Slave Zero X é um caso bastante curioso na indústria dos videogames. Desenvolvido pela Poppy Works, trata-se de uma prequela de Slave Zero, um jogo de batalha de robôs bastante obscuro lançado para PC e Dreamcast em 1999. O título de 2023 adota uma vertente diferenciada do jogo de mecha 3D, apresentando uma ação 2D com um sistema de combate similar a “character action” como Devil May Cry e Bayonetta, em uma ambientação sublime, mas que peca no balanceamento da dificuldade.
O Demônio Rubro
Narrativamente, Slave Zero X é um tanto denso. Aqui, estamos no mundo de Megacity S1-9, governado pelo Soberano Khan de forma tirânica. É nesse cenário que entra Shou, um guardião — grupo que se opõe ao governo de Khan — que consegue acesso ao protótipo de um Escravo conhecido como X, uma armadura biomecânica extremamente poderosa.
Dotado de tanto poder, contaremos com a ajuda de outros guardiões enquanto enfrentamos hordas de inimigos e grandes generais que trabalham para o ditador de Megacity. Entre zonas concluídas, que são divididas em algumas fases, podemos conhecer mais sobre Shou e suas motivações e culpas, assim como sua relação amorosa com outro guardião, Isamu. É possível adquirir mais detalhes derrotando armaduras douradas, que nos fornecem arquivos com mais informações sobre o mundo e os personagens.
Durante a história, conheceremos mais aliados e inimigos que colaboram com toda essa situação. Slave Zero X funciona como uma prequela de Slave Zero, buscando uma vertente mais próxima de um anime dos anos 1990. As artes das cutscenes são bem detalhadas, enquanto o design de personagens é muito bonito, apresentando uma vertente mais gótica que me lembrou os traços de Ayami Kojima (de Castlevania).
A narrativa é entregue durante as fases com momentos impactantes, tanto de ação quanto mais atmosféricos. Apesar dos textos em português, é difícil prestar atenção no que estão conversando enquanto a jogatina acontece — especialmente se você não entender tão bem o inglês ou japonês falado.
Cara de hack n’ slash, alma de jogo de luta
O sistema de combate de Slave Zero X é fortemente baseado em hack n’ slash, no estilo de Devil May Cry e Bayonetta, com toques de jogos de luta, especialmente Guilty Gear. Contamos com ataques fracos e fortes que podem ser combinados com toques no direcional, recurso de cancelamento de golpes, movimentos EX (especiais aprimorados) e uma gama de possibilidades que se limitam à habilidade do jogador — na maioria das vezes. Temos até uma barra para administrar, usada para os EX, cancelamentos e mais algumas funções.
A janela de combos é bastante restrita e, mesmo com diversos oponentes em tela, manter o contador funcionando é desafiador. Dois recursos defensivos servem como resposta aos ataques inimigos: o parry, que é feito apertando para frente no momento exato do ataque opositor (semelhante a Street Fighter III: 3rd Strike); e uma esquiva, que conta com poucos quadros de invencibilidade.
A esquiva também pode ser utilizada como forma de cancelamento de combo para prolongar as sequências ou para ativar o modo Sincronia Fatal, que, além de aumentar nossa velocidade, recupera vida por dano dado. O problema é que o botão responsável pela ativação do modo também faz os cancelamentos, o que pode ocasionar gastos desnecessários de recurso.
Apesar de ser bastante divertido, o leque de ataques oferecido acaba ficando monótono a longo prazo, ainda mais que não nos são oferecidos novos golpes, seja pela loja ou adquirindo durante a campanha. A variedade de inimigos é baixa, pois na maioria das vezes os oponentes se diferenciam pela cor.
Já as fases em si são bastante simples, e servem mais como um momento de respiro em situações sem luta e palco para porradaria, com poucos momentos apresentando desafios de plataforma. Isso é até uma vantagem, já que o controle do protagonista não é bom o suficiente para este tipo de jogabilidade.
O desbalanceamento da morte
Slave Zero X é um jogo difícil, que exige bastante de nossa atenção durante os inúmeros combates. No entanto, a dificuldade acaba ficando superficial, especialmente quando há dezenas de ameaças em tela, já que a janela de invencibilidade por dano só acontece quando nosso personagem cai no chão. Ou seja, é comum nos tornarmos peteca no primeiro arremesso ao ar. Até podemos contar com um recurso de quebra de combo parecido com o Burst de Guilty Gear, mas é limitado e seu uso precisa ser bem pensado.
