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Análise: Sona-Nyl of the Violet Shadows Refrain (PC): uma narrativa sobre a intrínseca relação entre o concreto e o subjetivo

Em uma Nova Iorque alternativa, duas garotas tentam descobrir o motivo da ruína da cidade.

Sona-Nyl of the Violet Shadows Refrain é um port remasterizado do quinto título da série steampunk da Liar-soft, originalmente lançado no Japão em 2010 para Xbox 360 e PlayStation Portable. Finalmente disponível no Ocidente via Steam, depois de ter sido anunciada em 2016, esta visual novel traz um cenário calamitoso em uma Nova Iorque alternativa do início do século XX.

Os dois lados de uma mesma ruína

A história de Sona-Nyl se passa em 1907. Nela, acompanhamos as protagonistas Elysia Wentworth e Lily, que tentam descobrir a verdade por trás de uma catástrofe que acometeu a cidade de Nova Iorque cinco anos antes, em 1902, praticamente extinguindo toda e qualquer forma de vida na metrópole mais promissora do mundo.

Embora a trama traga os pontos de vista dessas duas garotas, uma não tem conhecimento da outra. Elysia está na superfície, procurando por quaisquer vestígios que a levem a entender o que aconteceu com Nova Iorque e seus habitantes; já Lily, em um subterrâneo (chamado de Underground) cheio de bizarrices — com direito a um céu de tons violetas nada natural, animais antropomórficos e um estranho fenômeno que impede que os habitantes se lembrem de acontecimentos importantes. A única característica que liga as duas é o fato de que ambas estão em busca de alguma coisa importante para elas.


A princípio, as realidades de Elysia e Lily parecem estar isoladas, mas, conforme avançamos na aventura, somos induzidos a entender que o Underground reflete os acontecimentos da superfície. Dessa forma, Sona-Nyl nos convida a refletir sobre a intrínseca dicotomia entre concreto e subjetivo; contudo, todos esses detalhes estão espalhados em nuances apresentadas nas entrelinhas da narrativa, que, embora bastante direta se comparada às outras entradas steampunk da desenvolvedora, pode deixar as pessoas mais desatentas um tanto perdidas no contexto.

No entanto, embora a visual novel traga o ponto de vista de duas protagonistas, a história acaba focando muito mais em Lily do que em Elysia — não é para menos, já que, se realmente acreditarmos que o subterrâneo da metrópole é um reflexo da realidade, todos os acontecimentos importantes são explicados neste estranho local. Mesmo com esse foco desproporcional entre Lily e Elysia, o desenvolvimento dessas garotas (e dos demais personagens secundários) é interessante e bem-elaborado, contribuindo para a criação de um universo único, cativante e instigante.

Uma narrativa densa

Como comentado no tópico anterior, embora a história seja bastante direta e pessoas mais atentas sejam capazes de ligar A com B sem muita dificuldade, é inegável que o estilo textual da autora de Sona-Nyl, Hikaru Sakurai, possa se provar cansativo para quem não está acostumado com visual novels mais introspectivas, por assim dizer. A narrativa da VN desta análise traz uma leitura densa e cheia de repetições propositais, mas, ao mesmo tempo, se demonstra profunda e aborda conceitos interessantes da psique humana (especialmente a feminina).

No entanto, a maior parte do texto se desprende em monólogos internos das heroínas, que às vezes até parecem desconexos da realidade da VN em si; esse fator é ainda mais agravado pela escolha de dividir a trama em cinco capítulos episódicos que pouco têm ligação entre si. Soma-se isso ao uso de termos extremamente específicos — felizmente, Sona-Nyl conta com um vasto glossário com todas as terminologias usadas ao longo da história — e temos uma leitura que é difícil de acompanhar de uma só vez, mesmo com uma ótima localização para o inglês.


Explico: como de praxe nesse universo steampunk criado pela Liar-soft, Sona-Nyl traz um grande apelo à introdução de máquinas a vapor e outras tecnologias provenientes (ou releituras destas) da Revolução Industrial, bem como elementos da narrativa lovecraftiana, embora outros clássicos da literatura também estejam presentes — é difícil não traçar um paralelo com Alice no País das Maravilhas, por exemplo, quando conhecemos Lily pela primeira vez.

Se já não tivesse tido contato prévio com Gahkthun of the Golden Lightning, a sétima entrada (que também foi escrita por Sakurai, vale ressaltar) nesta série steampunk, eu com certeza classificaria Sona-Nyl como uma leitura tediosa, porque esse é o melhor adjetivo para descrever a visual novel em questão.


Um ponto interessante que não posso deixar de comentar é a presença de pequenos interlúdios entre um capítulo e outro, que trazem mais informações sobre os personagens e os acontecimentos da história. Por exemplo, o primeiro interlúdio nos conta um pouco mais sobre o passado de Elysia, o que nos leva a entender por que a personagem está tão obcecada em descobrir o que aconteceu em Nova Iorque.

Igualmente interessante, há também uma espécie de “quiz” entre os capítulos que consiste em escolher as afirmações incorretas apresentadas em artigos de uma reimaginação do jornal The Washington Post. Quando fazemos as escolhas certas, baseadas em nuances apresentadas ao longo dos episódios, descobrimos mais elementos por trás da catástrofe que assolou a Nova Iorque de Sona-Nyl; corrigir as inverdades do jornal nos recompensa com ilustrações e histórias extras; porém, uma dedução errada acarreta um final ruim.

