O final da Sega no ramo de consoles domésticos foi algo melancólico, mas não surpreendente ao analisar as péssimas decisões da empresa durante a segunda metade dos anos 1990. O desenvolvimento conturbado do Saturn, as escolhas questionáveis de parceria e a briga interna entre a divisão japonesa e estadunidense culminaram no fim precoce do Dreamcast, o console que tentou colocar a casa no lugar, mas já era tarde demais.
Em 2001, após o anúncio de que a Sega passaria a ser uma desenvolvedora para outros sistemas, Sonic foi um dos primeiros a desvendar outras terras. Sonic Advance e Sonic Adventure 2: Battle foram lançados para consoles Nintendo, e um novo título do ouriço estava em desenvolvimento não só para o GameCube, como também para o arrasa-quarteirão PlayStation 2 e o novato Xbox.
Sonic Heroes foi lançado em 30 de dezembro de 2003 no Japão, 6 de janeiro de 2004 no GameCube e 27 do mesmo mês nas demais plataformas, e iniciou a primeira entrada multiplataforma da franquia.
Apresentando o ouriço para novos públicos
O principal foco da Sonic Team no jogo foi trazer uma aventura mais leve e direto ao ponto. Enquanto Sonic Adventure e Sonic Adventure 2, ambos lançados para Dreamcast, focaram em narrativas maiores e diversos estilos de jogabilidades diferentes, Heroes buscou uma vertente mais simples, trazendo sua própria mecânica, mas não investindo tanto na história e focando na estrutura de fase a fase.
Mas para trazer alguma variedade e apresentar o universo da série para novos públicos, a campanha divide-se em quatro times de três personagens, cada um separado por três arquétipos: velocidade, sendo os personagens mais rápidos e capazes de desarmar inimigos; voo, aqueles que conseguem carregar o time voando e utilizando-os como ferramenta de ataque; e poder, a linha de frente que é a pedida para lidar com os inimigos através de seus socos e armas. As equipes são:
Team Sonic: o clássico time composto por Sonic, Tails e Knuckles é a porta de entrada para a maioria dos jogadores. Eles precisam parar Dr. Eggman novamente, que deseja dominar o mundo com sua frota Egg Fleet. Os três devem lidar com o cientista num prazo de 72 horas.
Team Dark: marcando o retorno dos mortos de Shadow e fazendo uma leve ligação direta com Sonic Adventure 2, o trio trevoso é formado pelo ouriço cinquentenário, Rouge e o novato robô E-123 Omega. Todos possuem assuntos a lidar com Eggman, o que os leva à aventura, que é a mais desafiadora das equipes.
Team Amy: o time mais acessível em questões de dificuldade. Composta por Amy Rose, Cream (junto de seu Chao, Cheese) e Big, essa equipe enfrenta desafios menos complexos, reduzindo pela metade a extensão das fases. Enquanto a destemida ouriça rosa está em busca de seu "grande amor", a coelha empreende uma jornada para resgatar o irmão de Cheese, e o gato roxo persiste na busca por Froggy, ambos supostamente sequestrados por Sonic.
Team Chaotix: trazendo de volta os três personagens estreantes de Knuckles’ Chaotix, o time de detetives falidos é composto por Espio, Charmy e Vector, que foram contratados por uma figura misteriosa que promete uma recompensa boa por seus serviços. A jogabilidade do trio é a mais diferente, já que, apesar de passar pelas mesmas fases, o objetivo não é chegar ao final e sim resolver tarefas, que normalmente se resumem a coletar uma quantidade determinada de algo.
A leveza de Sonic Heroes se estende para além da história, já que a direção de arte busca algo mais colorido e até traz de volta alguns conceitos clássicos, como o estilo xadrez das paredes e chãos da primeira e segunda fase. É um jogo mais lúdico, ajudando numa variação temática ampla para as fases.
