Seja bem-vindo ao segundo capítulo do especial Mega Drive 35 anos! Em nosso encontro anterior relembramos as primeiras tentativas da Sega para emplacar um videogame de sucesso, o surgimento do console de 16-bits no Japão, as tecnologias que serviram de base para seu desenvolvimento e o tamanho da “encrenca” que ele teria de enfrentar logo de cara: nada menos do que o lançamento de Super Mario Bros. 3 para Nintendo Famicom.
Hoje iremos saber mais como foram as estratégias iniciais para emplacar a versão americana do Mega Drive (Sega Genesis) num cenário tão difícil, dado o domínio quase absoluto da Nintendo naquela época. Boa leitura!
Videogame ou brinquedo?
Para entendermos algumas das atitudes que tanto Sega, quanto Nintendo tomaram ao chegarem aos Estados Unidos, precisamos voltar (ainda mais) no tempo.
O final da segunda geração de videogames, capitaneada pelo Atari 2600, foi muito traumático para os fabricantes e desenvolvedores no mercado norte-americano. Havia uma quantidade tão grande de jogos de baixa qualidade sendo lançados que, em 1983, o mercado praticamente “derreteu”: consumidores deixaram de lado os consoles e seus jogos, voltando suas atenções (e carteiras) aos microcomputadores.
O impacto foi tão significativo que, entre 1983 e 1985, a receita das empresas produtoras de videogames despencou de 3,2 bilhões para apenas 100 milhões de dólares, o que levou a Atari, dentre outras fabricantes, a se desfazer de seus estoques a preços irrisórios ou, em alguns casos, até descartando cópias não vendidas de jogos como E.T. (Atari 2600) em aterros sanitários!
A Nintendo e a Sega, apesar de terem lançado seus consoles (já de terceira geração) em 1983, não sofreram diretamente com o impacto dessa crise pois o mercado inicial de ambas era o japonês, mas tiveram de tomar muitas ações para, ao chegar na América do Norte, conquistar esse consumidor que andava muito desconfiado.
As medidas que a casa do Mario adotou para lançar seu produto nos Estados Unidos em outubro de 1985 foram todas visando tirar a “aparência de videogame” de seu console: além de renomeá-lo como sendo um “sistema de entretenimento” (Nintendo Entertainment System), modificou totalmente o design externo e, inicialmente, vendeu em conjunto com o NES um simpático robozinho, o R.O.B., que serviria como um segundo jogador. Na prática, o videogame era vendido como um brinquedo para as crianças, afastando qualquer conotação negativa que havia sobre os consoles naquela época.
Tonka e Atari
A Sega, percebendo a proporção do sucesso do console de sua rival, lançou seu Master System nos EUA em setembro de 1986, também com mudanças estéticas e de nome em relação à sua contraparte japonesa, o Mark III. Porém, avaliando que o NES foi bem-sucedido por ter sido vendido como um brinquedo, a Sega decidiu vender os direitos de distribuição nos Estados Unidos de seu console de 8-bits para a fabricante de brinquedos Tonka, mais conhecida até então pelos seus carrinhos e tratores.
A ideia até fazia sentido, pois uma empresa local com anos de experiência no mercado de brinquedos poderia ter um conhecimento maior dos costumes de consumo dos americanos; mas o que a empresa japonesa não levou em conta era o fato de que a Tonka não tinha nenhuma experiência com brinquedos eletrônicos, muito menos com videogames. Dessa forma, a empresa americana acabou não dando tanta ênfase ao console, fazendo com que o abismo entre o NES e o Master System só aumentasse.
Para a Sega, a partir dali, não haveria outra alternativa: se quisesse fazer do Sega Genesis um sucesso, tudo teria de ser feito de forma diferente. Mesmo assim, quase que os rumos de seu console foram parar novamente em mãos de terceiros.
A gigante japonesa dos arcades, inicialmente, propôs à Atari uma parceria para o lançamento de seu console de 16-bits nos Estados Unidos, mas a empresa norte-americana preferiu investir em seus próprios consoles e computadores, como o Atari ST.
Não foi a primeira vez que a Atari deixou escapar uma chance de ouro dessas, pois em 1983, antes de a Nintendo desembarcar nos Estados Unidos com seu NES, a empresa japonesa havia proposto que o Famicom fosse distribuído pela fabricante norte-americana. Chegou a ser produzido um protótipo, o Nintendo AVS, que se assemelhava muito mais a um computador do que a um videogame, mas não houve acordo entre as partes para seu lançamento.
Chega a ser irônico pensar que a empresa líder da segunda geração de videogames decidiu não distribuir em sua terra natal os consoles que seriam os líderes da terceira e, ao menos durante um período, da quarta gerações.
Temperatura em ascensão
É inegável que o hardware do Genesis era bem melhor do que o presente no NES, mas somente potência não seria o suficiente para conquistar os consumidores para o lado azul da força. Sendo assim, uma das primeiras estratégias adotadas pela Sega foi a contratação de Michael Katz, antigo presidente da divisão de entretenimento eletrônico da Atari, para exercer a função de CEO da Sega of America.
