Análise: Avatar: Frontiers of Pandora (Multi) é um desperdício de mundo aberto fantasiado de Far Cry

Título que passou seis anos em desenvolvimento é genérico como um jogo de PS3 baseado em filme, mas adaptado aos tempos modernos da indústria.

em 19/12/2023



Algumas marcas não originárias dos videogames aparentam ser relativamente fáceis de se adaptar porque, conceitualmente, parecem casar com perfeição com alguma estrutura de jogabilidade recorrente ou conhecida da indústria. Baseado na multimilionária propriedade intelectual concebida por James Cameron, Avatar: Frontiers of Pandora (Multi) é um exemplo claríssimo dessa máxima, uma vez que o produto pode ser resumido simplesmente a um Far Cry temático produzido da forma mais burocrática que a Ubisoft é capaz de fazer.

Imergir na cultura na’vi é tão entediante assim?

Durante a insurreição liderada por Jake Sully no primeiro filme, um grupo na’vi de crianças que foi retirado de suas tribos e educado pelos humanos no intuito de se tornarem embaixadores que serviriam de ponte entre as duas culturas é colocada em suspensão criogênica. Dezesseis anos depois, elas são despertadas por um grupo de resistência contra a RDA (a Associação de Desenvolvimento de Recursos, a organização antagonista).




Agora cabe ao jogador, na identidade de um desses na’vi, lutar contra os vilões enquanto tenta se reconectar com suas raízes. Paralelamente a isso, temos que enfrentar também os humanos vilões que querem colonizar Pandora, poluindo e corrompendo o ecossistema do planeta enquanto seguem em uma política agressiva de extrativismo. Nada muito diferente da base do roteiro do primeiro filme — exceto pelo fato de que, bem, não estamos controlando um Avatar, mas um nativo.

No papel, o universo de Avatar é perfeito para um jogo de mundo aberto, não é? Com fauna e flora vastas e próprias, Pandora parece convidar para uma imersão na cultura na’vi, algo que o eventual jogador certamente irá aceitar. E, agora, o que eu vou dizer pode parecer completamente contra-antropológico, mas não demora muito para percebermos que a cultura dos caras é bem chata.

Isso tem a ver, na realidade, com a morosidade que é aprender a ser um na’vi, já que o protagonista e sua trupe passaram a vida inteira ou sob tutela humana ou sob suspensão criogênica. Basicamente, o que o jogador precisa fazer é ir se apresentando para as várias tribos espalhadas por Pandora e, para conquistar a confiança delas, ir realizando diversas tarefas que exigem mais da nossa paciência do que da habilidade.




De resto, a estrutura básica do título segue a fórmula tradicional da franquia, alternando entre as várias missões principais que desenvolvem a história básica, as missões secundárias e completamente opcionais, mas que ainda são úteis para algumas recompensas, e algumas outras de terceira importância, mas que ainda servem para evoluir o nosso personagem, como encontrar algumas plantas sincronizáveis (através daquele rabo de cavalo com o qual os na’vi entram em comunhão com os outros seres vivos de Pandora, lembra?) para termos acesso a algumas habilidades dos ancestrais.

Nota-se que a trama em si é bem constrangedora. No aspecto macro, as linhas gerais da história são previsíveis e pouco interessantes, com destaque ao vilão principal, John Mercer, que é tão genérico quanto seu nome indica. Pode ser que tenha sido proposital, uma vez que o foco é justamente nossa imersão na cultura na’vi, mas o sujeito chega a ser cômico como um vilão de algum desenho vespertino qualquer dos anos noventa.

Logo de início, também seria legal ter um sistema mais robusto e com mais opções na hora de personalizar o físico do nosso na’vi. Mesmo que toda a perspectiva do título seja em primeira pessoa, é um pouco frustrante termos a opção de criar o nosso boneco e, a despeito de qualquer coisa que a gente faça, ele sempre terminar com as mesmas fisionomias.  