A parte técnica é interessante pela questão das quatro plataformas que receberam o jogo. O processo de desenvolvimento foi extremamente complicado para Sonic Team, pois a equipe teve que aprender sobre como o hardware do PlayStation 2 e do Xbox funcionavam — Adventure 2: Battle já a deixou com uma certa segurança em relação ao GameCube. É importante lembrar que, apesar da menor disparidade entre os sistemas, cada console ainda tinha suas peculiaridades que precisavam de uma certa atenção exclusiva para cada um.
A versão de GameCube acabou se sobressaindo entre as demais, apresentando Sonic Heroes a 60 fps, com um bom trabalho de texturização e desempenho sem gargalos. Enquanto o do Xbox chega perto da estabilidade do console da Nintendo, o videogame da Sony foi o que mais sofreu no processo, apresentando uma jogabilidade (ainda mais) escorregadia devido à taxa de quadros a 30 fps (não estáveis), bugs e pior fidelidade visual, especialmente devido à falta de modo 480p.
O port para PC, que é a versão que utilizei na maior parte da produção deste texto, é baseado na edição do console da Microsoft, com algumas alterações relacionadas ao armazenamento original do jogo ser em CD e outras alterações visuais — mas, ao menos, é a versão que apresenta resolução HD nativamente, além de ser naturalmente mais aberta a mods para sistemas atuais.
“...the REAL SUPER POWER of TEAM WORK!”
Sonic Heroes apresenta catorze fases, com um chefe a cada duas. Apesar de cada uma delas apresentar um nome diferente, na prática, é o estilo de dois atos com uma batalha contra Eggman como nos jogos da série clássica. A estrutura dos níveis segue a mesma ideia dos dois jogos 3D anteriores, com os personagens precisando chegar do ponto A ao ponto B pulando entre plataformas, derrotando inimigos e experienciando alguns momentos de espetáculo.
A mecânica de trio muda nossa interação com os desafios. Em alguns momentos, as fases apresentam caminhos diferentes que pedem as especialidades de cada personagem. Por exemplo, numa área mais aberta da Seaside Hill, há três formas de seguir em frente: utilizar o voo para passar por argolas de velocidade no ar, seguir um caminho em alta velocidade ou ir pela praia, enfrentando os inimigos e achando alguns itens com o uso de um canhão.
Apesar de parecer bem interessante e a mecânica se sustentar por muito tempo, a criatividade dela acaba ficando um tanto limitada com o passar das campanhas, dando uma impressão de repetitividade. Isso não só na reprise de áreas dentro de uma mesma fase, como no quão longas elas são. A jogabilidade em si também não é muito refinada, já que o controle sobre os personagens é solto demais ao ponto de todo mundo parecer estar em pistas de gelo.
Outro elemento introduzido aqui que poderia ter sido melhor explorado é o combate, já que todos os heróis possuem uma quantidade considerável de movimentos, mas que, no geral, se resumem a bater algumas vezes em inimigos que vão se repetindo constantemente sem precisão. Há um sistema de level up que aumenta a força de todos os membros do trio em até três pontos, mas também é subutilizado.
Já a trilha sonora é excelente, trazendo o mesmo espírito dos jogos de Dreamcast com ainda mais variedade de estilos. A banda Crush 40 retornou para compor alguns temas vocais, incluindo o infame “Sonic Heroes” como música de abertura. Curiosamente, as letras das faixas são ainda mais bregas e infantis que antes, mas representam bem o espírito mais descontraído do título. A melodia mais esperançosa da Frog Forest, a mistura de techno com tema de horror da Mystic Mansion e a catártica “What I’m Made Of…” que toca na batalha final são os maiores destaques musicais para mim.
“Because, we’re Sonic Heroes!” (as frases de efeito do Sonic nesse jogo são um deleite de cafonice)
Apesar de ser um título mais apagado perto do legado de seus antecessores, Sonic Heroes representa uma nova era para Sonic e para a Sega. Ainda que os jogos diretos a ele — especialmente Shadow the Hedgehog e Sonic ‘06 — não tenham aproveitado do novo frescor, ainda é um jogo que vale a pena dar uma olhada novamente. É uma pena que esteja no seleto grupo de games da franquia que não receberam um relançamento, mas ele possui seu espaço neste legado.
Revisão: Heloísa D’Assumpção Ballaminut