Como a Nintendo tinha em mãos a exclusividade de diversas franquias de jogos, Katz elaborou um plano de marketing para o Genesis a fim de mostrar aos consumidores que somente o console da Sega poderia trazer a real experiência dos arcades para dentro de casa.
Nascia ali, em 1990, a famosa campanha publicitária Genesis does what Nintendon’t, cuja frase-título, em uma tradução livre, seria algo como “O Genesis faz o que a Nintendo não faz”. A temperatura da concorrência começou a subir...
Por meio de anúncios em revistas e na TV, a Sega começou a mostrar ao público que seu videogame era melhor que o da concorrência, pois era como ter um arcade dentro de casa. Além disso, ao promover seu videogame como sendo mais “descolado” e com “atitude” do que o da concorrência, um novo público-alvo poderia ser almejado, no caso, os pré-adolescentes e jovens.
Campanhas publicitárias como essa, com um tom mais “agressivo” e comparações diretas à concorrência, são comuns na cultura dos Estados Unidos, mas seriam impensáveis de serem vistas, por exemplo, no mercado japonês.
Outra estratégia adotada por Katz para promover o Sega Genesis nos Estados Unidos foi o incentivo ao desenvolvimento de novas franquias de jogos, cujas imagens fossem atreladas a atletas famosos, esportistas e celebridades.
Dessa forma poderiam ser contornados três desafios de uma vez:
- Primeiro, pela criação de novas franquias de jogos que não seriam subordinadas aos contratos de exclusividade de jogos já existentes na plataforma da Nintendo;
- Segundo, pelo desenvolvimento de jogos baseados em esportes que demandariam o potencial técnico a mais que o Sega Genesis oferece em relação ao NES; e
- Terceiro, por serem atrelados à imagem de pessoas famosas, referências nas áreas que atuam, os jogos ganhariam uma “aura” de produtos de qualidade.
Assim, surgiram jogos de diversos estilos que poderiam agradar ao público local, tais como Joe Montana Football, Tommy Lasorda Baseball e o inesquecível platformer Michael Jackson's Moonwalker, estrelando o astro do pop.
Uma das desenvolvedoras que mais se beneficiou com essa abertura ao mundo dos jogos de esporte foi a Electronic Arts, também conhecida como EA. Franquias famosas até hoje no mundo dos videogames tiveram seus primeiros passos desenvolvidos para o 16-bit da Sega, tais como John Madden Football (1990), NHL Hockey (1991) e FIFA International Soccer (1993)
Pilares de uma revolução
Com todo esse investimento e mudança na forma de se fazer negócios nos Estados Unidos, definitivamente o Sega Genesis já estava se saindo melhor do que o Master System nas mãos da Tonka. Mesmo assim, a dificuldade para vencer a Nintendo ainda persistia, pois estavam sendo lançados na América do Norte alguns dos melhores jogos “recém-saídos do forno”, diretamente do Japão, como Megaman 2 e Castlevania III.
Para se ter ideia do desafio que ainda teriam de enfrentar, a versão localizada de Super Mario Bros. 3, lançada na América do Norte em 12 de fevereiro de 1990, chegou a vender 250 mil cópias apenas nos dois primeiros dias, em contraste às 500 mil unidades comercializadas do Sega Genesis no período de um ano, desde seu lançamento nos EUA, em 1989.
Na metade do ano de 1990 Michael Katz foi dispensado e, em seu lugar, foi contratado Tom Kalinske, um executivo do ramo dos brinquedos que não tinha familiaridade com videogames, mas prepararia um plano bem audacioso, baseado, em partes, no que o antigo CEO começara a implementar durante o primeiro ano de vida do console na América.
Enquanto isso, no Japão, começava a ser concebido aquele que seria, durante anos, o rival de maior peso contra o domínio do encanador da Nintendo e de seu NES: Sonic the Hedgehog.
Próximos capítulos
No próximo texto iremos saber mais sobre qual foi a abordagem adotada por Tom Kalinske para esquentar de vez a guerra dos consoles, o lançamento do primeiro game do ouriço azul da Sega e o surgimento, no Japão, de um rival à altura do Mega Drive.
Confira todas as partes do especial:
- Parte 1: Relembrando o surgimento do 16-bits da Sega
- Parte 2: Grandes desafios no lançamento norte-americano do console
- Parte 3: Nasce um ouriço azul e o despertar da guerra dos consoles
- Parte 4: Estratégias e ações de Sega e Nintendo na guerra dos 16-bits
- Parte 5: Anos finais, desempenho internacional e um legado duradouro
Revisão: Vitor Tibério
Fonte ilustrações: taylorhatmaker (aterro), The Games Awards (Nintendo AVS)
Referências: Time Extension, SEGA Nerds, Inverse, IGN ([1], [2]) e livro "Console Wars", de Blake J. Harris