Há 25 anos, a Square nos presenteou com um RPG de conceitos inovadores, que se destacou tanto em termos de narrativa quanto de jogabilidade. Estamos falando de Parasite Eve, um jogo repleto de méritos e originalidade lançado para o primeiro PlayStation em 1998.
Uma véspera de natal alucinante
O conceito de Parasite Eve originou-se de um livro japonês homônimo, criado por Hideaki Sena. A história gira em torno da ideia de que mitocôndrias, responsáveis pela geração de energia nas células, evoluem a ponto de se tornarem uma entidade consciente que se rebela contra a humanidade.
Nesse contexto, a trama do título da Square ocorre após os eventos da obra literária, sempre se referindo às ocorrências do material original, por meio de um personagem chamado Kunihiko Maeda, como o incidente no Japão. Embora o jogo seja uma continuação do manuscrito, ele é perfeitamente autossuficiente e não exige conhecimento prévio para ser apreciado.
Logo nos momentos iniciais, podemos notar que Parasite Eve diferencia-se de outros RPGs, abandonando a ambientação fantasiosa ou medieval comum ao gênero e situando-se nos dias contemporâneos ao lançamento. Tudo começa em uma véspera de Natal, na icônica cidade de Nova Iorque, com a policial Aya Brea se dirigindo a um teatro para um encontro com um jovem.
Durante a apresentação, enquanto uma mulher chamada Melissa entoa um cântico, os espectadores, exceto a nossa protagonista, inexplicavelmente começam a entrar em combustão. Vale mencionar que a representação dessa chocante situação é realizada por meio de uma cena em CGI assustadora e impressionante para os padrões da época.
Diante desse terrível cenário, Aya sobe ao palco para confrontar a misteriosa mulher, que se autodenomina como Eve e alega que as células das duas estão tentando se comunicar. Essa inusitada conversa é seguida por um estranho calor que Aya sente em seu próprio corpo, desencadeando o despertar de incompreensíveis poderes.
Bons personagens fazem uma boa história
Como mencionado, Parasite Eve se desenrola no contexto de sua época de lançamento e é fundamentado em um conceito científico genuíno: as mitocôndrias. Essa abordagem, por si só, confere ao jogo uma trama notavelmente verossímil, porém ele vai além, incorporando detalhes que o tornam verdadeiramente singular.
A campanha transcorre ao longo de seis dias, nos quais Aya persegue Eve ao mesmo tempo que desvenda os segredos de seu próprio passado e de sua família, sobretudo os eventos que envolveram a morte de sua irmã.
Assim como Clarice Starling, brilhantemente interpretada por Jodie Foster em O Silêncio dos Inocentes, Aya também é uma policial notavelmente competente, operando em um cenário predominantemente dominado pelo sexo masculino, e tendo seu imenso potencial devidamente reconhecido ao longo dessa trajetória.
A protagonista de Parasite Eve é forte e inteligente, mas, acima de tudo, é humana. Durante sua jornada, somos testemunhas de sua perplexidade diante dos eventos que a envolvem, de sua incerteza quanto à capacidade de solucionar a situação e de seu temor em relação à sua conexão com Eve. A construção dessa personagem é alicerçada no excelente texto do jogo, que se distancia de frases grandiosas e diálogos prolixos, preferindo, em vez disso, manter conversas ágeis e realistas, em sintonia com a urgência da trama.
Além de Aya, o jogo apresenta outros personagens igualmente intrigantes com suas próprias histórias pessoais. Torres, por exemplo, é o responsável pelas armas no departamento de polícia e mantém um cuidado excepcional com esse equipamento, devido a um evento traumático em seu passado.
Já Daniel, outro policial, luta para tentar equilibrar seu tempo entre o trabalho e a responsabilidade de cuidar de seu filho Ben, que frequentemente é negligenciado devido ao comprometimento do pai com o emprego. O menino, por sua vez, faz de tudo para passar mais tempo com seus pais, o que resulta em situações perigosas.
Essa diversidade de personagens contribui para tornar a trama de Parasite Eve mais convincente e coerente. O mundo não aguarda a chegada de uma entidade poderosa; ao contrário: os indivíduos da história já estão vivendo suas vidas e enfrentando seus próprios desafios quando se deparam com a nova ameaça representada por Eve.
Um RPG fora do comum
Parasite Eve se destaca não apenas na narrativa, mas também na jogabilidade. Durante os seis dias da história, exploramos diversas áreas de Nova Iorque, como o teatro, um museu, o departamento de polícia, um hospital e os esgotos. Os ambientes são apresentados em cenários 3D pré-renderizados com uma câmera de perspectiva fixa, que em alguns momentos acompanha a protagonista.
Enquanto exploramos a cidade, deparamo-nos com batalhas por turnos um tanto diferentes. Explico: os encontros com inimigos iniciam de repente em pontos específicos do mapa e se desenrolam no próprio local onde estávamos andando, assemelhando-se a Chrono Trigger.
Durante os combates, podemos nos mover livremente, mas, ao contrário de outros jogos por turnos com esse recurso, aqui, a movimentação é essencial, permitindo-nos desviar dos ataques dos inimigos. Além dos tradicionais pontos de vida, dispomos de uma barra de energia semelhante ao MP e outra que, quando cheia, possibilita nossa ação, semelhante ao ATB de alguns jogos da série Final Fantasy.
Dado que Aya é uma policial, seu equipamento consiste em coletes para defesa e armas de fogo e cassetetes para ataque. Suas habilidades são majoritariamente voltadas para suporte, como cura de vida e efeitos negativos, aumento de velocidade e criação de barreiras. No entanto, também existem opções ofensivas, como redução da velocidade dos inimigos e uma técnica especial muito poderosa disponível em níveis mais avançados.
