Blast from the Past

Beyond Good & Evil (Multi): 20 anos de uma história que continua relevante

A luta pelo fim da opressão ainda é uma pauta de suma importância para nossa sociedade como um todo.


Em 2003, a Ubisoft lançou Beyond Good & Evil, um jogo que ganhei de aniversário de um amigo muito querido meu. À época, eu simplesmente achei incrível poder jogar com uma protagonista feminina que usava sua profissão como principal arma contra a opressão com a qual ela era obrigada a conviver; porém, aos 12 anos, eu estava longe de entender o real significado da luta de Jade pelo fim da ocupação alienígena em Hyllis.


Revisitando o jogo, 20 anos depois, parece que ele continua mais atual do que já era: guerras, revoluções, reivindicações e disputas de poder são termos que continuam acompanhando nossa sociedade, seja no Brasil ou no restante do mundo. E se eu acredito que videogames também podem ser uma forma de expressão, obviamente não posso deixar de falar deste incrível título da Ubisoft.

Um futuro não tão diferente do nosso presente

A história se passa em Hyllis, no ano de 2435. Este remoto planeta, cuja arquitetura lembra um estilo europeu de outrora, é cercado por tecnologia, mas sua aparência parece mais a de um local desolado, um cenário perfeito para qualquer história de ficção científica que se preze. No entanto, sua população está sob constante ataque de uma raça alienígena conhecida por DomZ, que procura mão de obra escrava e energia vital para dar seguimento a seus planos.

Neste contexto, uma força militar, a Alpha Sections, promete livrar Hyllis da invasão dos DomZ, e não demora para que os cidadãos do planeta se encantem por essa promessa, logo se transformando em uma ditadura militar. Contudo, por debaixo do pano, a Alpha Sections não está sendo capaz de cumprir com sua palavra, mas, para se manter no poder, continua a mentir para a população de Hyllis.

Suspeitando de uma possível aliança entre Alpha Sections e DomZ, surge uma força de resistência, IRIS Network, que trabalha em segredo para trazer a verdade à tona. Jade, a heroína de Beyond Good & Evil, faz parte desse grupo rebelde; munida de um bastão, uma máquina fotográfica e um forte senso de justiça, ela decide abraçar a causa de IRIS para libertar Hyllis da tirania em que vive.

Uma inovação para a época

Beyond Good & Evil é um jogo de aventura com porções de ação e stealth ao longo da campanha, com direito a alguns quebra-cabeças aqui e ali para quebrar um pouco os padrões que muitos outros títulos já exploravam. Nesse sentido, em termos de jogabilidade, há poucas mudanças para além do que o mercado já estava acostumado a ver.

No entanto, o título da Ubisoft tem como grande trunfo sua narrativa e, acima de tudo, a escolha por uma mulher como protagonista. Jade é forte, independente e capaz de se defender sozinha, algo que, na primeira década do século XXI, era pouco comum de se ver em mulheres em diversas mídias, sobretudo nos videogames.


Diferentemente de Lara Croft, que já havia se consolidado como uma grande heroína alguns anos antes, Jade não usa armas de fogo, mas sim uma arte marcial chamada Daï-jo e, acima de tudo, sua fiel máquina fotográfica, para se defender. Desse modo, temos na protagonista de Beyond Good & Evil uma representação mais do que bem-vinda da força feminina, servindo, ao lado de Croft, como inspiração para novas protagonistas que surgiram anos depois.

Para além da jogabilidade e do protagonismo feminino, a Ubisoft foi capaz de criar uma narrativa única pautada em política, mas sem deixar de lado os elementos de ficção científica e fantasia apresentados na ambientação do jogo. Para os idos dos anos 2000, tal abordagem, ainda mais em videogames, era considerada algo inovador e atípico, e logo Beyond Good & Evil se provou um poderoso meio para transmitir histórias complexas e profundamente significativas.

Um homem sem medo de arriscar

Antes de Beyond Good & Evil, Michel Ancel era conhecido como o “pai do Rayman”, a principal mascote da Ubisoft. No entanto, seu desejo de dar uma maior sensação de liberdade ao jogador, mesmo em uma narrativa linear, fez Ancel compor uma equipe de 30 funcionários e seguir em frente com o Project BG&E.

Para isso, Ancel foi buscar referências políticas, sobretudo as consequências dos ataques de 11 de setembro, para criar uma ambientação capaz de despertar o interesse e prender o público. Outras fontes de inspiração, como os filmes de Hayao Miyazaki, ajudaram a compor o cenário de Hyllis, fazendo com que, no fim das contas, Beyond Good & Evil se transformasse em um grande longa-metragem jogável.

A trilha sonora bem-pensada, mérito de Christophe Héral, também ajudou a elevar o conceito do título da Ubisoft. Em especial, o compositor conseguiu criar faixas capazes de transmitir o poder da mídia como ferramenta de controle das massas, sobretudo com a excelente música Propaganda — que, inclusive, tocava durante a instalação do jogo no PC.

O legado que continua até hoje

Apesar de não ter alcançado as vendas que esperava, Beyond Good & Evil provou ser um grande sucesso de crítica, chegando a receber indicações e premiações em diversas cerimônias. Além disso, desde 2008, uma sequência — que Ancel afirma não ter sido cancelada — está em andamento; em 2020, a Netflix anunciou que um filme live-action adaptado do jogo está sendo produzido em parceria com Rob Letterman, diretor de Detective Pikachu, mas nenhuma informação foi passada desde então.

De modo geral, Beyond Good & Evil pode ser considerado uma pérola escondida da Ubisoft, um jogo que, apesar de seus 20 anos, ainda traz um debate atual e relevante para nós: até que ponto somos escravos da mídia?


Revisão: Heloísa D’Assumpção Ballaminut
Capa: Thais Santos
Screenshots: Steam

Também conhecida como Lilac, é fã de jogos de plataforma no geral, especialmente os da era 16-bits, com gosto adquirido por RPGs e visual novels ao longo dos anos. Fora os games, não dispensa livros e quadrinhos. Prefere ser chamada por Ju e não consegue viver sem música. Sempre de olho nas redes sociais, mas raramente postando nelas. Icon por 0range0ceans
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