A transição para o 3D representou um dos grandes desafios para muitas franquias quando os jogos poligonais começaram a dominar o cenário dos videogames. Adaptar o design de jogo de um formato 2D não se resumia a reposicionar a câmera nas costas, e diversas séries precisaram se reinventar.
Sonic foi um dos nomes que enfrentaram várias tentativas de se aventurar no terreno tridimensional, a maioria frustradas devido a limitações técnicas. Contudo, com o lançamento do Dreamcast em 1998, a franquia teve a oportunidade de explorar novos horizontes, marcada pelo lançamento de Sonic Adventure, que instantaneamente se tornou um dos títulos mais queridos da Sega.
Uma era de indecisões
Sonic Adventure não representou a primeira tentativa de levar Sonic para uma nova geração, pois a ideia já estava em andamento desde a era do Sega Saturn. O ouriço azul se tornou o principal representante da Sega e um ícone dos videogames, então era apenas questão de tempo para que ele explorasse terras tridimensionais. Ao menos era o que se pensava.
Um dos maiores desafios ao adaptar um platformer focado em alta velocidade residia no hardware que seria responsável por processar toda essa ação. Para aqueles familiarizados com os consoles da quinta geração, a problemática do draw distance — a distância em que o jogo 3D é renderizado — era um obstáculo considerável no desenvolvimento de diversos títulos, então algo que exigia processamento rápido certamente possuía seu grau de dificuldade.
Os spin-offs Sonic The Fighters e Sonic R eram os únicos jogos 3D do ouriço disponível antes de Adventure. |
A tentativa mais notória foi Sonic X-Treme, um título fracassado liderado pelo estúdio norte-americano da Sega, o Sega Technical Institute (STI). O projeto foi abandonado após a recusa de Yuji Naka, o principal programador da Sonic Team, em compartilhar a engine de Nights into Dreams com a equipe de desenvolvimento ocidental. Não demorou muito para a subsidiária japonesa assumir o desenvolvimento de um novo Sonic, com foco em narrativa e adotando um esquema mais voltado a um RPG.
Com a iminência do lançamento do Dreamcast, o projeto acabou sendo transferido para essa plataforma. Munido de um hardware consideravelmente mais poderoso e de novas possibilidades, o foco mudou para ação e desafios de plataforma tradicionais, tornando Sonic Adventure uma transição legítima das aventuras 2D para o 3D. Em um período surpreendentemente curto, pouco mais de um ano de desenvolvimento, o jogo foi lançado em 23 de dezembro de 1998, no Japão.
Os seis aventureiros
Sonic Adventure possui uma trama mais elaborada, abordando a mitologia dos equidnas, a raça à qual Knuckles faz parte, e explorando a origem das Esmeraldas do Caos e da Esmeralda Mestre. Pachacamac, líder da tribo conhecida como Os Knuckles, via as esmeraldas como a principal fonte de poder para expandir seu império, uma ambição que não era compartilhada por Tikal, sua filha.
Pachacamac decide invadir o altar, desencadeando a ira de Chaos, líder dos espíritos aquáticos conhecidos como Chao, que habitavam a região ao redor do altar das esmeraldas. Sem alternativas, Tikal recorre à Esmeralda Mestre, solicitando que interrompa a violência, resultando no selamento tanto de Chaos quanto do espírito dela dentro da esmeralda.
Milênios depois, o vilão Dr. Eggman acidentalmente descobre essa história em suas pesquisas. Com o objetivo de construir seu império na cidade de Station Square, o cientista une forças com a criatura aquática, que coincidentemente conseguiu se soltar do selo e despedaçar a Esmeralda Mestre. Agora, cabe a Sonic e seus amigos impedir a iminente ameaça que Chaos representa para o mundo.
As campanhas se dividem em dois segmentos: as Adventure Fields, hubs abertos que abrigam as fases, novas habilidades e alguns puzzles simples; e os Action Stages, níveis principais. Apesar da estrutura interessante, as Adventure Fields acabam sendo uma freada no ritmo de gameplay.
Controlar o ouriço em ambientes 3D foi uma conquista notável em Sonic Adventure. O frenesi de correr em alta velocidade nas fases, destruindo robôs pelo caminho, coletando anéis e itens foi aumentado com a liberdade dos ambientes tridimensionais, dando ainda mais possibilidade a set pieces. A icônica cena da orca destruindo as pontes de Emerald Coast ficou gravada na mente de todos viam aquilo pela primeira vez.
Uma das inovações cruciais para o controle de Sonic é a introdução do Ataque Teleguiado, o famoso Homing Attack. Atacar inimigos com precisão em uma câmera 3D é desafiador, e a solução da Sega foi implementar um ataque automático no inimigo mais próximo. Essa decisão tornou-se tão crucial para Sonic quanto o Z-Targeting foi para The Legend of Zelda, sendo inimaginável conceber um jogo 3D da série sem esse recurso.