O que torna tudo mais intrigante é que, enquanto realizamos um ou mais golpes (as armas podem ser aprimoradas para desferir mais de um tiro por ação), a barra de ação continua a subir. Isso, juntamente com a capacidade de movimentação livre e desvio dos ataques inimigos, torna as batalhas extremamente dinâmicas, rápidas e divertidas. Além disso, os inimigos não são nada mais do que animais que sofreram mutações devido à influência de Eve, reforçando a coesão da gameplay com a narrativa.
Contudo, os méritos de Parasite Eve não se limitam à história e à jogabilidade, pois o jogo também é dotado de uma trilha sonora incrível. A compositora é ninguém menos que Yoko Shimomura, que já havia trabalhado em outras obras notáveis da Square, como Super Mario RPG e Live A Live. Mais tarde, ela se destacaria novamente com a excelente trilha de Kingdom Hearts.
O talento de Shimomura é evidente logo nos primeiros segundos do game, com seu fantástico tema de abertura. As músicas trazidas por essa artista desempenham um papel crucial na construção da tensão da obra. Com tons menos alegres do que os RPGs tradicionais e em harmonia com a atmosfera sombria dos cenários, Parasite Eve consegue transmitir a sensação de ser uma produção mais séria, voltada para um público mais maduro.
Além de Shimomura, outras grandes mentes estão por trás deste jogo, como Hironobu Sakaguchi, o criador de Final Fantasy, atuando como produtor; Tetsuya Nomura, o grande cérebro por trás de Kingdom Hearts, como designer de personagens; e Takashi Tokita, diretor de Chrono Trigger, sendo o responsável pela direção.
Desafiador para quem desejar
Com esse sistema de combate criativo e diferente, surgem benefícios e desafios. Para os jogadores que preferem uma abordagem direta e evitam a repetição de lutas, Parasite Eve é uma opção atraente, pois pode ser concluída em menos de dez horas, com encontros e batalhas fixas, o que evita que o jogo apresente muitos confrontos indesejados durante a exploração.
Já aqueles que gostam de explorar cada canto do mapa, naturalmente, enfrentarão mais batalhas, mas serão recompensados com recursos adicionais. Assim, o título oferece benefícios para ambos os perfis. No entanto, uma dificuldade recai sobre a conquista de uma cena extra que se encaixa como uma espécie de final alternativo.
Após completar o jogo uma vez, é desbloqueado um tipo de New Game Plus, no qual reiniciamos a história no nível 1, mas com uma arma e colete à escolha. A grande novidade é um edifício acessível no mapa geral, composto por mais de 70 andares procedurais repletos de inimigos e chefes. É concluindo o último piso deste prédio que conseguimos visualizar o final mais benéfico.
Dado o limite de grinding no jogo, é altamente improvável que um jogador consiga vencer esse local logo no início da segunda campanha, obrigando-o a voltar ao jogo principal para adquirir níveis suficientes antes de se aventurar nessa nova empreitada. Embora esse desafio possa desencorajar alguns jogadores a enfrentá-lo, é igualmente verdadeiro que ele oferece um conteúdo pós-jogo muito interessante e que, de certa forma, recompensa os jogadores pelo tempo investido.
Sequências interessantes, mas diferentes
Parasite Eve foi bem recebido em seu lançamento e gerou duas sequências. A primeira, intitulada Parasite Eve II e lançada em 1999 também para o PlayStation, ocorre após os eventos do primeiro jogo. Dessa vez, o título se inclina mais para o gênero de survival horror do que para o RPG, eliminando os encontros quase aleatórios em favor de inimigos que vagam livremente pelo mundo e adotando um sistema de combate em tempo real semelhante ao de Resident Evil.
Em 2010, foi lançado o terceiro jogo da série para o PSP, intitulado The 3rd Birthday. Este game é ainda mais distante do primeiro e adota totais características de um jogo de ação com elementos de shooter em terceira pessoa. Também existe uma discussão sobre se a trama desta obra é realmente uma continuação dos dois primeiros jogos, com muitas pessoas o considerando mais um spin-off ou sucessor espiritual.
Ambos os jogos têm seus pontos positivos e oferecem experiências interessantes se considerados isoladamente, com Parasite Eve II sendo uma boa pedida para quem gosta de obras como Resident Evil, e The 3rd Birthday sendo um dos jogos mais bonitos do PSP e possuindo uma trama bem complexa.
No entanto, ao analisá-los como sequências do excelente Parasite Eve, eles deixam a desejar, representando uma certa perda de identidade, especialmente o The 3rd Birthday, que optou por seguir um caminho de apelação sexual envolvendo a protagonista, algo totalmente contrário ao tom sério da primeira obra. Nesse sentido, vale destacar que, embora as artes de divulgação de Parasite Eve tendem a focar demasiadamente nos atributos físicos de Aya Brea, não existe qualquer tipo de sexualização durante o primeiro jogo.
Um marco atemporal
Com sua narrativa envolvente, jogabilidade inovadora e personagens memoráveis, Parasite Eve continua a ser um ícone nos RPGs, mantendo seu lugar de destaque dentro deste gênero tão rico. Embora as sequências tenham ousado experimentar abordagens diferentes e, talvez, não tenham alcançado o mesmo brilho do jogo original, o impacto deste último permanece inabalável, deixando uma marca indelével na história dos jogos.
Revisão: Heloísa D'Assumpção Ballaminut