A franquia Sonic teve uma série de títulos durante os anos 1990, bem acima da maioria das outras até então. Embora boa parte das discussões sobre esses jogos girem em torno da trilogia do Mega Drive, indo no máximo até Sonic CD (Sega CD), as diversas plataformas que a Sega criou nesse período receberam suas próprias aventuras do ouriço.
Quando o add-on 32X, acessório que dava ao Mega Drive o poder dos 32-bits, chegou ao mercado, não demorou muito para que a principal série da Sega tivesse seu espacinho nesse novo hardware. Mas ao invés de colocar a estrela ao palco, foi a vez do seu rival ter o destaque: o equidna Knuckles recebeu sua própria e única aventura, junto de uma nova galera, em Knuckles’ Chaotix, de 1995.
O infame protótipo
Antes de entrar a fundo na aventura do vermelhão, houve um estranho projeto esquecido que deu origem a Knuckles’ Chaotix. Se trata de Sonic Crackers, um misterioso protótipo para o 16-bits da Sega que acabou vazando ainda nos anos 1990 pela internet, cuja história nunca foi bem explicada.
Datando de 1 de abril de 1994, a demonstração consistia em Sonic e Tails andando por algumas fases não finalizadas, mas com uma mecânica diferente da habitual: cada herói segura um anel, que se magnetiza ao do outro. Feita a ligação, toda a física do game trabalhava em torno disso, utilizando de inércia para compor alguns recursos de velocidade para a gameplay.
Não se sabe o porquê da existência desse protótipo, se era para ser um futuro título para o Mega Drive ou apenas uma demo conceitual para KC, mas ela compartilha não apenas as mecânicas, como também faixas musicais que foram para o game final.
As caóticas questões regionais
Knuckles’ Chaotix possui duas histórias diferentes, uma constando no manual japonês e outra no ocidental. Na história japonesa, que se passa após os eventos de Sonic 3 & Knuckles, uma ilha surge devido à queda da Floating Island, revelando uma fonte de poder misteriosa: o Anel Especial, que tem a capacidade de criar fendas dimensionais e está diretamente ligado ao pilar da Esmeralda Mestra.
Essas fendas acabam cristalizando seis Anéis do Caos e Robotnik, percebendo que isso pode ajudar em seus planos, cria uma nova instalação de pesquisa chamada Newtrogic High Zone, construindo robôs através de anéis artificiais feitos na base do poder recém-descoberto.
Quatro personagens acabam chegando tardiamente na ilha e são sequestrados: Espio, o camaleão; Mighty, o tatu; Vector, o crocodilo; e Charmy, a abelha. Knuckles, pressentindo problemas, salva Espio ao chegar na ilha, e ambos se unem com o objetivo de frustrar os planos do doutor Eggman.
Por outro lado, a história ocidental é mais simples e não faz muito sentido. Knuckles protege a Ilha do Carnaval, onde está localizado um parque de diversões de alta tecnologia. Robotnik, sabendo que a atração é alimentada por uma esmeralda (que não é uma Esmeralda do Caos), vai ao local e acaba sequestrando Espio, Vector, Mighty e Charmy, que estavam apenas de passagem.
Agora, cabe a Knuckles ajudar a todos e deter o vilão, que é auxiliado pelo poder dos anéis. Tanto no enredo oriental quanto no ocidental, os aliados são resgatados da Combi Catcher, uma máquina que petrifica quem estiver dentro.
Ligados pelo poder
A mecânica central de Knuckles’ Chaotix é descrita na seção sobre Sonic Crackers. Usando como base o esquema de duplas já estabelecido na franquia, cada personagem segura um anel que os mantém conectados como ímãs, de forma que um não pode se afastar muito do outro.
O parceiro fica parado ao segurar um botão, enquanto o personagem controlado pelo jogador ainda pode se movimentar. Esticando a força magnética entre eles ao máximo e soltando este botão, ambos atingem altas velocidades devido à inércia, tanto no chão quanto verticalmente. Além dessa interação, é possível segurar o aliado e arremessá-lo em alguma direção, seja como ferramenta contra inimigos ou para ajudar em situações em que o sistema dos anéis pode trazer algumas complicações.
Apesar da ideia interessante de utilizar os dois personagens em tela de forma mais eficaz, o fato de estarem ligados acaba trazendo alguns problemas. Como a base de KC ainda se sustenta no que foi criado em Sonic, o peso do parceiro influencia diretamente na física convencional da franquia. É comum pular em molas e um dos heróis puxar o outro para alguma direção, ou um dos dois ficando preso em algum canto. Até mesmo o sistema de puxar o parceiro verticalmente é um pouco confuso de ser utilizado.