A partir da segunda metade, o jogo tenta se arrastar ao máximo. Checkpoints antes de diversas áreas de luta antes de um chefe, sub chefes resistentes auxiliados por inúmeros soldados rasos que atrapalham o foco contra um inimigo de superarmadura extremamente forte. A zona 6 define esses momentos: não é divertido, é apenas frustrante.
Momentos assim são poucos, mas irritam. |
A falta de opções de dificuldade ou alguma ferramenta de acessibilidade certamente é um fator para afastar jogadores. O jogo oferece uma loja para aumentar a vida, adquirir ferramentas e consumíveis, mas a quantidade de dinheiro obtido é extremamente baixa.
Nosso desempenho é medido por um sistema de classificação que avalia uma série de fatores do jogador, como estilo no combate, tempo gasto em cada sessão, dano tomado, entre outros. Senti que as notas são um tanto arbitrárias, pois mesmo sentindo que me saí muito bem em algumas situações, recebi notas D e E.
Apresentação fantástica de um mundo opressor
O combate é fortemente auxiliado pelo visual, que nos apresenta de forma satisfatória a estética biopunk do mundo. Os gráficos mesclam um 3D com estética semelhante aos jogos de PS1 e Saturn, com baixa resolução, poucos polígonos e texturas em pixel art, com personagens em 2D que remetem ao estilo de jogos de luta dos anos 1990, tanto pelas belas animações quanto pelo tamanho deles em tela. Técnicas de iluminação são aplicadas aos elementos bidimensionais, o que proporciona algumas situações muito atraentes de se ver.
Durante alguns momentos da história e em telas de carregamento, temos um vislumbre das belas artes que apresentam mais detalhadamente os personagens da narrativa. A estética é mais voltada para um estilo gótico, com foco intenso em sombras, com design mais andrógeno para os personagens.
Curiosamente, o visual escolhido para Slave Zero X pouco remete ao original de 1999, já que há uma inspiração muito mais oriental para o título moderno. Isso também é demonstrado nos diálogos e na personalidade dos personagens, que sempre tendem para um lado mais “edgy” e dramático de animes.
Porém, toda essa beleza tem um pequeno agravante: a performance. Slave Zero X é um jogo com estranhos problemas de quadros por segundo, que caem constantemente em situações meio inexplicáveis. Meu PC, equipado com uma RTX 3050, Ryzen 5 5500 e 16GB de RAM, daria conta do recado na teoria, mas pelo visto não é o suficiente para um título que busca uma estética retrô que exige bem menos nos requisitos de hardware.
A trilha sonora é outro ponto alto da apresentação do título, com músicas eletrônicas aceleradas no estilo drum n’ bass que combinam com as situações, e algumas até acabam marcando mais do que apenas ambientando as cenas. Slave Zero X também conta com dublagem nos diálogos, tanto em japonês quanto em inglês, e ambas entregam atuações satisfatórias.
Um jogo ame ou odeie
Slave Zero X é um jogo que vai depender muito do gosto do jogador, e está tudo bem quanto a isso. Para aqueles que desejam ser desafiados a conseguir notas e combos mirabolantes utilizando tudo que o sistema de combate oferece, terão um banquete satisfatório pelas poucas horas do modo principal. Para aqueles que apenas querem um beat em up descompromissado, é melhor procurar algo mais próximo disso.
A parte de ambientação e música, por outro lado, definem o jogo. É uma ambientação lindíssima, charmosa pelos gráficos de 32 bits acompanhados de toques mais modernos de iluminação, e uma trilha sonora que transmite bem o clima opressor da aventura através de ritmos frenéticos. Talvez isso não compense alguns momentos de frustração, mas definitivamente o torna único.
Prós:
- Estética biopunk bem atraente;
- Gráficos de PS1/Saturn charmosos (e mais indies 3D deveriam puxar esse estilo);
- Sistema de combate visceral e satisfatório;
- História densa, com alguns pontos de representatividade bem diferenciados;
- Trilha sonora que casa perfeitamente com os momentos.
Contras:
- Quedas de performance;
- Picos de dificuldade injustos;
- Poucos recursos defensivos, e o parry no estilo 3rd Strike é uma péssima decisão como método principal de defesa;
- Falta de recursos de acessibilidade como escolhas de dificuldade;
- A luta contra Atavaka beira ao impossível.
Slave Zero X — PC/PS4/PS5/XBO/XSX/Switch — Nota: 6.5Versão utilizada para análise: PC
Revisão: Vitor Tibério
Análise produzida com cópia cedida pela Ziggurat