Far Cry 3: Frontiers of Pandora

Uma vez que finalmente estamos livres para explorar à nossa vontade, percebemos que Pandora foi feita para impressionar, mas apenas nas duas ou três primeiras horas de jogo. Logo de cara, nós nos deparamos com uma imensidão verde de aparente fauna e flora vastas, principalmente porque começamos a utilizar boa parte do nosso tempo catalogando as espécies que vão surgindo no nosso caminho.

Entretanto, logo percebemos que a maior parte do que Avatar: Frontiers of Pandora tem a oferecer já está ao nosso alcance logo nesse começo de jogo. O design do mapa de Pandora em si é muito bem feito, mas parece ser um grande desperdício de espaço aberto, uma vez que não há variedade de espécimes úteis nele.

Digo, o mapa de Pandora é extremamente colorido e convidativo para a exploração, mas de todas as plantas e animais passíveis de catalogação, só uma pequena parcela tem utilidade prática em termos de jogabilidade. É aí que entra o gerenciamento de recursos, já que é sempre necessário ficar coletando diversos tipos de materiais usáveis, mas a distribuição desses pelo mundo é sofrível.




O jogo ainda dá uma colher de chá e concede ao nosso na’vi uma espécie de eagle vision do Assassin’s Creed, na qual os objetos interagíveis — como animais, frutos e inimigos — ficam em evidência na nossa visão, mas ainda assim ficamos reféns das condições climáticas e da boa vontade do gerador aleatório do título em nos ceder algum material de qualidade que nos seja útil para completar as missões.

Em teoria, isso passa a impressão de um mundo vivo. Na prática, só é chato e parece estender artificialmente o tempo que despendemos em nossa jornada de autoconhecimento em Pandora.

Paralelamente, é necessário ficar de olho nos medidores de vida e energia (que também funciona como um medidor de “fome”). Ambos funcionam em uma espécie de sincronia na qual o medidor de vida se recupera sozinho enquanto nossa energia estiver com o tanque cheio. Essa segunda barra claramente existe como uma maneira de justificar uma outra mecânica, a que nos permite cozinhar vários pratos distintos, mas ela também é mais um elemento de jogabilidade que, embora esteja no intuito de tentar promover a imersão naquele mundo, mais se torna um fardo do que qualquer outra coisa.




É impressionante que não tem muito tempo que eu estava rejogando Far Cry 3: Blood Dragon (Multi), que é um título lançado há dez anos, e ver que a série — ou, ao menos, Frontiers of Pandora — se assimila a ele, tirando alguns dos avanços óbvios devido exclusivamente ao hardware mais potente, já que o game design segue com o mesmo formato arcaico. E, assim, o problema não é seguir a estrutura do Far Cry, mas fazer isso e ainda assim continuar um produto extremamente chato. Far Cry 6 (Multi) está aí para provar que esse modelo característico ainda pode funcionar, é só saber utilizá-lo. 

Os únicos momentos minimamente interessantes são aqueles nos quais temos que ir purificando algumas áreas do mapa que foram tomadas pela RDA para a extração dos recursos naturais, como mineração. Nisso, é necessário invadir as bases e destruí-las por dentro. Por conta do design variado que tais localidades apresentam, embora sejam tarefas repetidas dentro de uma única linha de história, há diversidade o suficiente para se tornarem o principal momento de diversão prática do título.

Para tal, o jogador conta com um arsenal que, em boa parte, é forjado por ele próprio, como arcos de distâncias distintas e flechas e explosivos de efeitos variados. Também é possível utilizar armas humanas, mas um detalhe interessante é que elas têm uma utilidade prática irrisória, já que degradam automaticamente a qualidade da carne obtida na caça e, mesmo contra os inimigos da RDA, carecem de precisão que justifiquem seu uso indiscriminado.




Essa dualidade proposital seria bem sacada se a todo momento não fôssemos obrigados a usar outros equipamentos humanos, como o scanner que serve para hackear os computadores espalhados por Pandora. E, entrando em um mérito sociológico aqui, mesmo os humanos bonzinhos ainda tratam os na’vi como animais exóticos em vez de seres racionais dotados de cultura própria. Não dá para levar a sério.