Para tentar remediar essas situações, há uma ação específica de "liberar" o segundo personagem ao custo de 10 anéis, quase como um reset. Os desenvolvedores claramente tinham conhecimento dos problemas que isso poderia causar, e o jogo até inclui um tutorial lento logo no início.
Uma ilha vazia
Além dos cinco principais, há chances de pegar dois personagens que mais atrapalham do que ajudam no Combi Catcher: Heavy e Bomb. |
Knuckles’ Chaotix apresenta uma espécie de hub, onde se encontra tanto uma máquina de garra para selecionar um parceiro quanto o acesso às fases, que são feitas de forma sortida. Aqui temos cinco estágios, separados por níveis — não há a clássica nomenclatura de zonas e atos aqui —, e uma máquina sorteará aonde o jogador irá naquele momento.
Já as fases, em sua base, funcionam como em um Sonic tradicional, num caminho de ponto A ao ponto B com bifurcações, inimigos, plataformas, armadilhas e bastante elevações para ajudar ou atrapalhar a velocidade dos protagonistas.
Entretanto, dá para dizer que KC sofre de um problema inverso ao de Sonic CD: enquanto o jogo em mídia ótica sofre de excessos, o título de 32-bits sofre pela falta, pois os níveis não apresentam tantos badniks e obstáculos para desafiar a jornada, deixando uma sensação de vazio. Também não ajuda que, tirando o visual, as fases não se diferenciam muito mecanicamente.
KC acaba recorrendo bem mais à verticalidade em seu level design, principalmente nos estágios Amazing Arena e Techno Tower, que usam e abusam do sistema dos anéis para compor as subidas. Inclusive, o foco é representado pelas habilidades especiais de cada personagem selecionado, já que todos eles possuem algum recurso de escalada. Espio, por exemplo, pode andar pelas paredes e teto; Mighty os utiliza como ferramenta de impulso; e Charmy tem a absurda capacidade de voar infinitamente para qualquer direção.
O poder das cores e dos polígonos
O 32X pode não ter sido o sistema de 32-bits mais poderoso que já existiu, mas certamente trouxe mais capacidade ao Mega Drive. Knuckles’ Chaotix apresenta uma explosão de cores na tela ao mesmo tempo e aproveita para preencher as fases com detalhes visuais, tanto no plano de fundo quanto no principal. A direção artística utiliza formas geométricas para ajudar no detalhamento e, embora às vezes os cenários pareçam poluídos, acaba trazendo uma identidade diferente dos jogos contemporâneos.
Atuando como uma espécie de demonstração do que o add-on era capaz, há o uso intensivo de escalonamento e zoom de sprites, como alguns badniks que saem da tela até o plano principal, monitores especiais que aumentam e diminuem o tamanho dos heróis, ou o belo efeito dos anéis arremessados à tela ao levarmos dano.
Como se não bastasse toda a capacidade aprimorada em 2D, a aventura ainda conta com Special Stages e Bonus Stages. Enquanto o segundo é uma descida em busca de itens, o primeiro consiste em percursos construídos em 3D, nos quais o objetivo é coletar uma quantidade determinada de esferas azuis. Começando com tubos simples, desafios posteriores incluem até sessões de plataforma e armadilhas para aumentar a dificuldade de coletar as Chaos Rings, que são necessárias para obter o melhor final.
A parte musical é muito caprichada, como de praxe na franquia, lotada de músicas marcantes como ‘Door Into Summer’, ‘Midnight Greenhouse’ e ‘Combination’. É um dos melhores usos técnicos da plataforma devido ao aproveitamento de todo o hardware que a combinação “Mega + 32X” tem a oferecer (o sintetizador FM do Mega, o chip de som PSG do Master System e o reprodutor de samples PWM do próprio add-on).
Door Into Summer
Midnight Greenhouse
Combination
Caoticamente único
Mesmo que Knuckles’ Chaotix esteja longe de possuir o brilho e a qualidade dos jogos maiores da franquia lançados até então, ele oferece uma aventura diferente com uma mecânica única que só foi explorada naquele momento. Ele funciona mais como uma demonstração do poder do 32X, e nesse aspecto, ele se destaca. É uma pena que a Sega o tenha deixado no esquecimento, pois nunca houve um relançamento em nenhuma das inúmeras coletâneas produzidas pela empresa.
Knuckles’ Chaotix é uma peça curiosa de seu tempo e certamente influenciou o futuro da série, seja apresentando personagens como Espio, Charmy e Vector, que ganharam mais destaque a partir de Sonic Heroes (Multi), ou pelas referências que foram feitas a ele em Sonic Mania (Multi) — aquele monitor de anel azul vem daqui mesmo!
Revisão: Davi Sousa