No entanto, Sonic não é o único personagem controlável nessa aventura, pois Adventure apresenta mais cinco personagens distintos: Tails, que compete em corridas com Sonic e conta com voo para superá-lo; Knuckles, focado na exploração de grandes cenários; Amy, cuja gameplay é centrada em fugas; E-102 Gamma, que introduz um estilo de jogo de tiro em galeria; e Big, com foco na pescaria. Embora nenhuma dessas campanhas ofereça a mesma diversão e polidez que a jornada do ouriço — especialmente as de Amy e Big —, elas foram necessárias para estender a campanha, dada a limitação de tempo de desenvolvimento.
É importante notar que, apesar de seus méritos, o curto período de produção do título resultou em alguns inconvenientes. Bugs são frequentes, a câmera torna-se um inconveniente em locais fechados e o controle não possui a precisão dos jogos 2D.
Um modo apresentado pela primeira vez aqui é o Chao Garden, que funciona como um simulador em que o objetivo principal é cuidar dos Chao. Nesse ambiente, os jogadores têm a tarefa de ensinar diversas habilidades a eles, como nadar e voar, além de conferir características absorvidas de animais, tudo enquanto participam de minigames divertidos. A experiência desse modo é ainda mais aprimorada com a integração ao VMU, o cartão de memória com tela do Dreamcast, que possibilita aos jogadores carregar e cuidar de suas criaturas em qualquer lugar.
O poder dos "128-bits"
Em questão de gráficos, Sonic Adventure efetivamente explorou grande parte do potencial inicial do Dreamcast. Os cenários são ricamente detalhados e os Action Stages apresentam elementos dinâmicos, como a água da Emerald Coast e as pontes quebradiças da Windy Valley. O trabalho de texturização superou qualquer coisa vista nos consoles até aquele momento, destacando-se também pelo aumento significativo na área de renderização dos ambientes.
Os personagens passaram por uma atualização de seus designs. Eles estão mais esguios e os espinhos de Sonic e Knuckles são maiores, além de todos receberem íris coloridas. Yuji Uekawa desempenhou um papel fundamental ao trazer uma nova perspectiva aos personagens da franquia por meio de suas artes, utilizando de distorções para conferir a eles uma visão dinâmica e radical. A adaptação dos novos designs para o game não reflete totalmente as artes promocionais, mas a construção soa como um meio-termo entre o visual clássico e o moderno.
Apesar das animações durante a jogabilidade serem muito bem executadas, com o uso de efeitos de distorção nos modelos para simular altas velocidades, as cenas de história assumem acidentalmente um tom bastante cômico. As reações exageradamente caricatas de todos os personagens, a movimentação labial completamente fora de sincronia com a dublagem e as animações desajeitadas resultam em cenas tecnicamente pobres — mas, ao menos, proporcionam momentos hilários.
Um componente definidor da "era Adventure" é a trilha sonora. Sonic Adventure adotou o rock 'n roll como sua identidade musical durante esse período, apresentando letras e ritmos cativantes cheios de atitude e, às vezes, um toque de exagero. A formação da banda Crush 40 foi especificamente para músicas vocais, contando com Jun Senoue, o guitarrista envolvido nas melodias da franquia desde Sonic 3, e Johnny Gioeli, vocalista da banda Hardline, como figuras proeminentes na parte sonora de 1998 a 2005.
Open Your Heart
Windy and Ripply (Emerald Coast 2)
Leading Lights (Lost World 3)
O clássico do Dreamcast ganhou uma nova versão em 2004 para GameCube e PC, sendo posteriormente adaptado para Xbox 360 e PlayStation 3 em 2010. Denominado Sonic Adventure DX: Director's Cut, essa edição incluiu a reformulação de modelos e alguns detalhes de cenário, resultando em diversas alterações que impactaram a identidade visual do trabalho original. Até hoje, essas mudanças são tópico de debate entre os fãs; pessoalmente, considero que o visual original do console da Sega é melhor construído na maioria dos casos.
"Open your heart, it's gonna be alright!”
A conhecida afirmação "Sonic teve uma transição difícil para o 3D" sempre me pareceu uma abordagem um tanto simplista em relação aos jogos tridimensionais da franquia. Sim, a série enfrentou desafios, especialmente após a saída da Sega do mercado de consoles, resultando em títulos de qualidade questionável. No entanto, é crucial destacar que o início dessa transição não significou necessariamente um jogo de baixa qualidade.
Sonic Adventure trouxe novamente o nome do personagem para a boca do público, revivendo o interesse na franquia após anos de declínio. Além disso, ele estabeleceu a identidade que a série adotaria, apresentando uma abordagem ligeiramente mais sombria e cheia de atitude, perfeitamente sintonizada com o final dos anos 1990 e o início dos anos 2000. Embora não seja isento de falhas, este está longe de ser um jogo ruim, e suas qualidades se destacam em meio aos elementos datados que possa apresentar.
Revisão: Davi Sousa