Outra mecânica própria de Frontiers of Pandora é o momento em que finalmente ganhamos acesso ao Ikran (aquele bicho que se parece um parente distante de um pterodátilo) para enfim voarmos pelo céu. Para tal, precisamos passar por uma escalada chatíssima antes de nosso na’vi finalmente alcançar o topo e conquistar a confiança do animal.

Esse trecho em específico é bastante interessante para fins de comparação, porque me remeteu muito ao mesmo trajeto feito para alcançar o Wind Temple em The Legend of Zelda: Tears of the Kingdom (Switch). Se no Zelda essa jornada já era considerada relativamente enfadonha e se trata de um jogo equilibrado, em Frontiers of Pandora é um verdadeiro teste para a paciência do jogador.




Isso  porque não há sentido para o quão bonita Pandora ficou na construção feita pela Ubisoft, uma vez que ela se revela como um espaço extremamente moroso de se explorar. Em teoria, Pandora parecia pronta para ser adaptada para um videogame, mas é necessário fazer dela um ambiente instigante e não apenas convidativo.

Inclusive, não adianta também fazer um mundo lindo e o time de produção incluir um modo fotografia simplesmente horroroso e de difícil manejo. Isso é particularmente intrigante porque a própria Ubisoft tem um sistema proprietário muito bom que ela utilizou nos últimos jogos da série Assassin’s Creed e que poderia tornar o mundo de Frontiers of Pandora mais facilmente instagramável, se formos utilizar uma terminologia moderninha.



Um jogo de filme corrigido pela inflação

Sabe, quando o game começou a rodar no console eu realmente estava empolgado na expectativa de receber ao menos o mínimo de excelência que um jogo da Ubisoft que ficou pelo menos uns seis anos em desenvolvimento deveria ser capaz de oferecer. Quanto mais avançamos na história, mais genérica ela vai se mostrando. As missões se mostram enfadonhas e a impressão de grandiosidade do mundo aberto fica bem por aí, apenas na impressão mesmo.

Esse tempo todo de desenvolvimento, inclusive, me parece ter sido só resultado de um péssimo planejamento, como se tivessem se perdido demais no escopo do título e, na hora de lançar, não conseguiram trabalhar o suficiente para torná-lo algo mais do que outro jogo estigmatizado pela estrutura quase patenteada de jogabilidade da Ubisoft, mas com uma aplicação tão precária que não consegue conquistar nem mesmo os fãs desse formato de game design.

Assim, Avatar: Frontiers of Pandora é o que se espera de um game licenciado sem alma como os da era do PlayStation 2 e começo do PlayStation 3. A diferença principal é que ele é um produto corrigido pela inflação, atualizado para corresponder ao que se espera de um título de mundo aberto produzido na indústria de jogos moderna. 

Prós

  • O ambiente explorável de Pandora é realmente muito bonito e bem-feito;
  • Pilotar o Ikram até que é divertido;
  • Bases da RDA são as únicas missões que não matam o jogador de tédio.

Contras

  • História risível, nem sequer tentaram aqui;
  • Temas do jogo, como a dualidade entre os humanos e os na’vi, foram apenas pincelados, nenhum trabalhado com a devida propriedade;
  • Missões pouco inspiradas e burocráticas;
  • Fauna e flora de diversidade enganosa;
  • Distribuição sofrível de recursos gerenciáveis;
  • Sistema de sinergia entre os medidores de vida e energia é um fardo que mais prejudica do que colabora na imersão;
  • Falta de opções interessantes de personalização do na’vi;
  • Jogabilidade ultrapassada em pelo menos uns dez anos.
Avatar: Frontiers of Pandora — PC/PS5/XSX — Nota: 4.0
Versão utilizada para análise: PlayStation 5
Revisão: Juliana Piombo dos Santos
Análise produzida com cópia digital cedida pela Ubisoft

É jornalista formado pelo Mackenzie e pós-graduado em teoria da comunicação (como se isso significasse alguma coisa) pela Cásper Líbero. Tem um blog particular onde escreve um monte de groselha e também é autor de Comunicação Eletrônica, (mais um) livro que aborda história dos games, mas sob a perspectiva da cultura e da comunicação.
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