Imersão também na arte

Em termos audiovisuais, Sona-Nyl oferece um belíssimo pacote de músicas e artes que complementam muito bem sua atmosfera. O título conta ainda com uma excelente dublagem integral em japonês para todos os diálogos, incluindo os monólogos intrapessoais dos personagens.

Contudo, quero destacar que, mesmo com as maravilhosas ilustrações de AKIRA, chamam de fato a atenção os contrastes entre tons monocromáticos na Nova Iorque “da superfície” e a paleta de cores predominantemente em tons de roxo para o Underground. Essa dualidade contribui não apenas para a visível distinção entre essas duas realidades, como também na imersão proporcionada pela visual novel como um todo.


A trilha sonora também tem um peso relevante para o aproveitamento do jogo. Mesmo com faixas que se repetem à exaustão, as composições, que mesclam diversos estilos, como jazz, noir e influências parisienses, captam com extrema sutileza as situações apresentadas no decorrer da leitura. Dentre todas as VNs que já joguei, acredito que nenhuma desenvolvedora tenha conseguido chegar perto do impacto que a trilha sonora dos títulos da Liar-soft carrega.

A versão de Sona-Nyl disponível no Steam, cedida para esta análise, não possui as cenas 18+; porém, um patch gratuito no site da MangaGamer pode ser baixado e instalado. No entanto, o conteúdo adulto continua sendo opcional e não afeta em nada a trama como um todo, sendo mais um “fanservice com conteúdo” (no sentido de adicionar um pouco mais de histórico a alguns personagens, como Milia) do que um material obrigatório para o entendimento do jogo. Contudo, é importante ressaltar que optar por esse patch adiciona o conteúdo original (sem cortes) à pasta de instalação da versão de Refrain, fazendo com que os arquivos de salvamento e galerias não sejam compartilhados entre as duas versões. 

Por fim, embora não tenhamos à disposição um log para mensagens já lidas, todas as outras opções de qualidade de vida necessárias para um bom aproveitamento de uma visual novel (velocidade de texto, leitura automática, volume de música, vozes e efeitos sonoros etc.) estão presentes em Sona-Nyl.

Realidade, fantasia e escapismo

Sona-Nyl of the Violet Shadows Refrain, com suas aproximadas 25 horas de duração (desconsiderando o conteúdo adulto), é mais uma entrada de qualidade na série steampunk desenvolvida pela Liar-soft. Sua narrativa, simples de entender na superfície, contém uma densidade ímpar capaz de transformar essa visual novel em uma incrível e rica jornada reflexiva pela psique humana, fazendo valer a pena a espera de sete anos pela localização ocidental da obra. 

Prós

  • Narrativa riquíssima em conteúdo, trazendo discussões e reflexões importantes sobre a psique e o comportamento humanos, entre outros;
  • Excelente apresentação audiovisual, sobretudo a apresentação estética dos cenários contrastantes da superfície e do Underground;
  • A trilha sonora e a dublagem integral em japonês adicionam mais profundidade aos acontecimentos da história;
  • As duas protagonistas, Elysia e Lily, possuem pontos de vista diferentes de uma mesma catástrofe;
  • Os quizzes e interlúdios entre os capítulos dão mais detalhes sobre o contexto da trama;
  • Completar os quizzes corretamente nos recompensa com capítulos extras ao terminar o jogo;
  • Ótima mescla entre realidade em fantasia, marca registrada da série steampunk da Liar-soft;
  • Possui ferramentas de qualidade de vida básicas para o bom aproveitamento de uma visual novel, como velocidade de texto, leitura automática e ajuste de volume;
  • Personagens complexos, bem-desenvolvidos e únicos;
  • Ótima localização para o inglês;
  • O conteúdo adulto, embora opcional, aprofunda o histórico de alguns personagens, como Milia.

Contras

  • O estilo literário repetitivo de Hikaru Sakurai e a divisão fragmentada da história em capítulos dificultam a acessibilidade e compreensão para quem não tem familiaridade com visual novels extensas;
  • Detalhes importantes para o entendimento da trama requerem atenção durante a leitura, já que estão escondidos nas entrelinhas dos diálogos;
  • Ausência de log para rever textos já lidos;
  • Instalar o patch 18+ “divide” o jogo em duas versões que não compartilham de galeria e arquivos de salvamento;
  • A falta de localização para o português pode afastar pessoas que não tenham um conhecimento minimamente avançado de inglês.
Sona-Nyl of the Violet Shadows Refrain — PC — Nota: 8.5
Revisão: Davi Sousa
Capa: Juliana Paiva Zapparoli
Análise produzida com cópia digital cedida por MangaGamer

Também conhecida como Lilac, é fã de jogos de plataforma no geral, especialmente os da era 16-bits, com gosto adquirido por RPGs e visual novels ao longo dos anos. Fora os games, não dispensa livros e quadrinhos. Prefere ser chamada por Ju e não consegue viver sem música. Sempre de olho nas redes sociais, mas raramente postando nelas. Icon por 0range0ceans
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