poucas que têm o poder de me mover e inspirar de uma maneira irresistível — e fanática.
Revisão: Heloísa D’Assumpção Ballaminut